Sacrário do Hospital Cuf Descobertas
Durante a celebração da missa, é
proibida a exposição do Santíssimo Sacramento.
Importa saber que há várias
formas de expor o Santíssimo, as razões porque se faz essa exposição e a
justificação da regra que proíbe essa exposição simultânea com a missa.
Esclareçamos bem todas estas
situações, porque elas se vão reflectir na própria arquitectura interior do
templo e na disposição do respectivo mobiliário.
Desde os primeiros tempos da
Igreja, logo que os cristãos começaram a entender o sentido do Pão consagrado e
a sentir a necessidade dEle nas suas vidas, para além do ritualismo
celebrativo, começou a delinear-se um duplo esquema perante a realidade do Pão
fora da missa: por um lado, um sistema de alimentação com o Pão da Vida os que
não podiam participar na Celebração da Partilha, por doença ou por retenção
forçada, de modo especial os que estavam presos por causa da Fé; por outro
lado, um sistema que permitisse alimentar os doentes graves súbitos ou
acidentados, em perigo de morte antes de se celebrar novamente a eucaristia.
Deste modo surge o conceito de
reserva eucarística, para atender os casos que precisavam de uma solução
imediata. O Pão precisava de ser guardado com uma dignidade apropriada, tanto
em relação ao recipiente como ao espaço onde se guardasse o próprio recipiente.
Há escritos que relatam casos em que os fiéis levam para suas casas e conservam
lá o Pão consagrado, para se alimentarem e para ser usado nos casos já
referidos. Há também instruções precisas sobre o modo como o pão devia ser
guardado, de modo a não ser atacado, por exemplo, por ratos.
Logo que surge a hipótese de erigir
e manter capelas ou oratórios mais ou menos estáveis, é aí que o Pão passa a
ser conservado. Surgem os sacrários: lugares da maior sacralidade onde
permanece o Deus Vivo, em corpo, sangue, alma e divindade, como virá a ser
definido mais tarde. A compreensão de que se trata do Deus vivo levanta alguns
problemas em relação a deixá-lO sozinho nalgum lugar. Por outro lado, torna
evidente que a relação com o Deus invisível, o diálogo com Ele pode ser feito
de um modo mais perceptível. Foi certamente com grande alegria que os nossos
antepassados na Fé fizeram a descoberta da possibilidade de contemplar a adorar
Jesus presente no Pão conservado nos sacrários.
Hoje, a exposição do Pão
consagrado para adoração pelos fiéis faz-se de modos diversos. Simplesmente,
dentro do sacrário, junto do qual qualquer fiel que entre na igreja se pode
chegar e conversar com o Senhor; dentro do mesmo sacrário, com a porta aberta,
significando e permitindo uma maior intimidade; em alfaias litúrgicas
apropriadas, chamadas custódias ou ostensórios. Custódias porque custodiam, guardam,
o Corpo do Senhor; muitas vezes, de modo artístico e teológico, do centro onde
se coloca a hóstia consagrada, irradiam raios, como de um sol, explicando que
Jesus é a nossa luz, o nosso sol, e nestes casos podemos chamar ostensórios a
estas alfaias. A exposição para adoração também pode ser feita com a deposição
do Pão numa outra alfaia, a patena.
Sobre os fiéis reunidos para a
adoração também muito haveria a dizer, mas vamos cingir-nos a falar de uma
atitude de humildade, de piedade e de escuta do Senhor.
Durante a missa, o altar onde se
vão colocar o pão e o vinho a fim de serem consagrados, transubstanciando-se no
Corpo e Sangue de Nosso Senhor, ocupam o lugar central. É na expectativa deste
milagre que acontece de cada vez que celebramos missa que o povo acorre às
igrejas, à hora da eucaristia. A presença do sacrário pode causar alguns
problemas práticos e teológicos, mesmo de consciência. Centrar a atenção sobre os
acontecimentos que sucedem no altar, mesmo antes da consagração estar concluída
ou no sacrário? Qual é a ordem de importância destes dois lugares? Ao deslocar-se
na igreja, o fiel reverencia preferencialmente o altar ou o sacrário? E Jesus
está verdadeiramente num lugar e noutro.
Esta situação complica-se quando
se alinham no mesmo eixo que atravessa a Assembleia o altar, a cátedra do
presidente e o sacrário; e quantas vezes, atrás do sacrário a cruz e o orago,
ou um destes.
Recordo a situação que me
constrangeu e que se passou com um sacerdote meu amigo. Tendo tomado posse há
pouco tempo como pároco, dou com ele a presidir à festa de Natal da catekese,
sentado na cátedra, no tal alinhamento, mas a cátedra na frente do altar. Estava
numa magnificência total. Eu não conhecia esta faceta do padre Manuel
Gonçalves, até pensava que ele nunca ousaria assumir tal exuberância. Fiquei aborrecido,
mas não tive coragem de lhe dizer nada. Só se fez luz no meu cérebro quando,
muito mais tarde – talvez em vésperas da festa de Natal do ano seguinte – ele me
falou do seu desconforto quando o tinham feito sentar na frente do altar a
presidir à festa da catekese, com o argumento de que era assim que se fazia lá
na paróquia, impedindo-o praticamente de tomar outra opção. Dei-lhe toda a
força para que se sentasse onde e como se sentisse mais confortável (e eu também).
Voltando à questão da exposição
do Santíssimo Sacramento. É proibido que se faça em simultâneo com a celebração
da missa. Se por acaso se estiver a fazer uma exposição e adoração de 24 horas
e, no meio, se celebrar missa, o Santíssimo deve ser recolhido e voltar a ser
exposto só após a missa.
Ao determinar deste modo, em coerência,
a Igreja está a orientar no sentido de que se evite o tal alinhamento nas
igrejas. E há muitos modos de o evitar. O mais elegante é desalinhar o sacrário.
Quando a reserva que contém o Pão vivo está num dos lados da capela-mor ou numa
capela lateral destinada a esse efeito, facilita a vida a quem vai à igreja,
fora da missa, para adoração do Santíssimo no sacrário ou simplesmente para
orar. Pretender que o sacrário esteja no alinhamento central acaba por ser um
modo de retirar mérito ao santo sacrifício da missa.
Também há igrejas que optam por
deslocar a cátedra para uma das laterais do presbitério. Esta hipótese tem contra
si o corte no diálogo entre o presidente da assembleia eucarística e a
Assembleia, em muitos casos. É muito importante que os fiéis vejam bem o que se
passa sobre o altar e vejam bem a cara do presidente, que representa a
Assembleia, no qual está presente o Senhor e com quem a Assembleia dialoga.
Nos tempos que se seguiram ao
Concílio Vaticano II gerou-se alguma polémica que tem a ver com este assunto. O
orago da igreja deve ou não estar na capela-mor por trás e acima do sacrário? Em
muitas igrejas, tiraram-no e substituíram-no por uma cruz. Parece-me que se o
efeito estético é agradável e não existem erros teológicos ou litúrgicos, não há
razão para alterar a disposição do que faz parte do templo. Quando existe, deve
fazer-se. Mas evitando a polémica, porque o essencial tem que ser superior ao
gosto de cada um.
Para concluir, é importante que
todos entendam a importância de um lugar reservado para ficar em silêncio em
adoração. O que não é o mesmo que ficar numa igreja grande diante de um sacrário
monumental e central, presidindo a todo o recinto. Isto não se aplica a tempos
reservados a adoração comunitária com a devida exposição do santíssimo no lugar
de maior destaque da igreja.