CARTA SAMARITANUS BONUS
Sobre o cuidado das pessoas nas fases críticas e terminais da vida
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
Sumário
Introdução
I. Cuidar do Próximo
II. A experiência viva do Cristo Sofredor e o anúncio da esperança
III. O “coração que vê” do Samaritano: a vida humana é um dom sagrado e inviolável
IV. Os obstáculos culturais que obscurecem o valor sagrado de cada vida humana
V. O ensinamento do Magistério
1. A proibição da eutanásia e do suicídio assistido
2. A obrigação moral de excluir a obstinação terapêutica
3. Os cuidados básicos: o dever de alimentação e hidratação
4. Os cuidados paliativos
5. O papel da família e das casas de acolhida (hospice)
6. O acompanhamento e o cuidado em idade pré-natal e pediátrica
7. Terapias analgésicas e supressão da consciência
8. O estado vegetativo e o estado de consciência mínima
9. A objeção de consciência por parte dos profissionais da saúde e das instituições sanitárias.católicas
10. O acompanhamento pastoral e o apoio dos sacramentos
11. O discernimento pastoral para quem pede eutanásia ou suicídio assistido
12. A reforma do sistema educativo e da formação dos profissionais da saúde
Conclusão
O Bom Samaritano que deixa o seu caminho para socorrer o homem doente (cfr. Lc 10, 30-37) é a imagem de Jesus Cristo que encontra o homem necessitado de salvação e cuida das suas feridas e da sua dor com «o óleo da consolação e o vinho da esperança»[1]. Ele é o médico das almas e dos corpos e «a testemunha fiel» (Ap 3, 14) da Presença salvífica de Deus no mundo. Mas como tornar concreta hoje esta mensagem? Como traduzi-la em capacidade de acompanhamento da pessoa doente nas fases terminais da vida, de modo a assisti-la respeitando e promovendo sempre a sua inalienável dignidade humana, o seu chamado à santidade e, por conseguinte, o valor supremo da sua própria existência?
O extraordinário e progressivo desenvolvimento das tecnologias biomédicas aumentou de maneira exponencial as capacidades clínicas da medicina no diagnóstico, na terapia e no cuidado dos pacientes. A Igreja olha com esperança as pesquisas científicas e tecnológicas e nelas vê uma oportunidade favorável de serviço ao bem integral da vida e da dignidade de cada ser humano[2]. Todavia, esses progressos da tecnologia médica, ainda que preciosos, não são por si mesmos determinantes para qualificar o sentido próprio e o valor da vida humana. De fato, cada progresso nas habilidades dos profissionais da saúde requer uma crescente e sábia capacidade de discernimento moral[3] para evitar a utilização desproporcional e desumanizante das tecnologias, sobretudo nas fases críticas ou terminais da vida humana.
Além disso, a gestão organizativa e as elevadas articulação e complexidade dos sistemas sanitários contemporâneos podem reduzir o vínculo de confiança entre médico e paciente a uma relação meramente técnica e contratual, um risco que se corre sobretudo nos Países onde estão sendo aprovadas leis que legitimam formas de suicídio assistido e eutanásia voluntária dos doentes mais vulneráveis. Essas práticas negam os confins éticos e jurídicos da autodeterminação do sujeito doente, obscurecendo de maneira preocupante o valor da vida humana na doença, o sentido do sofrimento e o significado do tempo que precede a morte. Com efeito, a dor e a morte não podem ser os critérios últimos que medem a dignidade humana, a qual é própria de cada pessoa pelo simples fato de que é um “ser humano”.
Frente a tais desafios, capazes de colocar em jogo o nosso modo de pensar a medicina, o sentido do cuidado da pessoa doente e a responsabilidade social em relação aos mais vulneráveis, o presente documento deseja iluminar os pastores e os fieis nas suas preocupações e nas suas dúvidas acerca da assistência médica, espiritual e pastoral devida aos doentes nas fases críticas e terminais da vida. Todos são chamados a dar testemunho junto ao doente e a tornar-se “comunidade curante”, para que o desejo de Jesus, de que todos sejam uma só carne, a partir dos mais fracos e vulneráveis, seja atuado concretamente[4]. De fato, percebe-se em toda parte a necessidade de um esclarecimento moral e de índole prática sobre como assistir estas pessoas, já que «é necessária uma unidade de doutrina e de práxis»[5] a respeito de um tema tão delicado e que se refere aos doentes mais fracos, nos estágios mais delicados e decisivos da vida de uma pessoa.
