segunda-feira, 11 de junho de 2018

Papel dos Pais na Catequese



 A imagem está propositadamente desfocada

Realizámos um inquérito ao desempenho dos pais no processo catequético. A amostragem não é significativa para conclusões científicas, mas é um contributo válido para um dos principais temas que preocupam todos os agentes da evangelização sistematizada de crianças e adolescentes.
Optámos por um encontro com pais e mães do 6º ano de catequese, precisamente quando o assunto era já a Profissão de Fé, quase no final do ano catequético.
Entreguei aos pais e mães presentes a folha a seguir reproduzida.
Os participantes na reunião correspondiam a 50% das crianças do catecismo. Este é logo um factor a ter em consideração. No final de seis anos de catequese, e para tratar de um assunto tão relevante como a Profissão de Fé, apenas metade das famílias se fez representar.
Sabemos que há casos de pais e mães a trabalhar por turnos e outras situações óbvias que, no total, não são 50% da população em causa. Com o inquérito que levámos a cabo não é possível afirmar se este desinteresse apriorístico dos pais e mães que registámos deriva directamente da atitude eclesial ou didáctica deles mesmos, se do comportamento dos catequistas e outros responsáveis, se da comunidade olhada de modo global. Certamente de todos, mas seria interessante saber o grau em que influiu cada interveniente. Todavia essa questão tem uma abrangência diferente da que colocamos.
Em Portugal e nos últimos vinte anos, a catequese foi relativizada, como adiante teremos oportunidade de perceber. Há duas décadas, quando se marcava uma reunião de preparação para a Comunhão, não faltava ninguém, salvo, nesses casos sim, por razões de força maior. Todas as famílias tinham uma veneração, digamos mesmo, por este sacramento. E a Profissão de Fé surgia logo em segundo lugar no interesse despertado. Teremos sido nós, clero e agentes de evangelização, a provocar algum relativismo, ao explicar mal que as roupas brancas ou claras não eram obrigatórias, mas mero costume que não fazia sentido? Ou com as opções tomadas em relação ao jejum eucarístico, ao sacramento da reconciliação, à penitência? A situação sacramental dos pais e mães, por via das novas relações familiares multipessoais? O valor das respostas a estas interrogações não reside em encontrar os culpados, mas em descobrir soluções para as falhas que nos afligem.

Este foi o inquérito que entregámos aos pais e mães.

Este questionário tem o objectivo de melhorar o que fazemos com as crianças do 6º catecismo. Pedimos a colaboração de mães e pais. As respostas serão tratadas estatisticamente. Não é necessário identificar-se.

1.    O seu filho ou filha prepara-se para fazer a Profissão de Fé. Sabe o que é isso? É capaz de o explicar em menos de uma dúzia de palavras?
2.    Costuma conversar com a sua filha ou filho sobre o que se passa na catequese?
3.    Já conversaram sobre o significado da Profissão de Fé? Já perguntou se ele/ela quer fazer a Profissão de Fé?
4.    Costuma incentivar o seu filho/filha a participar na missa, mesmo que com dificuldades, ou diz-lhe algumas vezes que se não for, não faz mal, vai na semana seguinte?
5.    Daqui a uns meses, estaremos à espera de si e do seu adolescente para frequentar a catequese, no 7º ano. Será uma catequese diferente, já não dirigida a crianças, como até agora. Os catequistas estarão aqui para continuar a anunciar a mensagem de Jesus Cristo. Esta mensagem é importante para si? Vai esforçar-se para que o crescimento espiritual do seu adolescente continue lado-a-lado com a escola e os outros saberes?

Obrigado.
Os catequistas.
Nota: Estas respostas serão tratadas anónima e estatisticamente.

