Em Portugal, as diversas dioceses costumam celebrar o Dia da Igreja Diocesana no Domingo da Santíssima Trindade, que em 2015 ocorre a 31 de Maio
Este artigo foi publicado em Julho de 2005 na Voz da
Catequese, órgão do Patriarcado de Lisboa, e em 2008, pelas Edições Salesianas, no livro O Sorriso do Catekista. De algum modo, reproduzo aqui intervenção que fiz numa reunião do Conselho Pastoral
Diocesano no Patriarcado de Lisboa que se debruçou sobre esta temática.
Adorando o
mesmo Deus que os nossos irmãos judeus e muçulmanos, que é o Deus de Abraão,
nós cristãos temos a felicidade do Baptismo, a felicidade de ser mergulhados na
intimidade da Trindade Santíssima, temos a felicidade de poder conhecer – e
digo “conhecer” e não entender – o Mistério da Trindade: nós sabemos o nome de
Deus!
O mandamento
de Cristo “Amai-vos” toma forma muito concreta à luz do entendimento do
Mistério do Baptismo, porque emana da própria Caridade que é o elo e a relação,
que nós conhecemos, entre as três pessoas da Santíssima Trindade. A comunidade
de Caridade, a família do amor pleno, que são o Pai o Filho e o Espírito Santo.
Esta mensagem evangélica foi compreendida de
forma muito clara pelos nossos irmãos da Coreia. Nesta nação aconteceu quase
tudo ao contrário do que é comum na história da evangelização. Não houve
missionários para anunciar o Evangelho. Essa tarefa foi confiada à acção do
Espírito Santo e de alguns homens de coração aberto e generoso, ansiosos por
encontrar Deus.
Em finais do século XVIII, o coreano Lee
Sung-hoon leva, mais ou menos por acaso, da China para a Coreia, alguns livros
sobre o cristianismo. Os académicos coreanos fazem então a comparação entre os
preceitos cristãos e os do confucionismo ou do neo-confucionismo, que eram a religiões/filosofias
tradicionais da Coreia. Lee Sung-hoon, de volta à China, pede e recebe, o
baptismo, em Pequim. Ao aperceberem-se da generosidade que Jesus anuncia e de
que dá testemunho, da sua promessa do Reino dos Céus, os académicos coreanos
apaixonam-se de tal maneira pelo cristianismo, melhor, pela pessoa de Jesus
Cristo Senhor, que espontaneamente começam a falar às pessoas desta religião,
desta fé. A Igreja na Coreia começa assim a edificar-se, de uma forma bastante
incaracterística. Os que estudam os livros catequizam os outros. Os que
acreditam são baptizados. As práticas religiosas tradicionais, como o culto dos
antepassados, são postas de parte. Estes novos fiéis tentam viver em
comunidade, quase como os primeiros cristãos, conforme vem relatado no livro
dos Actos dos Apóstolos. Escrevem livros sobre a Fé cristã em alfabeto coreano.
Quando as autoridades se apercebem deste movimento, entendem-no como subversivo
e iniciam as perseguições aos cristãos. A razão para estas perseguições é
idêntica à dos Romanos: o medo do que é diferente, o receio dos efeitos de que
qualquer inovação possa colidir com os interesses da classe política e social
dominante. Pelo seu lado, os fiéis coreanos pedem sacerdotes às Missões
estabelecidas na China e depois directamente ao Vaticano. Mas, por razões
várias, os missionários tardam. Ou adoecem, ou são impedidos de entrar no país,
cujos governantes não estão dispostos a ter contemplações com os cristãos, mas querem
simplesmente que aquela raça de gente com filosofias estranhas desapareça. A
expansão, entretanto, atinge uma tal dimensão que, quando os primeiros
missionários chegam, encontram uma comunidade composta já por muitos milhares
de cristãos. Em simultâneo com a conversão e a devoção dos coreanos, sucedem-se
as perseguições levadas a cabo pelas autoridades. São dezenas de milhares de
coreanos – é difícil fazer uma ideia dos números certos – aqueles que sofrem o
martírio por causa do nome de Jesus. Todavia permanecem fiéis numa Igreja, onde
quase só há leigos.
Deles disse o Papa João Paulo II na homilia
da cerimónia de canonização de 102 mártires coreanos: “Os Mártires Coreanos
tornaram-se testemunhas da crucificação e da ressurreição de Cristo”. (in
Os Santos de João Paulo II, Orlando de Carvalho, Lusodidacta, 2005).
Mas que Fé é
esta que suscita um amor tão grande a Jesus, ao Pai e ao Espírito Santo, que
pela fidelidade a este amor estão dispostos a morrer crianças, homens,
mulheres, idosos, na bacia do Mediterrâneo, na Europa, no centro de África, na
longínqua China, ou no Japão, nas Américas, ou na Oceânia, missionários ou
indígenas locais? Que Fé é esta que congrega, como um só, povos de culturas tão
diversas, gentes que não se entendem se usarem as línguas tão diferentes que
falam? Que Fé é esta que se propaga como um fogo abrasador, sem explicação, e
arrebatando tantos corações, como aconteceu na Coreia, por causa de um Deus
invisível, a não ser na humilhação da Cruz?