Diversas Conferências Episcopais já publicaram documentos e cartas pastorais, com que procuraram dar uma resposta aos desafios postos pelo suicídio assistido e pela eutanásia voluntária – legitimados por algumas normativas nacionais – com particular referência a quantos trabalham ou são internados nas estruturas hospitalares, inclusive católicas. Mas a assistência espiritual e as dúvidas emergentes, em determinadas circunstâncias e em contextos particulares, acerca da celebração dos Sacramentos para aqueles que desejam pôr fim à própria vida, requerem hoje uma intervenção mais clara e puntual da Igreja, a fim de:
- reafirmar a mensagem do Evangelho e as suas expressões como fundamentos doutrinais propostos pelo Magistério, relembrando a missão de quantos estão em contato com os doentes nas fases críticas e terminais (os familiares ou os tutores legais, os capelães hospitalares, os ministros extraordinários da Eucaristia e os agentes de pastoral, os voluntários e os profissionais da saúde), além dos próprios doentes;
- fornecer orientações pastorais precisas e concretas, a fim de que em nível local se possam enfrentar e gerir essas complexas situações, para favorecer o encontro pessoal do paciente com o Amor misericordioso de Deus.
É difícil reconhecer o profundo valor da vida humana quando, não obstante todo esforço de assistência, ela continua a se nos apresentar na sua fraqueza e fragilidade. O sofrimento, longe de ser removido do horizonte existencial da pessoa, continua a gerar uma inexaurível pergunta sobre o sentido do viver[6]. A solução desta dramática interrogação não poderá jamais ser oferecida somente à luz do pensamento humano, já que o sofrimento contém a grandeza de um específico mistério que somente a Revelação de Deus pode desvelar[7]. Em particular, a cada profissional da saúde é confiada a missão de um fiel cuidado da vida humana até o seu cumprimento natural[8], através de um percurso de assistência que seja capaz de fazer renascer em cada paciente o sentido profundo de sua existência, quando é marcada pelo sofrimento e pela doença. Mostra-se necessário, para isso, partir de uma atenta consideração do significado próprio do cuidado, para compreender o sentido da específica missão confiada por Deus a cada pessoa, profissional da saúde e agente de pastoral, como também ao próprio doente e à sua família.
A experiência do cuidado médico parte daquela condição humana, marcada pela finitude e pelo limite, que é a vulnerabilidade. Em relação à pessoa, ela se insere na fragilidade do nosso ser conjuntamente – “corpo”, material e temporalmente finito, e “alma”, desejo de infinito e destinação à eternidade. O fato de sermos criaturas “finitas”, porém destinadas à eternidade, revela seja a nossa dependência dos bens materiais e da ajuda recíproca dos outros, seja o nosso liame originário e profundo com Deus. Tal vulnerabilidade dá fundamento à ética do cuidado, de modo particular no âmbito da medicina, entendida como solicitude, premura, participação e responsabilidade para com as mulheres e os homens que nos são confiados porque necessitados de assistência física e espiritual.
Em particular, a relação de cuidado revela um princípio de justiça, na sua dúplice dimensão de promoção da vida humana (suum cuique tribuere) e de não causar dano à pessoa (alterum non laedere): o mesmo princípio que Jesus transforma na regra de ouro positiva – «Tudo quanto quiserdes que os homens vos façam, fazei-o vós a eles» (Mt 7, 12). É a regra que na ética médica tradicional encontra um eco no aforisma primum non nocere.
O cuidado da vida é pois a primeira responsabilidade que o médico experimenta no encontro com o doente. Ela não é redutível à capacidade de curar o doente, sendo o seu horizonte antropológico e moral mais amplo: também quando a cura é impossível ou improvável, o acompanhamento do médico/enfermeiro (cuidado das funções fisiológicas essenciais do corpo), como também psicológico e espiritual, é um dever imprescindível, já que o oposto constituiria um desumano abandono do doente. A medicina, com efeito, que se serve de muitas ciências, possui também uma importante dimensão de “arte terapêutica” que implica uma relação estreita entre paciente, profissionais da saúde, familiares e membros das várias comunidades de pertença do doente: arte terapêutica, atos clínicos e cuidado são incindivelmente unidos na prática médica, sobretudo nas fases críticas e terminais da vida.
O Bom Samaritano, de fato, «não só se faz próximo, mas cuida do homem que encontra quase morto ao lado da estrada»[9]. Investe nele não somente o dinheiro que tem, bem como o que não tem e que espera de ganhar em Jericó, prometendo que pagará no seu retorno. Assim Cristo nos convida a confiar na sua invisível graça e impele à generosidade baseada na caridade sobrenatural, identificando-se com cada doente: «Toda vez que fizestes isto a um só desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes» (Mt 25, 40). A afirmação de Jesus é uma verdade moral de âmbito universal: «trata-se de “cuidar” da vida toda e da vida de todos»[10], para revelar o Amor originário e incondicional de Deus, fonte do sentido de cada vida.
