No último Verão estive no Convento de Mafra, onde participei
na audição de um concerto a seis órgãos. Poucas pessoas sabem que a Basílica de
Mafra é a única igreja do mundo onde existem seis órgãos de tubos que foram
propositadamente construídos para tocar em conjunto. Na ocasião, foi um
problema arranjar composições para tocar porque, não existindo qualquer igreja
com seis órgãos, ninguém tinha ainda composto obras para seis órgãos. Outra das
ideias de Dom João V, ou a que o monarca deu cobertura, e que ajudaram a
edificar o país depois dos danos causados pela dinastia filipina.
Durante o espectáculo, uma senhora tombou e ficou estendida
no chão. Algumas pessoas acorreram, aliás foi essa movimentação de pessoas que
espontaneamente foram ajudar que alertou os outros presentes para que algo de
anormal se estava a passar. O concerto parou e só retomou, longos minutos
depois, quando equipas de socorro evacuaram a senhora acidentada.
Hoje celebramos a solenidade de Todos-os-Santos. Dia santo
de guarda que deixou de ser feriado quando a Igreja se dispôs a transferi-lo
para o Domingo próximo, numa colaboração que se dispôs a dar ao governo que
pensou recuperar a economia portuguesa á custa desse feriado. Uma medida demagógica
que remete, como é costume fazer neste país, para o esquecimento os estudos
acerca dos prejuízos económicos resultantes da supressão do feriado (estudos que
nem se devem ter feito), tal como acontece em relação aos dias de Carnaval.
Além da questão cultural que, em vez de ser enriquecida, é deixada ao
desinteresse e esquecimento, tantos no caso do Carnaval como no dos Santos.
Esta ano o dia 1 de Novembro coincidiu com o Domingo. Eu fui
à missa.
Durante a missa, uma senhora tombou para o lado, como há
poucos meses acontecera em Mafra. De vários pontos cardeais acorreram algumas
pessoas. Como em Mafra, uma meia dúzia. O momento era o do início da
consagração. À elevação da hóstia, todas as pessoas correram para os seus
lugares e aí se ajoelharam. A senhora ficou só.
O caso foi menos grave que o de Mafra e a senhora pareceu
ficar bem, quando algumas pessoas voltaram junto dela logo após o “Mistério da
Fé!”.
Deveriam, os que estavam a socorrer a senhora, ter-se
mantido em atitude de socorro ou ter regressado aos seus lugares para
ajoelharem? Deveria o presidente da celebração ter parado a Consagração, que
estava apenas a iniciar ou ter prosseguido?
A questão do socorro do bom samaritano e o da devoção
perante Jesus no pão consagrado são incompatíveis, compatíveis ou são a mesma
questão?
Orlando de Carvalho