O primeiro sacramento, numa ordenação
que tenha em conta a sequência porque são administrados pela Igreja é o
Baptismo. Mas podemos imaginar uma maneira diferente para a determinação do
primeiro sacramento. Antes de Jesus, já havia vida sacramental, o Espírito
Santo já se manifestava entre os homens e nos homens.
Centremo-nos na vida humana
conforme a Sagrada Escritura no-la apresenta.
[No sexto dia] Deus disse: «Que a Terra produza seres vivos conforme a espécie
de cada um: animais domésticos, répteis e feras, cada um conforme a sua
espécie». E assim se fez. Deus fez as feras da Terra, cada uma conforme a sua
espécie; os animais domésticos, cada um conforme a sua espécie; e os répteis do
solo, cada um conforme a sua espécie. E Deus viu que era bom. Então Deus disse:
«Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele domine os peixes do mar,
as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que
rastejam sobre a terra». Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus Ele
o criou; e criou-os homem e mulher.
Deus abençoou-os e disse-lhes: «Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei
e submetei a terra; dominai os peixes do mar, as aves do céu e todos os seres
vivos que rastejam sobre a terra». E Deus disse: «Vede! Entrego-vos todas as ervas
que produzem semente e estão sobre toda a Terra, e todas as árvores em que há
frutos que dão semente: tudo isso será alimento para vós. E a todas as feras, a
todas as aves do céu e a todos os seres que rastejam sobre a terra e nos quais
há respiração de vida, dou a relva como alimento». E assim se fez. Deus viu tudo
o que havia feito, e tudo era muito bom. Houve uma tarde e uma manhã: foi o
sexto dia. (Génesis 1, 24-31)
Embora a uma bênção não
corresponda necessariamente um sacramento, a cada sacramento está associada uma
bênção, uma bênção especial e uma missão que deve ser realizada com a ajuda
dessa bênção.
Ora, o texto do Livro do Génesis
contém a primeira bênção bíblica. A que eu ouso chamar sacramento. Deus moldou
uma criatura à sua imagem e, uma criatura dualista porque contém em si duas
partes que são complementares, que se ajustam. Sabemos hoje cientificamente que
esse ajustamento não é apenas físico, mas fisiológico, intelectual, emocional,
funcional, energético, social.
A primeira bênção de Deus
surge-nos como sacramento. Deus abençoa o homem na sua dualidade. Por isto,
será melhor chamá-lo de pessoa e não apenas de homem. Porque Deus criou a
pessoa homem e mulher, intrinsecamente ligados. A missão associada a este
sacramento está explícita no texto bíblico:
Sede fecundos!
Multiplicai-vos!
Enchei e submetei a terra!
Submetei a Natureza!
A Natureza será o vosso sustento!
O matrimónio é a fórmula actual
deste primeiro sacramento de que Deus foi ministro. Ao contrário do que sucede
na actualidade entre os cristãos, o casamento não foi uma opção entre um homem
e uma mulher que Deus abençoou, mas uma escolha de Deus. O ministro deste
primeiro matrimónio, ao contrário do que sucede entre os cristãos de hoje, em
que os ministros são os noivos, e que foi também o primeiro sacramento da
História, foi Deus. O Senhor criou os noivos, apresentou-os, abençoou-os e
deu-lhes uma missão concreta para realizarem sob aquela bênção, a fecundidade. A
continuação da espécie humana na terra passou a ficar a cargo daquele casal e
da vida que deles emanasse, estabelecendo-se uma parceria de Criação na
continuidade entre Deus e as pessoas. A preservação da espécie humana também
ficou confiada às pessoas. Submetei a Natureza.
Nem todos podemos responder do
mesmo modo a esta solicitação para ser colaboradores activos com a Criação,
neste sentido demográfico e sexuado. Jesus não o foi. Qualquer celibatário pode
receber esta bênção de modo diferente daquilo a que chamamos matrimónio. Os que
educam as crianças que são filhas de outros, os que extraem da terra alimento
que é sustento de vida para os outros, tantos, tantos que vivem a bênção de
Deus, dada aos nossos pais Adão e Eva de modo tão diverso.
Nos nossos dias, fala-se de
divórcio, fala-se de uniões de pessoas homossexuais, fala-se de aborto e de
eutanásia. Normalmente estas atitudes são apresentadas como reivindicações justas
pelas pessoas a quem interessam. A minha proposta vai no sentido de, em vez de
reivindicar esse direito, as pessoas interessadas tentem olhar para si mesmas
como criaturas abençoadas por Deus, tão abençoadas que são imagem de Deus, são
filhas e filhos de Deus. É à luz desta bênção que estes devem olhar para as
suas vidas e as suas opções. Não só estes, mas todos nós. Em relação a nós e em
relação a estes irmãos.
Sabemos que há bebés que nascem
com órgãos sexuais indefinidos, sem órgãos sexuais ou com órgãos sexuais dos
dois sexos. É difícil entender como isto pode suceder. Para nós humanos, crentes
num Deus misericordioso, isto pode parecer uma limitação ao poder e ao amor de
Deus, um erro da Natureza. Pois. Convém confiar sempre no amor extremoso de
Deus, na sua ternura por nós, na divina misericórdia, que não chocaram com o
santo sacrifício da Cruz, nem chocam com as nossas cruzes quotidianas. Também nós
temos de ser misericordiosos, uns para com os outros. Para com os que
compreendem aquela bênção de Deus de modo diferente de nós; para com aqueles
que recebem connosco a bênção e precisam depois da nossa paciência e do nosso
perdão, pela dificuldade na fidelidade ao compromisso sacramental. Esta fidelidade
pode ser no sentido habitual da fidelidade conjugal, mas em muitos outros
aspectos: quem agride o cônjuge, quem fala mal do cônjuge, quem não se doa ao
cônjuge, está a amesquinhar a bênção divina do matrimónio. Um matrimónio sem a
bênção explícita da Igreja em que os cônjuges se amam e são fiéis em todos os
sentidos, parece-me bem mais matrimónio que um outro abençoado por um bispo em
nome de Deus em que a fidelidade e o amor doação sejam inexistentes.
Este artigo, quem o ler, pode
continuá-lo na sua vida. Foi para isso que o escrevi. Para que se releia o
texto bíblico e à luz destas considerações a vida das (algumas) pessoas possa
ser enriquecida.
Orlando de Carvalho