A este fim, sobretudo nas estruturas hospitalares e assistenciais inspiradas nos valores cristãos, é mais que nunca necessário fazer um esforço, também espiritual, para deixar espaço a uma relação construída a partir do reconhecimento da fragilidade e vulnerabilidade da pessoa doente. A fraqueza, com efeito, recorda-nos a nossa dependência de Deus e convida a responder-lhe no respeito devido ao próximo. Daqui nasce a responsabilidade moral, ligada à tomada de consciência de cada sujeito que cuida do doente (médico, enfermeiro, familiar, voluntário, pastor) de encontrar-se diante de um bem fundamental e inalienável – a pessoa humana – que impõe não poder ultrapassar o limite em que se dá o respeito de si e do outro, ou seja o acolhimento, a tutela e a promoção da vida humana até que sobrevenha naturalmente a morte. Trata-se, neste sentido, de ter um olhar contemplativo[11], que sabe colher na existência própria e alheia um prodígio único e irrepetível, recebido e acolhido como um dom. É o olhar de quem não pretende apossar-se da realidade da vida, mas sabe acolhê-la assim como é, com as suas fadigas e os seus sofrimentos, buscando reconhecer na doença um sentido pelo qual se deixa interpelar e “guiar”, com a confiança de quem se abandona ao Senhor da vida que nele se manifesta.
Certamente, a medicina deve aceitar o limite da morte como parte da condição humana. Chega um momento em que não há outra coisa a fazer senão reconhecer a impossibilidade de intervir com terapias específicas em uma doença, que se apresenta em breve tempo como mortal. É um fato dramático, que deve ser comunicado ao doente com grande humanidade e também com confiante abertura à perspectiva sobrenatural, conscientes da angústia que a morte gera, sobretudo em uma cultura que a esconde. Não se pode, de fato, pensar a vida física como algo a ser conservado a todo custo – o que é impossível – mas como algo a ser vivido de modo tal a se poder chegar à livre aceitação do sentido da existência corpórea: «só fazendo referência à pessoa humana na sua “totalidade unificada”, ou seja, “alma que se exprime no corpo e corpo informado por um espírito imortal”, pode ser lido o significado especificamente humano do corpo»[12].
Reconhecer a impossibilidade de curar, na perspectiva próxima da morte, não significa todavia o fim do agir médico e dos enfermeiros. Exercitar a responsabilidade para com a pessoa doente significa assegurar-lhe o cuidado até o fim: «curar se possível, cuidar sempre (to cure if possible, always to care)»[13]. Esta intenção de cuidar sempre do doente oferece o critério para avaliar as diversas ações a se empreender na situação de doença “incurável”: incurável, com efeito, não é jamais sinônimo de “incuidável”. O olhar contemplativo convida ao alargamento da noção de cuidado. O objetivo da assistência deve mirar à integridade da pessoa, garantindo com os meios adequados e necessários o suporte físico, psicológico, social, familiar e religioso. A fé viva, mantida nas almas das pessoas ao entorno, pode contribuir à verdadeira vida teologal da pessoa doente, mesmo se isso não é imediatamente visível. O cuidado pastoral da parte de todos, familiares, médicos, enfermeiros e capelães, pode ajudar o doente a perseverar na graça santificante e morrer na caridade, no Amor de Deus. Perante o caráter inelutável da doença, sobretudo se é crônica e degenerativa, vindo a faltar a fé, o medo do sofrimento e da morte, e o desconforto que disso deriva, constituem hoje as causas principais da tentativa de controlar e gerir a chegada da morte, até antecipando-a, com o pedido de eutanásia ou de suicídio assistido.
II. A experiência viva do Cristo Sofredor
e o anúncio da esperança
Se a figura do Bom Samaritano ilumina com nova luz a práxis do cuidar, a experiência viva do Cristo sofredor, da sua agonia na Cruz e da sua Ressurreição, são os lugares em que se manifesta a proximidade do Deus feito homem às múltiplas formas da angústia e da dor, que podem atingir os doentes e os seus familiares, durante os longos dias da doença e no final da vida.
