Desenvolveu-se a ideia de que a Bíblia é um livro sagrado e
uma noção
de sagrado que em nada ajudam ao acolhimento da Palavra de Deus pelos
fiéis.
Sagrado é aquilo que está impregnado de santidade. As pessoas foram
criadas por Deus, assim ensinou Jesus de Nazaré, em ordem à santidade, ou seja,
Deus criou as pessoas para serem santas. Santas, à imagem e
semelhança de Deus. O Deus do Antigo Testamento, perante o Qual se
deviam descalçar os sapatos, desviar o olhar, não pronunciar o nome, esse Deus
quase inacessível, foi actualizado pelo Filho do Homem.
Jesus, Deus filho de Deus, da mesma substância que o Pai, ajoelhou
perante os homens e lavou-lhes os pés, trocou olhares e parava a sua
marcha, detendo-Se para atender quem chamava pelo seu nome; ensinou que
nós também devíamos chamar o seu Pai por Pai. Jesus revelou-Se muito
próximo das pessoas, logo na Encarnação, mas em momentos especiais
como a Transfiguração ou na Transubstanciação. Disto resulta que o
sagrado não é o que deve ser contemplado à distância, respeitosamente, sem
ousar tocar e sentir o deleite desse toque, mas algo que deve ser
acolhido com ardor, tocado até nos configurarmos, comungarmos e nos
entrelaçarmos.
Por todas estas razões, a Bíblia não deve ser apenas contemplada, mas
vivida com todos os nossos sentidos e dela devemos tirar o máximo
proveito. Eu escrevo nas margens das folhas de papel da Bíblia, tomo
notas, registo as ideias importantes que consigo apreender, de modo a
tirar o maior proveito da escuta da Palavra. Grandes sábios tomaram
notas importantes, nalguns casos descobertas depois da sua morte, nas
margens de livros que estavam a ler. Ora, a Bíblia é mais importante
que esses livros, porque é o Livro da Vida e da Plenitude.
É errado assumir a Bíblia como objecto de decoração, arrumada numa
estante, bonita e bem encadernada, usada como um crucifixo ao peito, para pôr
em evidência a fé do seu dono.
Eu tomo notas nas margens da minha Bíblia e uso-a à exaustão,
até ao
ponto de parecer um livro velho e mal cuidado. Mal cuidado não é, mas
tem grande uso, que se revela depois no aspecto das folhas.
Escrevo nas margens da Bíblia e faço sublinhados e intercalo
marcadores onde também escrevo e, pasme-se, escrevo durante a missa,
em papel, ou no bloco de notas do meu telemóvel. Provoco um pouco de
escândalo, mesmo entre as pessoas que têm o telemóvel ligado durante a
missa e saem, a meio, a correr, com o telefone que tocou, encostado ao
ouvido, a sussurrar, de modo que toda a assembleia ouve: Estou na
missa, que queres?
Não tomamos todos nós notas durante uma aula, enquanto
assistimos a uma conferência ou escutamos uma palestra? O que se diz na homilia
é menos importante? É para esquecer? Às vezes parece que são esquecidas antes de
a missa acabar, ou nem são escutadas. Ou será que a homilia é apenas para
inteligências superiores com maior capacidade de memorização que aqueles que
vão às conferências, etc.?
Ter na frente um prato muito bem confeccionado e deixar uma
parte por causa da etiqueta é algo que muitos aprendemos. Mas a quem serve tal
etiqueta? Talvez aos ricos que podem comer mais um prato de outra coisa
qualquer. Assim é com o Corpo de Cristo. Podermos saboreá-lO no pão consagrado
ou na Palavra escutada e dispensá-lO não é inteligente nem proveitoso. Saboreemos
Jesus com todos os sentidos, com a inteligência, com o coração, mesmo com a
intuição, incorporemo-lO e cresçamos à imagem e semelhança de Deus, em
santidade, sendo felizes.
3 de Abril de 2016