sábado, 4 de julho de 2020

Santa Isabel de Portugal, santa lutadora pela paz


O Convento de Santos-o-Novo, que sucedeu ao de Santos-o-Velho, na zona oriental de Lisboa, foi mandado edificar para substituir o inicial, em Santos-o-Velho, por Filipe I.
Tem uma grande história com a qual não nos vamos alongar hoje, diremos que acabou em Recolhimento da Misericórdia.
Recebe pessoas idosas que se instalam nas antigas celas das freiras para onde podem levar as suas coisas e viver com alguma dignidade. A Instituição trata de cuidados mínimos e assistenciais.
Uma dessas celas está adaptada a capela, ou já foi construída para esse fim, dedicada a Santa Isabel de Portugal, Rainha esposa de D. Dinis.
A imagem que aqui reproduzimos é assaz curiosa e provavelmente única.
A rainha, ali como protectora de idosos, é representada também ela já idosa e usando bengala.

Santa Isabel, mãe da paz e da pátria!
Vós que triunfais com Cristo nos Céus, dai-nos a paz. (da Liturgia das Horas)
A sua festa litúrgica comemora-se a 4 de Julho.

Orlando de Carvalho

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Eu sou muito mau (uma primeira confissão)



Estou a pensar numa celebração penitencial que se realizou, há já alguns anos. Era com crianças que se confessavam pela primeira vez e iam receber daí a uns dias a primeira comunhão.

A paróquia era extensa e abrangia vários bairros e estratos sociais. Entre apartamentos de luxo, bairros de lata e sociais e casas tão degradadas que eram piores que os bairros de lata.

Havia vários sacerdotes para atender todas as crianças que caminhavam para a primeira comunhão. Nós, os catequistas, dispúnhamo-nos entre as crianças. Por um lado geríamos a animação do momento, com cânticos, orações, auxílio ao exame de consciência e ao cumprimento da penitência. Também as encaminhávamos para o confessionário, controlando o tráfego. E conversávamos com algumas crianças que pareciam mais medrosas, assustadas ou reticentes em relação a esta nova experiência, para as pôr mais à vontade.

 

Eu conversava com uma criança de um bairro de lata que não parecia muito agradada com a celebração. A certa altura, o menino de 8 anos diz-me:

- Eu não preciso de me confessar. Sou muito mau. Nossa Senhora não gosta de mim porque eu sou muito mau. Os meus pecados não vão ser perdoados.

 

As crianças têm esta capacidade de nos deixar sem resposta e com vontade de chorar. A necessitarmos de tempo para nos recompormos e mesmo sem entendermos, num primeiro momento, o que se passa, termos de ser capazes de reagir sem fazer asneira maior para a criança, acolher o seu desespero e animá-la e colocá-la no seu lugar, que é no colo de Deus, neste caso também no de Maria.

 

Tratava-se de uma criança que vivia com os avós bastante idosos. Os pais estavam no circuito da droga, desintoxicação, prisão por pequenos delitos, dormir na rua ou sabe-se onde, porque a mãe também estava noutro circuito, o da prostituição. Os avós não estavam preparados para lidar com a situação. A criança, no bairro em que vivia, estava rodeada de maus exemplos e chamamentos para vícios, pecado e ilegalidade. Mas o pequenito não estava ainda sobre nessa nuvem de perdição de onde é tão difícil sair. Portava-se mal! Uma criança de 8 anos, portava-se mal. Desobedecia, ou não obedecia à primeira, não ajudava em casa, respondia aos avós. Uma criança normalíssima, portanto. Tão normal que se comovia e aceitava pacificamente a sentença da avó:

- Tu és mau e Nossa Senhora não gosta de ti, porque és mau. Tu vais para o Inferno!

Conversei com ele sobre o amor de Deus e de sua Mãe e confirmei o que ele já teria ouvido na catequese, que Nossa Senhora era a sua Mãe do Céu. Claro que os exemplos de maternidade que ele tinha, da mãe e da avó, não eram muito convincentes quanto ao que de bom dali pudesse vir. Tentei amá-lo com palavras doces e fortes, para que ele pudesse entender o amor de Maria e de Deus.