Não só a pessoa de Cristo é anunciada pelas palavras do Profeta Isaías, como o homem acostumado à dor e ao sofrer (cfr. Is 53), mas se relermos as páginas da paixão de Cristo, encontraremos nela a experiência da imcompreensão, do escárnio, do abandono, da dor física e da angústia. São experiências que hoje atingem muitos doentes, frequentemente considerados um peso para a sociedade; às vezes não compreendidos nas suas demandas, vivem não raro formas de abandono afetivo, de perda dos laços interpessoais.
Cada doente necessita não somente de ser escutado, mas de perceber que o próprio interlocutor “sabe” o que significa sentir-se só, abandonado, angustiado diante da perspectiva da morte, da dor da carne, do sofrimento que surge quando o olhar da sociedade mede o seu valor em termos de qualidade de vida, fazendo-o sentir-se como um peso para os projetos dos outros. Por isso, voltar o olhar a Cristo significa saber que se pode apelar a quem provou na sua carne a dor das chicotadas e dos cravos, a ridicularização por parte dos flageladores, o abandono e a traição dos amigos mais caros.
Frente ao desafio da doença e em presença de incômodos emocionais e espirituais de quem vive a experiência da dor, emerge de maneira inexorável a necessidade de saber dizer uma palavra de conforto, haurida da compaixão cheia de esperança de Jesus crucificado. Uma esperança credível, aquela professada por Jesus sobre a Cruz, capaz de enfrentar o momento da prova, o desafio da morte. Na Cruz de Cristo – cantada pela liturgia na sexta-feira santa: Ave crux, spes unica – são concentrados e resumidos todos os males e os sofrimentos do mundo. Todo o mal físico, de que a cruz, como instrumento de morte infame e infamante, é o emblema; todo o mal psicológico, expresso na morte de Jesus na mais obscura solidão, no abandono e na traição; todo o mal moral, manifestado na condenação à morte do Inocente; todo o mal espiritual, evidenciado na desolação que faz perceber o silêncio de Deus.
Cristo é aquele que sente em torno a si a consternação dolorosa da Mãe e dos discípulos, que “estão” junto à Cruz: neste seu “estar”, aparentemente carregado de impotência e resignação, há toda a proximidade afetiva que permite ao Deus feito homem viver aquelas horas que parecem sem sentido.
Há, ainda, a Cruz: um instrumento de tortura e de execução reservado somente aos últimos, que se assemelha tanto, na sua carga simbólica, àquelas doenças que cravam a pessoa em um leito, que prefiguram só a morte e parecem tolher o significado ao tempo e ao seu transcorrer. Contudo, aqueles que “estão” em torno ao doente não são somente testemunhas, mas são sinal vivente daqueles afetos, daqueles laços, daquela íntima disponibilidade ao amor, que permitem ao sofredor encontrar sobre si um olhar humano, capaz de devolver o sentido ao tempo da doença. Porque na experiência de sentir-se amado toda a vida encontra a sua justificação. Cristo foi sustentado, no percurso da sua paixão, pela confiança no amor no Pai, que se manifestava, nas horas da cruz, também através do amor da Mãe. De fato, o Amor de Deus se evidencia sempre na história humana graças ao amor de quem não nos abandona, de quem “está”, apesar de tudo, ao nosso lado.
Se refletimos sobre o fim da vida das pessoas, não podemos esquecer que nelas se faz presente muitas vezes a preocupação por aqueles que deixam: pelos filhos, o cônjuge, os pais, os amigos. Este é um elemento humano que não podemos jamais transcurar e a que se deve oferecer um apoio e uma ajuda.
É a mesma preocupação de Cristo, que antes de morrer pensa na Mãe que ficará sozinha, dentro de uma dor que deverá carregar na história. Na enxuta crônica do Evangelho de João, Cristo se dirige à Mãe para tranquilizá-la, para confiá-la ao discípulo amado, a fim de que cuidasse dela: «Mãe, eis o teu filho» (cfr. Jo 19, 26-27). O tempo do fim da vida é um tempo de relações, um tempo em que se devem vencer a solidão e o abandono (cfr. Mt 27, 46 e Mc 15, 34), em vista de uma entrega confiante da própria vida a Deus (cfr. Lc 23, 46).
Nesta perspectiva, olhar o Crucificado significa ver uma cena coral, em que Cristo está no centro porque resume na própria carne, e realmente transfigura, as horas mais tenebrosas da experiência humana, aquelas em que se apresenta, silenciosa, a possibilidade do desespero. A luz da fé nos faz colher, naquela plástica e escassa descrição que os Evangelhos nos fornecem, a Presença Trinitária, porque Cristo confia no Pai graças ao Espírito Santo, que sustenta a Mãe e os discípulos, que “estão” e, neste seu “estar” junto à Cruz, participam, com a sua humana dedicação ao Sofredor, do mistério da Redenção.
