segunda-feira, 18 de maio de 2015

Bispo sinal de comunhão





Em Portugal, as diversas dioceses costumam celebrar o Dia da Igreja Diocesana no Domingo da Santíssima Trindade, que em 2015 ocorre a 31 de Maio
Este artigo foi publicado em Julho de 2005 na Voz da Catequese, órgão do Patriarcado de Lisboa, e em 2008, pelas Edições Salesianas, no livro O Sorriso do Catekista. De algum modo, reproduzo aqui intervenção que fiz numa reunião do Conselho Pastoral Diocesano no Patriarcado de Lisboa que se debruçou sobre esta temática.




Adorando o mesmo Deus que os nossos irmãos judeus e muçulmanos, que é o Deus de Abraão, nós cristãos temos a felicidade do Baptismo, a felicidade de ser mergulhados na intimidade da Trindade Santíssima, temos a felicidade de poder conhecer – e digo “conhecer” e não entender – o Mistério da Trindade: nós sabemos o nome de Deus!



O mandamento de Cristo “Amai-vos” toma forma muito concreta à luz do entendimento do Mistério do Baptismo, porque emana da própria Caridade que é o elo e a relação, que nós conhecemos, entre as três pessoas da Santíssima Trindade. A comunidade de Caridade, a família do amor pleno, que são o Pai o Filho e o Espírito Santo.



Esta mensagem evangélica foi compreendida de forma muito clara pelos nossos irmãos da Coreia. Nesta nação aconteceu quase tudo ao contrário do que é comum na história da evangelização. Não houve missionários para anunciar o Evangelho. Essa tarefa foi confiada à acção do Espírito Santo e de alguns homens de coração aberto e generoso, ansiosos por encontrar Deus.

Em finais do século XVIII, o coreano Lee Sung-hoon leva, mais ou menos por acaso, da China para a Coreia, alguns livros sobre o cristianismo. Os académicos coreanos fazem então a comparação entre os preceitos cristãos e os do confucionismo ou do neo-confucionismo, que eram a religiões/filosofias tradicionais da Coreia. Lee Sung-hoon, de volta à China, pede e recebe, o baptismo, em Pequim. Ao aperceberem-se da generosidade que Jesus anuncia e de que dá testemunho, da sua promessa do Reino dos Céus, os académicos coreanos apaixonam-se de tal maneira pelo cristianismo, melhor, pela pessoa de Jesus Cristo Senhor, que espontaneamente começam a falar às pessoas desta religião, desta fé. A Igreja na Coreia começa assim a edificar-se, de uma forma bastante incaracterística. Os que estudam os livros catequizam os outros. Os que acreditam são baptizados. As práticas religiosas tradicionais, como o culto dos antepassados, são postas de parte. Estes novos fiéis tentam viver em comunidade, quase como os primeiros cristãos, conforme vem relatado no livro dos Actos dos Apóstolos. Escrevem livros sobre a Fé cristã em alfabeto coreano. Quando as autoridades se apercebem deste movimento, entendem-no como subversivo e iniciam as perseguições aos cristãos. A razão para estas perseguições é idêntica à dos Romanos: o medo do que é diferente, o receio dos efeitos de que qualquer inovação possa colidir com os interesses da classe política e social dominante. Pelo seu lado, os fiéis coreanos pedem sacerdotes às Missões estabelecidas na China e depois directamente ao Vaticano. Mas, por razões várias, os missionários tardam. Ou adoecem, ou são impedidos de entrar no país, cujos governantes não estão dispostos a ter contemplações com os cristãos, mas querem simplesmente que aquela raça de gente com filosofias estranhas desapareça. A expansão, entretanto, atinge uma tal dimensão que, quando os primeiros missionários chegam, encontram uma comunidade composta já por muitos milhares de cristãos. Em simultâneo com a conversão e a devoção dos coreanos, sucedem-se as perseguições levadas a cabo pelas autoridades. São dezenas de milhares de coreanos – é difícil fazer uma ideia dos números certos – aqueles que sofrem o martírio por causa do nome de Jesus. Todavia permanecem fiéis numa Igreja, onde quase só há leigos.

Deles disse o Papa João Paulo II na homilia da cerimónia de canonização de 102 mártires coreanos: “Os Mártires Coreanos tornaram-se testemunhas da crucificação e da ressurreição de Cristo”. (in Os Santos de João Paulo II, Orlando de Carvalho, Lusodidacta, 2005).



Mas que Fé é esta que suscita um amor tão grande a Jesus, ao Pai e ao Espírito Santo, que pela fidelidade a este amor estão dispostos a morrer crianças, homens, mulheres, idosos, na bacia do Mediterrâneo, na Europa, no centro de África, na longínqua China, ou no Japão, nas Américas, ou na Oceânia, missionários ou indígenas locais? Que Fé é esta que congrega, como um só, povos de culturas tão diversas, gentes que não se entendem se usarem as línguas tão diferentes que falam? Que Fé é esta que se propaga como um fogo abrasador, sem explicação, e arrebatando tantos corações, como aconteceu na Coreia, por causa de um Deus invisível, a não ser na humilhação da Cruz?