O Bispo é a
actualização da revelação de Jesus Cristo acerca do Mandamento do Amor e da unidade
de que o Senhor fala na Oração que dirige ao Pai e que vem narrada no Evangelho
segundo São João, capítulo 17.
Na mente de
muitos fiéis que estão habituados ao viver do mundo e que não tiveram a
possibilidade de se debruçar no estudo da mensagem de Cristo, assim como para
os que não acreditam no Evangelho, o Bispo é um grau na hierarquia
administrativa, como um governador civil ou o presidente de uma associação
desportiva ou de um partido político. Assim, o facto de um padre ser ordenado
Bispo corresponderia a uma promoção. Outros falam da Igreja se reunir em torno
do Bispo. Sejamos claros: a Igreja é cristocêntrica, logo, a Igreja reúne-se
exclusivamente em torno de Jesus Cristo. O Bispo tem um múnus muito especial. O
Espírito Santo, por sua exclusiva vontade, intervém através do Bispo, como elo
de comunhão e unidade no seio do Povo de Deus, na Igreja.
Para melhor
compreendermos o papel do Bispo, diremos que ele, à semelhança do Espírito
Santo, é uma espécie de “cola”: o povo reúne com o seu Bispo, e sob o seu
pastoreio, em torno da pessoa de Jesus Cristo. O Bispo é pastor e ovelha, entre
ovelhas, que se reúnem com o Bispo em torno de Jesus Cristo.
Mas, então
quantas Igrejas há? A Igreja Universal, a única Igreja de Cristo? Cada diocese
com o seu Bispo é uma Igreja? As paróquias, as vigararias? Vale a pena
existirem todos estes níveis? Que representa afinal cada uma destas ideias de
Igreja? Qual o significado da diocese?
A Igreja é
Cristo em união com os fiéis. Ele a Cabeça, nós os membros. Cristo está em cada
porção da Igreja e fá-la santa. Ora, Cristo é apenas um, na Igreja ou na
Eucaristia. E na Eucaristia, sabemos que Cristo está presente da mesma maneira,
no conjunto de todas as partículas da píxide, ou apenas numa partícula, mas
também na mais pequena porção de cada uma das partículas. Assim, pois, na sua
Igreja, Cristo está completamente presente em qualquer porção desta.
O Bispo não
será então apenas elo de unidade e comunhão para a sua diocese, uma porção
determinada da Igreja de Cristo, mas como a Igreja é a mesma, ele é, ao mesmo
tempo, sinal de unidade e comunhão para toda a Igreja e, nesse aspecto,
corresponsável, com os outros bispos, pela unidade e comunhão da Igreja
Universal, pelo seu pastoreio e condução.
Podemos dizer
que o Bispo é um dom de Deus à sua Igreja. A porção de Igreja confiada ao
pastoreio do Bispo deve esforçar-se, pela parte que lhe compete, nesta vivência
de unidade. O projecto de Deus para a humanidade é a constituição de um só povo
em torno da pessoa de Jesus. Ao acolhermos o Bispo nas nossas paróquias, nas
nossas comunidades, não estamos a aplaudir ou a prestar homenagem a um chefe
que nos visita, mas a testemunhar o nosso desejo de dar forma ao projecto de
Deus. A presença do Bispo nas nossas comunidades confere à Assembleia que se
reúne um valor acrescentado. Atente-se novamente ao capítulo 17 do Evangelho
Joanino. À semelhança dos Apóstolos, o Bispo é um dispensador das graças de
Deus nas comunidades com que se reúne. A palavra que dirige aos fiéis, o
crisma, sinal de salvação com que jovens e outros fiéis são marcados, a própria
alegria que a presença do Bispo suscita entre os fiéis.
Da maior
importância para a vitalidade eclesial são as assembleias convocadas pelo
Bispo, para a sua Sé, ou para qualquer outro lugar da diocese. Se acreditamos
que Jesus está presente quando dois ou três se reunirem em seu nome, com que
intensidade não será perceptível quando uma multidão se reúne com o Bispo,
sucessor dos Apóstolos, instituídos pelo Senhor? Entre estas assembleias toma particular
importância o Dia da Igreja Diocesana. Neste dia, a porção de Igreja designada
diocese, reunida com o seu Bispo, louva o Senhor, e abre-se às graças com que o
Espírito Santo desejar abençoá-la. Todos nós fiéis estejamos atentos a este chamamento,
para darmos um especial colorido e sentido de unidade e comunhão ao Dia da
Igreja Diocesana em cada ano pastoral e em cada diocese, mesmo naquelas onde
este dia pode ter uma denominação diferente.
Orlando de Carvalho
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