Soube depois que o rapaz frequentava uma escola da Casa Pia, com aproveitamento razoável, o que poderia ser bom indício para a sua vida. Isto aconteceu uns anos antes de todo o processo judicial das crianças que eram sexualmente abusadas na Casa Pia.

 

Quando a criança recebe pela primeira vez o sacramento da reconciliação, necessita de um acompanhamento doce e forte, os catequistas não são substitutos dos pais mas poderão ter que de ser a âncora a que as crianças se agarram na falta dos pais, ou quando estes têm espinhos e não servem para os filhos se agarrarem ou estão untuosos e as crianças escorregam quando os tomam por bóia de salvação. Ou à primeira confissão pode seguir-se uma primeira comunhão que seja simultaneamente a última.

 

O ritual sacramental nem sempre corre muito de acordo com as regras, o que é normal, e o sacerdote sabe-o e ajuda as crianças. Também já presenciei primeiras celebrações penitenciais que terminaram com um padre, na frente das próprias crianças passar um raspanete aos catequistas porque o Acto de Contrição estava mal memorizado. Como se Deus cuidasse mais dos sacrifícios que do coração! E palavras mal-humoradas do ministro que está ali em nome de Deus podem deixar marcas.

 

Orlando de Carvalho

 

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Evolução e perspectivas sobre a Confissão



Leio num documento do Patriarcado de Lisboa, dos anos 60/70 do século XX, a interessante afirmação:

 

- Não é obrigatório ter pecados para se ir confessar, mas é preciso “sentir-se pecador”, isto é, ter consciência de não ter feito bem.

Confessemo-nos até para dizer a Deus a nossa pena de não ter feito melhor.

 

Cinquenta anos depois, escutamos uma multidão de padres a queixarem-se de se depararem com pessoas que se vão confessar e declaram não ter pecados, ou que não se lembrarem de nenhum. Esses padres comentam, tanto aos fiéis que procuram o sacramento, como em reuniões em que participam:

- Se não têm pecados, que vão fazer à confissão? Feitos beatos, vão apenas fazer o padre perder tempo.

 

Questionamo-nos que razão ou razões terão levado a uma inversão de posição sobre esta questão.

Em primeiro lugar, uma parece ser a posição da Igreja, e outra a perspectiva do clero, de alguns sacerdotes. E estes, alguns, são de facto muitos, já saem do seminário assim ensinados, pelos padres professores.

Contam essa e outras histórias sobre a confissão como a ouviram no seminário, aos mais velhos, e repetem-na vezes sem conta, sem reflectirem no que dizem. Infelizmente não lhes vem à cabeça a tal antiga instrução do Patriarcado.

 

A falta de padres não pode continuar a ser justificação para tudo o que de mal acontece na Igreja. Até porque a procura de sacramentos, todos eles, decresceu e decresce, libertando os padres para realizarem o que só a eles compete. Já recuperámos o diaconado permanente, já se criou o ministério extraordinário da comunhão, o ministério extraordinário das exéquias e há muitas pessoas que colaboram com gosto e zelo nas diversas pastorais.

 

É cansativo confessar longas filas de pessoas. Lembro-me de ouvir esse comentário já na década de 1970. Mas creio que quem é ordenado está consciente disso. A ordenação não é um distintivo para ser exibido, as batinas já estão em desuso. A ordenação é um compromisso para servir o povo de Deus.

 

É verdade que se celebram menos missas, se fazem menos atendimentos para o sacramento da reconciliação, há menos disponibilidade para o serviço nas capelanias, embora muitos postos de capelão sejam remunerados.

 

São João Batista Maria Vianney, o Santo Cura de Ars, foi proclamado pelo Papa Pio XI padroeiro dos párocos e sacerdotes. E estes não se esquecem de o invocar, seja a 4 de Agosto, data da sua festa litúrgica, seja em muitas outras ocasiões, apontando-o como exemplo de sacerdócio. Pois que assim seja. Como o Patriarcado declarava “Confessemo-nos até para dizer a Deus a nossa pena de não ter feito melhor”.

 

Orlando de Carvalho