Assim, ainda que marcada por um doloroso fim, a morte pode se tornar ocasião de uma grande esperança, graças à fé, que nos torna partícipes da obra redentora de Cristo. De fato, a dor é suportável existencialmente apenas onde há esperança. A esperança que Cristo transmite ao sofredor e ao doente é aquela da sua presença, da sua real proximidade. A esperança não é só uma espera por um futuro melhor, mas é um olhar ao presente, que o torna cheio de significado. Na fé cristã, o evento da Ressurreição não somente desvela a vida eterna, mas manifesta que na história a palavra última não é jamais a morte, a dor, a traição, o mal. Cristo ressurge na história, e no mistério da Ressurreição se confirma o amor do Pai que nunca abandona.
Reler, então, a experiência viva do Cristo sofredor significa doar aos homens de hoje uma esperança capaz de dar sentido ao tempo da doença e da morte. Esta esperança é o amor que resiste à tentação do desespero.
Por mais importantes e cheios de valor que sejam, os cuidados paliativos não bastam se não há ninguém que “esteja” junto ao doente e lhe testemunhe o seu valor único e irrepetível. Para quem tem fé, olhar o Crucificado significa confiar na compreensão e no Amor de Deus: e é importante, numa época histórica em que se exalta a autonomia e se celebram os esplendores do indivíduo, recordar que, se é verdade que cada um vive o seu sofrimento, a sua dor e a sua morte, tais vivências são sempre carregadas do olhar e da presença de outros. Perto da Cruz estavam também os funcionários do Estado Romano, os curiosos, os distraídos, os indiferentes e os ressentidos: eram todos em torno à Cruz, mas não “estavam” com o Crucificado.
Nas unidades de terapia intensiva, nas casas de cuidado para os doentes crônicos, pode-se estar presente como funcionários ou como pessoas que “estão” com o doente.
A experiência da Cruz permite assim oferecer ao sofredor um interlocutor credível a quem dirigir a palavra, o pensamento, a quem entregar a angústia e o medo. Àqueles que cuidam do doente, a cena da Cruz fornece um ulterior elemento para compreender que mesmo quando parece que não exista mais nada a fazer, há ainda muito a fazer, porque o “estar” é um dos sinais do amor e da esperança que ele traz consigo. O anúncio da vida além da morte não é uma ilusão ou uma consolação, mas uma certeza que está no centro do amor, o qual não desaparece com a morte.
III. O “coração que vê” do Samaritano:
a vida humana é um dom sagrado e inviolável
O homem, em qualquer condição física ou psíquica em que se encontre, mantém a sua dignidade originária de ser criado à imagem de Deus. Pode viver e crescer no esplendor divino porque é chamado a ser à «imagem e glória de Deus» (1Cor 11, 7; 2Cor 3, 18). A sua dignidade está nesta vocação. Deus se fez Homem para salvar-nos, prometendo-nos a salvação e destinando-nos à comunhão consigo: aqui reside o fundamento último da dignidade humana[14].
É próprio da Igreja acompanhar com misericórdia os mais fracos no seu caminho de dor, para manter neles a vida teologal e orientá-los à salvação de Deus[15]. É a Igreja do Bom Samaritano[16] que «considera o serviço aos doentes como parte integrante da sua missão»[17]. Compreender esta mediação salvífica da Igreja numa perspectiva de comunhão e solidariedade entre os homens é uma ajuda essencial para superar toda tendência reducionista e individualista[18].
Em particular, o programa do Bom Samaritano é “um coração que vê”. Ele «ensina que é necessário converter o olhar do coração, porque muitas vezes quem olha não vê. Por que? Porque falta a compaixão […]. Sem compaixão, quem olha não se comove com o que vê e passa adiante; ao contrário, quem tem um coração compassivo deixa-se tocar e comover, pára e cuida»[19]. Este coração vê onde há necessidade de amor e age de modo consequente[20]. Os olhos percebem na fraqueza um chamado de Deus a agir, reconhecendo na vida humana o primeiro bem comum da sociedade[21]. A vida humana é um bem altíssimo e a sociedade é chamada a reconhecê-lo. A vida é um dom[22] sagrado e inviolável e cada homem, criado por Deus, tem uma vocação transcendente e uma relação única com Aquele que dá a vida, porque «Deus invisível, no seu grande amor»[23] oferece a cada homem um plano de salvação, de modo a poder afirmar: «A vida é sempre um bem. Esta é uma intuição ou até um dado de experiência, cuja razão profunda o homem é chamado a compreender»[24]. Por isso a Igreja se alegra sempre em colaborar com todos os homens de boa vontade, com crentes de outras confissões ou religiões ou não-crentes, que respeitam a dignidade da vida humana, também nas suas fases extremas de sofrimento e morte, e rejeitam todo ato contrário a ela[25]. Deus Criador, de fato, oferece ao homem a vida e a sua dignidade como um dom precioso a ser preservado e incrementado e do qual se deverá por fim prestar contas a Ele.