Metodologia

Os inquéritos foram distribuídos no início da reunião e preenchidos em larga maioria antes de se iniciarem os trabalhos. Em determinado momento, gerou-se uma discussão, em torno do último quesito, envolvida em grande polémica e mesmo algum confronto de pais entre si.
Usaremos a palavra pai, daqui em diante com o significado de ‘pai ou mãe’.
Um pai começou por fazer uma intervenção em que afirmou que dava mais valor à formação espiritual que à escolar; disse que a vida era possível, ou podia valer a pena, sem formação escolar, mas não sem a espiritual. E continuou informando que quando havia festas de aniversário de outros garotos, já se sabia lá em casa, que a brincadeira não podia interferir com a missa, e que se faziam conciliações, de modo a poder ir a uma e outra.
Outro pai reagiu, algo irritado e explicou que o filho praticava futebol e que quando havia treino ou jogo, isso era mais importante que a missa e esta ficava para trás. Nem concebia outra interpretação. E esgrimiram-se argumentos.
Outro pai explicou que lá em casa era fácil. Uma semana iam à missa, na outra iam à festa de aniversário, rejeitando a hipótese de conciliação de horários, partilhada pelo primeiro pai, uma vez que “as crianças têm que ter tempo para ser crianças”. Outro defendeu que temos que ceder nalgumas coisas, não podemos “obrigar” sempre a ir à missa. Que se o filho se queixa que a missa ou a catequese são uma seca, não o pode obrigar a ir. Têm tempo quando forem mais crescidos…

Análise aos inquéritos

Na pergunta 1) pedia-se uma identificação da Profissão de Fé, a festa para a qual as crianças se estavam a preparar, bem como as famílias, razão de ser da reunião.
Em 33% das respostas, indicaram que servia para aprofundar a fé ou para confirmar a fé.
Em 42% dos casos, foram capazes de estabelecer uma relação correcta entre o Baptismo e a Profissão de Fé.
Os restantes 25% responderam que os filhos sabiam o que isso era.
Analisando, 33% dos pais fizeram uma dedução pela lógica do sentido das palavras, 25% esquivaram-se a responder por eles mesmo. Enfim, quase metade dos pais sabia que se tratava de uma renovação dos votos baptismais já anteriormente realizados por pais e padrinhos. Não estiveram presentes na reunião os pais de crianças baptizadas tardiamente e que tivessem proferido elas próprias o compromisso.

Embora nós catequistas saibamos que há uma larga taxa de pais com quem não existe habitualmente diálogo das crianças sobre o que acontece na catequese, nem na escola, nem nas outras actividades, 100% dos pais respondeu à pergunta 2) que conversa regularmente com os filhos sobre o que se passou no tempo da catequese. Pretendíamos uma ideia do fenómeno nesta população, em ordem a avaliar as medidas que se podiam tomar para incrementar este diálogo, mas somos levados a concluir que, qualquer que seja a percentagem, os que não dialogam não estão abertos a mudar, uma vez que nem reconhecem o seu comportamento.

O resultado da pergunta 3) pode não reflectir a realidade na perspectiva que tínhamos em mente. Apenas um pai respondeu que não tinha conversado com o filho sobre o significado da Profissão de Fé. Pretendíamos saber se existira um diálogo e uma troca de ideias sobre o assunto. Na quantidade de “sins” estarão certamente englobados muitos casos em que se falou em Profissão de Fé mas não acerca da Profissão de Fé.
A outra parte da pergunta referia-se à tomada de consciência por parte da criança do que ia fazer. Neste tempo pós-conciliar, não pretendemos mais que alguém faça a Profissão de Fé ou receba qualquer sacramento para fazer a vontade à família, mas contrariada, nem por tradição, ou para completar uma etapa da vida (social), ou para atingir um objectivo, porque pareceria mal não ter esse registo no seu currículo.
Não perguntaram aos filhos se queriam fazer a Profissão de Fé 17% dos pais.
Foram evasivas 17% das respostas, o que deixa transparecer que também não colocaram a pergunta aos filhos.
Afirmaram categoricamente que tinham conversado com os filhos sobre eles quererem ou não fazer a Profissão de Fé os restantes 66% dos pais. Não os terão certamente confrontado com a decisão:
- E tu, por ti, queres ou não assumir este compromisso?
Mas terão mantido um diálogo onde terá sido expresso que era essa a vontade dos filhos.

