Comemora-se a 26 de Julho Santa Ana e São Joaquim, o casal
que gerou Maria, a mãe de Jesus e, por isso, titulada Mãe de Deus. Este gesto
de ternura para com os avós de Jesus é antiquíssimo na Igreja. Por extensão,
esta data passou a ser comum à comemoração de todos os avós.
É uma oportunidade para eu pensar nos meus e nesta função
patriarcal de ser pai e mãe dos pais e das mães.
Não conheci a minha avó materna e o meu avô materno, com
quem tinha uma relação distante, faleceu quando eu tinha uns sete anos. A
oração é o nosso principal ponto de encontro.
Fui criado quase em comum pelos meus pais e avós paternos,
com quem aprendi muito. Essa experiência leva-me hoje a lamentar todos os que
não podem desfrutar desse convívio com os anciãos que partilham o mesmo sangue,
os mesmos genes, o mesmo ADN, a mesma carga tradicional e familiar.
A minha avó, analfabeta, era senhora de uma sabedoria
enorme, feita de anos e de sofrimento, e dela aprendi provérbios, ditos,
histórias, lendas, e a dinâmica da vida, a resiliência.
O meu avô ensinou-me a jogar, às cartas e não só. A bisca
foi óptima para aprender a fazer contas rapidamente e ganhar desembaraço
manual.
Com ambos aprendi lengalengas e jogos tradicionais, pico, pico,
maçarico, cama de gato, etc.
Estive perto e vivi intensamente a partida, primeiro da
minha avó, depois do meu avô.
Na véspera do falecimento, percebi que era a última vez que
o via e despedi-me com carinho, mas sem mencionar a minha intuição, e ele nem
estava assim tão mal. Também nada disse ao meu pai. Mas ficou tanto por fazer,
tanto por falar. Queria que o meu avô me ensinasse a podar oliveiras e outras
coisas que não cheguei a aprender, outras que ficaram por dizer.
Todos sofremos desta incapacidade de gerir o tempo e vivemos
ignorando que qualquer dia pode ser o último.
Hoje tenta ignorar-se a morte e desbaratamos o tempo,
escasseia a consideração e cuidado que os avós merecem e de que necessitam,
pois cada um de nós começa por ser uma extensão dos avós. Somo-lo
geneticamente, mas nem sempre o assumimos no contexto de tradições.
E se for necessário alterar os nossos conceitos sociais e
familiares para voltarmos a ter avós, com tempo e paciência para os netos, e
netos, com mais atenção aos avós que à electrónica, pois que assim seja.
Orlando de Carvalho