A Igreja afirma o sentido positivo da vida humana como um valor já perceptível pela reta razão, que a luz da fé confirma e valoriza na sua inalienável dignidade[26]. Não se trata de um critério subjetivo ou arbitrário; trata-se ao contrário de um critério fundado na dignidade natural inviolável – enquanto a vida é o primeiro bem, porque condição para a fruição de qualquer outro bem – e na vocação transcendente de cada ser humano, chamado a compartilhar o Amor trinitário do Deus vivo:[27] «o amor muito especial que o Criador tem por cada ser humano “confere-lhe uma dignidade infinita”»[28]. O valor inviolável da vida é uma verdade basilar da lei moral natural e um fundamento essencial da ordem jurídica. Assim como não se pode aceitar que um outro homem seja nosso escravo, mesmo se no-lo pedisse, do mesmo modo não se pode escolher diretamente atentar contra a vida de um ser humano, mesmo se este o requeresse. Portanto, suprimir um doente que pede a eutanásia não significa de nenhum modo reconhecer a sua autonomia e valorizá-la, mas ao invés significa desconhecer o valor da sua liberdade, fortemente condicionada pela doença e pela dor, e o valor da sua vida, negando-lhe qualquer ulterior possibilidade de relação humana, de sentido da existência e de crescimento na vida teologal. Ainda mais, decide-se no lugar de Deus o momento da morte. Por isso, «aborto, eutanásia e suicídio voluntário (…) corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem do que os que os padecem; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador»[29].
IV. Os obstáculos culturais
que obscurecem o valor sagrado de cada vida humana
Alguns fatores atualmente limitam a capacidade de colher o valor profundo e intrínseco de cada vida humana: o primeiro é a referência ao uso equívoco do conceito de “morte digna” em relação ao de “qualidade de vida”. Emerge aqui uma perspectiva antropológica utilitarista, que é «ligada prevalentemente às possibilidades econômicas, ao “bem-estar”, à beleza e à fruição da vida física, esquecendo outras dimensões mais profundas — relacionais, espirituais e religiosas — da existência»[30]. Em virtude deste princípio, a vida é considerada digna somente se tem um nível aceitável de qualidade, segundo o juízo do sujeito mesmo ou de terceiros, em ordem à presença-ausência de determinadas funções psíquicas ou físicas, muitas vezes identificada também com a simples presença de um incômodo psicológico. Segundo esta abordagem, quando a qualidade da vida aparece pobre, não merece ser continuada. Assim, porém, não se reconhece mais que a vida humana tem um valor em si mesma.
Um segundo obstáculo que obscurece a percepção da sacralidade da vida humana é uma errônea compreensão da “compaixão”[31]. Diante de um sofrimento qualificado como “insuportável”, justifica-se o fim da vida do paciente em nome da “compaixão”. Para não sofrer é melhor morrer: é a eutanásia assim chamada “compassiva”. Seria compassivo ajudar o paciente a morrer através da eutanásia ou do suicídio assistido. Na realidade, a compaixão humana não consiste em provocar a morte, mas em acolher o doente, em dar-lhe suporte nas dificuldades, em oferecer-lhe afeto, atenção e os meios para aliviar o sofrimento.
O terceiro fator que torna difícil reconhecer o valor da vida própria e alheia, ao interno das relações intersubjetivas, é um individualismo crescente que induz a ver os outros como limite e ameaça à própria liberdade. Na raiz de uma tal atitude está «um neo-pelagianismo em que o homem, radicalmente autônomo, pretende salvar-se a si mesmo sem reconhecer que ele depende, no mais profundo do seu ser, de Deus e dos outros […]. Um certo neo-gnosticismo, por outro lado, apresenta uma salvação meramente interior, fechada no subjetivismo»[32], que espera a libertação da pessoa dos limites do seu corpo, sobretudo quando é frágil e doente.