Neste grupo, estava representada uma percentagem anormalmente elevada de crianças que frequentam a missa porque são membros do Coro ou porque são Escuteiros. À primeira parte da pergunta 4), 100% dos pais responderam que incentivam os filhos à participação na missa. Houve quem admitisse que os filhos tinham que ir à missa porque faz parte da norma escutista. Já no que se refere à segunda parte, apenas 2/3 confirmam uma participação regular na missa. Os restantes 33% assumem na resposta ausências devido compromissos como prática de futebol, saídas da família, e culpas diversas assumidas pelos pais.

A concluir, à pergunta 5), todos os pais referiram que era importante a mensagem de Jesus Cristo e saber que os seus filhos eram aguardados pelos catequistas no ano seguinte. Também 100% declararam consideraram importante para o crescimento espiritual dos seus filhos.

Ao longo da reunião, tive oportunidade de contrapor algumas afirmações que foram feitas.
Alguém admitiu que não podia obrigar o filho a ir à catequese ou à missa contra a sua vontade, se ele se queixava que era uma seca, porque não tinha autoridade para tal.
Ora, Jesus respondeu a Pilatos que o poder que ele tinha para o condenar ou o inocentar, provinha de Deus (Jo 19,10-11). Facilmente deduzimos a proveniência divina do poder paternal, é Deus que deseja que os pais exerçam o poder para educar e formar os seus filhos, é mesmo um encargo que recebem de Deus.
A respeito da seca que a missa ou a catequese possam ser (embora não seja de todo conveniente que isso aconteça), convém notar que para uma proporção elevada de crianças as aulas de Matemática são uma seca, mas tal não costuma ser razão para os pais concordarem em que os seus filhos deixam de as frequentar.

Encontramos boas razões para acreditar que uma boa parte destas crianças, entretanto adolescentes, receberá o Crisma no 10º ano de catequese, em consonância com o crescimento espiritual na Fé. Outras chegarão lá um pouco coxas, mas S. Paulo transmite-nos uma Fé imensa na graça divina que se sobreporá a todo o mal (Rom 5,20) e não será de admirar que esses que nos parecem coxos atinjam ainda maior perfeição que os outros. Para isso, os catequistas continuarão a servir o melhor que forem capazes implorando e acatando a orientação do Espírito Santo.

Orlando de Carvalho

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Para quê rezar?


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Orlando de Carvalho

Os reis são santos



Imagem: São Maltrapilho
Quando escrevi a obra épica Os Santos de João Paulo II[1], lançada em 2005, perguntei-me várias vezes a razão da escolha dos fiéis que alcançam a canonização. Eu fora muito motivado para estudar e sintetizar as histórias de tantos santos elevados aos altares por São João Paulo II, num virar de página muito significativo. Notei que surgia uma abrangência em crescendo em relação à origem e inserção social das pessoas canonizadas, não obstante alguns casos ainda me terem chocado.

A canonização deve ser realizada como uma acção evangelizadora na medida em que expõe a vida, incluindo a privada, de pessoas que de algum modo se entregaram ao serviço do Evangelho e cuja vida pode ser exemplo edificante para aqueles que vêm a conhecê-la. Mas a maior virtude das canonizações, e refiro-me especialmente às do pontificado de São João Paulo II, foi a afirmação de que a santidade é possível, mais ainda, é real e existe nos nossos dias. Ser santo não tem que ser a excepção, nem o deve ser, como enfatizou o Papa das Canonizações. Os santos não são umas pessoas que existiam antigamente e que viviam de forma mais ou menos abstracta, como que eleitos por Deus. Tal eleição é extensiva a todas as pessoas humanas, visivelmente nos baptizados. Estende-se a belos e feios, a delicados e a brutos, aos que nascem em ambiente piedoso e aos que vivem na promiscuidade. Relativamente a esta última situação, podemos tranquilizar os mais susceptíveis recordando como viveram São Francisco de Assis e Santo Agostinho. Se não tivessem tido a ventura das suas mães intercessoras e da conversão publicamente visível, estariam condenados ao fogo eterno? Quantos Zaqueus se cruzam nas nossas vidas sem darmos por eles? Armamos em piedosos, mas esquecemos dar atenção a quem sobe à árvore na busca da Verdade, não os mandamos descer nem nos convidamos para visitar as suas casas.



