quinta-feira, 3 de abril de 2014

São José de Anchieta

Este texto de 2005 ganha especial actualidade em 2014 quando o Beato José de Anchieta é canonizado.

São José de Anchieta

José de Anchieta nasceu em San Cristobal de La Laguna, na ilha de Tenerife, no Arquipélago das Canárias, em Espanha, a 19 de Março de 1534. Foi o terceiro filho de Mência Dias de Clavijo Llerena e de João Lopez de Anchieta, um basco que se refugiara nas Canárias, depois de ter escapado à pena de morte pela participação numa insurreição contra o governo de Castela. Um dos seus irmãos foi soldado e outro missionário no Novo Mundo. José devia ter sido soldado, mas o pai, vendo o menino muito pequeno já a versejar e em latim, mudou de ideias. Assim, aos catorze anos de idade, José vai para Coimbra e estudo no Real Colégio de Artes. Começa a fazer versos em latim, língua com que já tomara contacto, nas Canárias, ao aprender as primeiras letras com os Dominicanos, e ganha a alcunha de “Canário de Coimbra”.
Em 1549, o primeiro grupo de missionários jesuítas, encabeçados pelo padre Manuel da Nóbrega, chega ao Brasil, com Tomé de Sousa, o primeiro governador nomeado para a colónia por Dom João III.
Em 1551, José de Anchieta juntou-se à Companhia de Jesus. É curioso notar que Inácio de Loyola, o fundador da Companhia de Jesus, fora anteriormente oficial do exército castelhano e foi ele que salvou o pai de José da pena de morte, facto atrás referido. Uma intensa actividade no Colégio da Companhia de Jesus dá-lhe progressivamente cabo da coluna vertebral que fica completamente torta, a ponto de ser visível pelas outras pessoas e provocando intensas dores.
Em 1553 parte para o Brasil mais um grupo de missionários jesuítas. Vão como companheiros de viagem transatlântica do segundo governador do Brasil, Duarte da Costa, e partem a 8 de Maio. No grupo de jesuítas vai o Irmão José de Anchieta. Quando chegam ao Brasil, os jesuítas dividem-se em grupos, seguindo cada qual para um dos colégios que o padre Manuel da Nóbrega e os seus companheiros já tinham começado a estabelecer. José de Anchieta segue com um grupo que vai para sul, em direcção a São Vicente. Projectando estender a missionação ao Paraguai, o padre Manuel da Nóbrega manda erguer uma choupana para lhes servir de base, num planalto, um pouco para o interior. A choupana é construída a 24 de Janeiro de 1554 e inaugurada com missa no dia seguinte, a festa da conversão de São Paulo. Esta choupana é, pois, o núcleo de onde germinará a grande metrópole que é hoje São Paulo. José de Anchieta é um os treze jesuítas fundadores desta grande cidade. O trabalho de anúncio aos índios e de administração dos sacramentos está a começar. José de Anchieta, que continua e continuará toda a vida com as costas deformadas, dá-nos conta do seu trabalho e do seu estado de espírito:
Até agora tenho estado em Piratininga. Ocupo-me em ensinar gramática em três classes diferentes. E, às vezes, estando eu dormindo, me vêm a despertar para fazer-me perguntas; e em tudo isto parece que saro; e assim é, porque, em fazendo conta que não estava enfermo, comecei a estar são; e podeis ver minha disposição pelas cartas que escrevo, as quais parecia impossível escrever em Coimbra.” A boa preparação académica de Anchieta faz dele um mestre entre os outros jovens jesuítas do grupo.
Os índios são instruídos e vão chegando atraídos pelas novidades que os jesuítas fazem acontecer. Anchieta ensina – são principalmente as crianças que os portugueses conseguem ensinar – a escrever, a ler, a catequese, o canto! José de Anchieta, como é hábito dos jesuítas em toda a sua acção na América do Sul, esforça-se para promover e dignificar os índios, opondo-se à escravização destes que a outros tanta agrada!
Dominando já fluentemente o português, o castelhano e o latim, José de Anchieta aprende a língua tupi, falada por aqueles índios, para melhor se poder relacionar com eles, compreendê-los e fazer-se compreender; para ajudar as outras pessoas da região a relacionarem-se também, ele escreve uma gramática da língua tupi, que viria a ter grande utilidade naquele território. Esta primeira gramática de língua tupi foi editada pela primeira vez em Coimbra, em 1595.
Em 1555, os franceses conseguem instalar-se em Guanabara. São calvinistas e anseiam por tomar as terras brasileiras: politicamente é uma colónia de grande extensão, do ponto de vista religioso, trata-se de expulsar os portugueses católicos. Os seus grandes aliados são os índios tamoios que odiavam os portugueses que tentavam escravizá-los.
Em 1562, já a então vila de São Paulo era um lugar de alguma riqueza agrícola, com terras roubadas à selva e transformadas em hortas e pomares, os franceses e seus aliados atacam os portugueses, que têm como aliados outras tribos de índios. São Paulo resiste, mas o Padre Manuel da Nóbrega e o irmão José de Anchieta compreendem que a situação tem que ser resolvida de outra forma, pois enquanto se escravizarem índios haverá guerra. Partem os dois jesuítas sozinhos ao encontro das aldeias dos tamoios. Falam das intenções pacíficas e fazem promessas de sã convivência, em nome dos colonos e dos militares. Eles, jesuítas, sempre se haviam oposto à escravatura.