O individualismo, em particular, está na raiz daquela que é considerada a doença mais latente do nosso tempo: a solidão[33], tematizada em alguns contextos normativos até mesmo como “direito à solidão”, a partir da autonomia da pessoa e do “princípio da permissão-consentimento”: uma permissão-consentimento que, dadas determinadas condições de mal-estar ou de doença, pode estender-se até a escolha de continuar a viver ou não. É o mesmo “direito” que subjaz à eutanásia e ao suicídio assistido. A ideia de fundo é de que quantos se encontram em uma condição de dependência e não podem ser assimilados à perfeita autonomia e reciprocidade são cuidados em virtude de um favor. O conceito de bem se reduz assim a ser o resultado de um acordo social: cada um recebe os cuidados e a assitência que a autonomia ou a utilidade social e econômica tornam possíveis ou convenientes. Disso deriva um empobrecimento das relações interpessoais, que se tornam frágeis, privadas de caridade sobrenatural, daquela solidariedade humana e daquele suporte social tão necessários para enfrentar os momentos e as decisões mais difíceis da existência.
Este modo de pensar as relações humanas e o significado do bem não pode não afetar o sentido mesmo da vida, tornando-a facilmente manipulável, também através de leis que legalizam práticas eutanásicas, provocando a morte dos doentes. Estas ações causam uma grave insensibilidade quanto ao cuidado da pessoa doente e deformam as relações. Em tais circunstâncias, surgem às vezes dilemas infundados sobre a moralidade de ações que, na verdade, não são mais que atos devidos de simples atenção à pessoa, como hidratar e alimentar um doente em estado de inconsciência, sem perspectiva de cura.
Neste sentido, Papa Francisco tem falado da «cultura do descarte»[34]. As vítimas de tal cultura são propriamente os seres humanos mais frágeis, que correm o perigo de serem “descartados” por uma engrenagem que quer ser eficiente a todo custo. Trata-se de um fenômeno cultural fortemente antisolidário que João Paulo II qualificou como «cultura de morte» e que cria autênticas «estruturas de pecado»[35]. Isso pode induzir a realizar ações em si erradas, só pelo motivo de “sentir-se bem” ao cometê-las, gerando confusão entre bem e mal, onde, ao contrário, cada vida pessoal possui um valor único e irrepetível, sempre prometente e aberto à transcendência. Nesta cultura do descarte e da morte, a eutanásia e o suicídio assistido aparecem como uma solução errônea para resolver os problemas relativos ao paciente terminal.
V. O Ensinamento do Magistério
1. A proibição da eutanásia e do suicídio assistido
A Igreja, na missão de transmitir aos fieis a graça do Redentor e a santa lei de Deus, já perceptível nos ditames da lei moral natural, sente o dever de intervir nesta sede para excluir ainda uma vez toda ambiguidade acerca do ensinamento do Magistério sobre a eutanásia e o suicídio assistido, também naqueles contextos em que as leis nacionais legitimaram tais práticas.
Em particular, o difundir-se de protocolos médicos aplicáveis às situações de fim-de-vida, como o Do Not Resuscitate Order ou os Physician Orders for Life Sustaining Treatment – com todas as suas variantes segundo os ordenamentos e contextos nacionais, inicialmente pensados como instrumentos para evitar a obstinação terapêutica nas fases terminais da vida – levanta hoje graves problemas em relação ao dever de tutelar a vida dos pacientes nas fases mais críticas da doença. Se de um lado, com efeito, os médicos se sentem sempre mais vinculados pela autodeterminação expressa pelos pacientes, segundo estas declarações, o que chega até mesmo a privá-los da liberdade e do dever de agir em tutela da vida, também onde poderiam fazê-lo; de outro, em alguns contextos sanitários, preocupa o abuso, já amplamante denunciado, na utilização de tais protocolos em uma perspectiva eutanásica, quando nem os pacientes, nem tampouco as famílias são consultados na decisão extrema. Isto acontece sobretudo nos países onde as leis sobre o fim-da-vida deixam hoje amplas margens de ambiguidade em mérito à aplicação do dever do cuidado, tendo introduzido a prática da eutanásia.
Por tais razões, a Igreja considera que deve reafirmar como ensinamento definitivo que a eutanásia é um crime contra a vida humana porque, com tal ato, o homem escolhe causar diretamente a morte de um outro ser humano inocente. A definição de eutanásia não procede da ponderação dos bens ou valores em jogo, mas de um objeto moral suficientemente especificado, ou seja da escolha de «uma ação ou omissão que, por sua natureza ou nas intenções, provoca a morte a fim de eliminar toda a dor»[36]. «A eutanásia situa-se, portanto, ao nível das intenções e ao nível dos métodos empregados»[37]. A sua avaliação moral, bem como a das consequências que dela derivam, não depende portanto de um balanceamento de princípios que, de acordo com as circunstâncias e o sofrimento do paciente, poderiam segundo alguns justificar a supressão da pessoa doente. Valor da vida, autonomia, capacidade decisional e qualidade de vida não estão no mesmo plano.