O Bispo é a actualização da revelação de Jesus Cristo acerca do Mandamento do Amor e da unidade de que o Senhor fala na Oração que dirige ao Pai e que vem narrada no Evangelho segundo São João, capítulo 17.



Na mente de muitos fiéis que estão habituados ao viver do mundo e que não tiveram a possibilidade de se debruçar no estudo da mensagem de Cristo, assim como para os que não acreditam no Evangelho, o Bispo é um grau na hierarquia administrativa, como um governador civil ou o presidente de uma associação desportiva ou de um partido político. Assim, o facto de um padre ser ordenado Bispo corresponderia a uma promoção. Outros falam da Igreja se reunir em torno do Bispo. Sejamos claros: a Igreja é cristocêntrica, logo, a Igreja reúne-se exclusivamente em torno de Jesus Cristo. O Bispo tem um múnus muito especial. O Espírito Santo, por sua exclusiva vontade, intervém através do Bispo, como elo de comunhão e unidade no seio do Povo de Deus, na Igreja.

Para melhor compreendermos o papel do Bispo, diremos que ele, à semelhança do Espírito Santo, é uma espécie de “cola”: o povo reúne com o seu Bispo, e sob o seu pastoreio, em torno da pessoa de Jesus Cristo. O Bispo é pastor e ovelha, entre ovelhas, que se reúnem com o Bispo em torno de Jesus Cristo.



Mas, então quantas Igrejas há? A Igreja Universal, a única Igreja de Cristo? Cada diocese com o seu Bispo é uma Igreja? As paróquias, as vigararias? Vale a pena existirem todos estes níveis? Que representa afinal cada uma destas ideias de Igreja? Qual o significado da diocese?

A Igreja é Cristo em união com os fiéis. Ele a Cabeça, nós os membros. Cristo está em cada porção da Igreja e fá-la santa. Ora, Cristo é apenas um, na Igreja ou na Eucaristia. E na Eucaristia, sabemos que Cristo está presente da mesma maneira, no conjunto de todas as partículas da píxide, ou apenas numa partícula, mas também na mais pequena porção de cada uma das partículas. Assim, pois, na sua Igreja, Cristo está completamente presente em qualquer porção desta.

O Bispo não será então apenas elo de unidade e comunhão para a sua diocese, uma porção determinada da Igreja de Cristo, mas como a Igreja é a mesma, ele é, ao mesmo tempo, sinal de unidade e comunhão para toda a Igreja e, nesse aspecto, corresponsável, com os outros bispos, pela unidade e comunhão da Igreja Universal, pelo seu pastoreio e condução.



Podemos dizer que o Bispo é um dom de Deus à sua Igreja. A porção de Igreja confiada ao pastoreio do Bispo deve esforçar-se, pela parte que lhe compete, nesta vivência de unidade. O projecto de Deus para a humanidade é a constituição de um só povo em torno da pessoa de Jesus. Ao acolhermos o Bispo nas nossas paróquias, nas nossas comunidades, não estamos a aplaudir ou a prestar homenagem a um chefe que nos visita, mas a testemunhar o nosso desejo de dar forma ao projecto de Deus. A presença do Bispo nas nossas comunidades confere à Assembleia que se reúne um valor acrescentado. Atente-se novamente ao capítulo 17 do Evangelho Joanino. À semelhança dos Apóstolos, o Bispo é um dispensador das graças de Deus nas comunidades com que se reúne. A palavra que dirige aos fiéis, o crisma, sinal de salvação com que jovens e outros fiéis são marcados, a própria alegria que a presença do Bispo suscita entre os fiéis.



Da maior importância para a vitalidade eclesial são as assembleias convocadas pelo Bispo, para a sua Sé, ou para qualquer outro lugar da diocese. Se acreditamos que Jesus está presente quando dois ou três se reunirem em seu nome, com que intensidade não será perceptível quando uma multidão se reúne com o Bispo, sucessor dos Apóstolos, instituídos pelo Senhor? Entre estas assembleias toma particular importância o Dia da Igreja Diocesana. Neste dia, a porção de Igreja designada diocese, reunida com o seu Bispo, louva o Senhor, e abre-se às graças com que o Espírito Santo desejar abençoá-la. Todos nós fiéis estejamos atentos a este chamamento, para darmos um especial colorido e sentido de unidade e comunhão ao Dia da Igreja Diocesana em cada ano pastoral e em cada diocese, mesmo naquelas onde este dia pode ter uma denominação diferente.

Orlando de Carvalho

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