São José de Anchieta entre os índios

Rumam os dois a Iperoig. Não são mortos logo à chegada, porque Anchieta fala a língua dos índios e com doces palavras expõe-lhes ao que vêm. As negociações, com os dois jesuítas na aldeia índia, negociando com vários chefes índios, uns defendendo a guerra, outros aceitando negociar a paz, estendem-se ao longo de sete meses. Este tempo vai servindo para José de Anchieta, que conhece a língua dos índios, ensinar catequese às crianças e também aos adultos. Ensina-lhes canções que ele próprio compôs ou traduziu para a língua tupi.
Com muito tempo livre, Anchieta entretém-se a escrever na areia. Compõe em latim o poema “A Bem-aventurada Virgem Maria Mãe de Deus”. Ele decora o poema, com 4172 versos e escrevê-lo-á quando voltar. O latim renascentista de Anchieta é considerado, por especialistas, o melhor da sua época.
Em 1563 escrevia José de Anchieta ao Geral da Companhia: “Eu me achei em Piratininga um pouco de tempo a visitar nossos discípulos, os quais me desejavam lá muito, porque me têm por bom cirurgião”. De facto, não havia médicos no Brasil de então e os jesuítas foram médicos e cirurgiões de colonos e de índios. O caso de José de Anchieta é especial, pela perícia que usou, destacando-se como bom cirurgião. Mas não só. Deixou importantíssimas anotações sobre a fauna e a flora e sua utilização em medicina, bem como muitos métodos curativos e remédios usados pelos índios.
A paz estabelecida não é duradoura e novamente as partes em conflito se defrontam, no Rio. José de Anchieta parte para o norte, para Salvador. Vai relatar a situação ao novo governador, mas vai também receber a sua ordenação presbiteral. É ordenado padre em 1566, com trinta e dois anos de idade. Poucos meses depois, os franceses são definitivamente expulsos e as tribos hostis são pacificadas. A batalha final marca o local onde começa a crescer a cidade do Rio de Janeiro.

São José de Anchieta na selva brasileira

Para além do poema referido, o padre Anchieta escreveu em português, castelhano, latim e tupi, poesia, prosa ou teatro, sobre história, filosofia ou religião. É considerado o primeiro autor literário brasileiro. Como meio de transmissão da mensagem evangélica escreveu muitas peças de teatro, através das quais transmitia valores e princípios e transmitia a doutrina cristã.
Milhares de índios abraçaram a Boa Nova e receberam o Baptismo pela mão de José de Anchieta.
O padre Manuel da Nóbrega falece em 1570 e José de Anchieta vê-se mais responsável pela actividade da Companhia, nomeadamente em relação aos colégios jesuítas. Quando finalmente pensa que se pode dedicar apenas a ensinar catequese e a dar aulas, aquilo que mais gostava de fazer, em 1577 é nomeado provincial da Companhia para o Brasil. Para o incansável padre é mais um ror de responsabilidades e trabalhos. Tem de visitar regularmente todas as missões e colégios da Companhia, mas continua a vestir-se de forma simples e a andar descalço, como sempre fizera. O direito que tinha, por tradição, de fazer-se transportar, carregado – por índios, claro – é dispensado.
Em 1584 pede dispensa do cargo, por motivos de saúde. Não esqueçamos as dificuldades que o acompanham, desde a juventude, devido à mal formação adquirida da sua coluna vertebral. A nomeação do seu substituto só chega de Roma em 1587. Ainda assim, outras tarefas de menor responsabilidade são-lhe ainda atribuídas, até 1595, quando, muito cansado e doente, repousa algum tempo, até o Senhor o chamar para o repouso final, na glória dos bem-aventurados, a 9 de Junho de 1597, em Reritiba. Os seus restos mortais foram transportados de Reritiba para Vitória, num percurso de noventa quilómetros, acompanhados por milhares de índios. A cidade de Reritiba denomina-se actualmente Anchieta.
Numerosos testemunhos asseguram milagres relacionados com José de Anchieta, em vida e depois de falecido. Por exemplo, que costumava levitar quando entrava em êxtase. O facto de os testemunhos serem oculares dificultou o andamento do seu processo de canonização, pois para este são necessárias provas documentais que possam ser estudadas e avaliadas.

Foi beatificado em 22 de Junho de 1980 por Sua Santidade João Paulo II.

In 'Os Santos de João Paulo II', Livro I, Orlando de Carvalho, Lusodidacta, 2005

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