Retrospectivamente tem pleno sentido questionarmo-nos:

- Por que há tantos reis e rainhas canonizados? E padres e religiosos e religiosas? Os outros, de um modo geral não vão para o Céu?

Trata-se de uma dúvida semelhante à que se coloca em relação à anulação de casamentos que, até ao gesto corajoso do Papa Francisco, foi relativamente acessível à nobreza e a famílias reais, mas inatingível para a maioria da Cristandade. E foi causa de guerras e guerrinhas, na Europa e pelo mundo cristianizado.



Percebemos que a Reforma Litúrgica de Pio XII, a Nova Evangelização de São João Paulo II e a opção pelos mais frágeis do Papa Francisco são ferramentas indispensáveis à Igreja, de modo a que esta seja de facto Corpo de Cristo. Seguramente, Cristo não é rei deste mundo, não nasceu em berço de ouro, nem aceitou mordomias, não viveu em palácio, nem à custa de taxas cobradas a súbditos. Ao contrário do que acontece com os grandes deste mundo, e a Igreja moldou-se paulatinamente em peça da engrenagem que governa o mundo, que tudo regem em modo de corrupção, vitimando tanta e tanta casta Susana, como outrora os juízes injustos.



Não passaria pela cabeça de nenhum Papa, menos ainda da Cúria, elevar aos altares qualquer dos Apóstolos. Eles são aceites simplesmente porque não os conhecemos pessoalmente e porque fazem parte do grupo restrito que seguia Jesus.

Gente do povo, rudes, pescadores, pecadores, colaboradores com o invasor, isto é, traidores à Pátria…

Quando voltou a ser venerada pela Igreja uma mulher que tenha desdenhado o recato sexual, depois de Madalena, da Samaritana, da que foi salva da morte enquanto o Senhor escrevia na areia? Que rei ou rainha privou com Jesus?



Nada entendem os que ainda acreditam que Deus se congratula com Ofícios em Latim, com Canto Gregoriano, com Pias Beatices e desdenham a humildade, que se afastam dos irmãos que cheiram mal, que se amofinam com o ruído das crianças nas missas, que ignoram a corrupção que acontece ao seu lado, enfim, que se consideram importantes neste mundo e, ao mesmo tempo que proclamam a modéstia de Nosso Senhor, que continuam a pintar Cristo, seja em quadros ou dentro das suas cabeças, cruzando caminhos, aldeias e cidades em Israel, a anunciar o Reino de Deus, mas vestido com imponência, como se fosse um qualquer príncipe do mundo.

Temos dificuldade em reverenciar um maltrapilho, roto, que nem faz questão de lavar as mãos quando se senta à mesa. Quanto mais adorá-lO. Quantas vezes espreitamos a cerimónia do lava-pés como quem assiste numa poltrona a um espectáculo do La Féria, e não nos oferecemos para levar o saco das compras da vizinha que mal pode andar!



Quantas vezes antipatizamos, desdenhamos ou pensamos tão mal de um santo com quem contactamos neste mundo e que um dia talvez encontraremos no Reino de Deus. E nesse dia que se passará nas nossas cabeças? Quanta angústia e frustração por termos deixado de ser simpáticos para Jesus encarnado naquele irmão, Ele que então estará a fixar em nós os seus olhos, os mesmos que encararam Judas e Pedro.



Um professor universitário disse-me certa vez que, no primeiro dia de aulas olhava para cada aluno como um inimigo. E que esse sentimento só se desvanecia se, e quando, o aluno lhe desse provas em contrário. Não sejamos nós assim, mas precisamente ao contrário. Olhemos para cada pessoa como um irmão, uma habitação de Deus, um santo em embrião. E ajudemo-la.



Orlando de Carvalho.






[1] Orlando de Carvalho, Os Santos de João Paulo II, Lusodidacta, Loures, 2005