A eutanásia, portanto, é um ato intrinsecamente mau, em qualquer ocasião ou circunstância. A Igreja no passado já afirmou de modo definitivo «que a eutanásia é uma violação grave da Lei de Deus, enquanto morte deliberada moralmente inaceitável de uma pessoa humana. Tal doutrina está fundada sobre a lei natural e sobre a Palavra de Deus escrita, é transmitida pela Tradição da Igreja e ensinada pelo Magistério ordinário e universal. A eutanásia comporta, segundo as circunstâncias, a malícia própria do suicídio ou do homicídio»[38]. Qualquer cooperação formal ou material imediata a um tal ato é um pecado grave contra a vida humana: «Não há autoridade alguma que o possa legitimamente impor ou permitir. Trata-se, com efeito, de uma violação da lei divina, de uma ofensa à dignidade da pessoa humana, de um crime contra a vida e de um atentado contra a humanidade»[39]. Por isso, a eutanásia é um ato homicida que nenhum fim pode legitimar e que não tolera nenhuma forma de cumplicidade ou colaboração, ativa ou passiva. Aqueles que aprovam leis sobre a eutanásia e o suicídio assistido se tornam, portanto, cúmplices do grave pecado que outros realizarão. Eles são outrossim culpados de escândalo porque tais leis contribuem a deformar a consciência, mesmo dos fieis[40].
A vida humana tem a mesma dignidade e o mesmo valor para cada um: o respeito da vida do outro é o mesmo que se deve para com a própria existência. Uma pessoa que escolhe com plena liberdade tirar a própria vida rompe a sua relação com Deus e com os outros e nega si mesma como sujeito moral. O suicídio assistido aumenta a sua gravidade, enquanto torna partícipe um outro do próprio desespero, induzindo-o a não direcionar a vontade para o mistério de Deus, através da virtude teologal da esperança, e por consequência a não reconhecer o verdadeiro valor da vida e a romper a aliança que constitui a família humana. Ajudar o suicida é uma indevida colaboração a um ato ilícito, que contradiz a relação teologal com Deus e a realização moral que une os homens a fim de que compartilhem o dom da vida e participem do sentido da própria existência.
Mesmo quando o pedido de eutanásia nascer de uma angústia e de um desespero[41] e «embora em tais casos a responsabilidade possa ficar atenuada ou até não existir, o erro de juízo da consciência — mesmo de boa fé — não modifica a natureza deste gesto homicida que, em si, permanece sempre inaceitável»[42]. O mesmo se diga do suicídio assistido. Tais práticas jamais são uma autêntica ajuda ao doente, mas uma ajuda a morrer.
Trata-se, por isso, de uma escolha sempre errada: «o pessoal médico e os outros profissionais da saúde – fieis à tarefa de “estar sempre a serviço da vida e assisti-la até o fim” – não podem prestar-se a nenhuma prática eutanásica nem mesmo a pedido do interessado, menos ainda dos seus familiares. Não existe, de fato, um direito a dispor arbitrariamente da própria vida, pelo que nenhum profissional da saúde pode fazer-se tutor executivo de um direito inexistente»[43].
É por isso que a eutanásia e o suicídio assistido são uma derrota para quem os teoriza, para quem os decide e para quem os pratica[44].
São gravemente injustas, portanto, as leis que legalizam a eutanásia ou aquelas que justificam o suicídio e a ajuda ao mesmo, pelo falso direito de escolher uma morte definida impropriamente como digna somente porque escolhida[45]. Tais leis atingem o fundamento da ordem jurídica: o direito à vida, que sustenta todo outro direito, inclusive o exercício da liberdade humana. A existência destas leis fere profundamente as relações humanas e a justiça, ameaçando a mútua confiança entre os homens. Os ordenamentos jurídicos que legitimaram o suicídio assistido e a eutanásia mostram, além disso, uma evidente degeneração deste fenômeno social. Papa Francisco recorda que «o atual contexto sociocultural está progressivamente a desgastar a consciência do que torna a vida humana preciosa. Na realidade, ela está a ser cada vez mais avaliada com base na sua eficiência e utilidade, a ponto de considerar “vidas descartadas” ou “vidas indignas” aquelas que não correspondem a este critério. Nesta situação de perda dos valores autênticos, vêm a faltar os deveres inalienáveis de solidariedade e fraternidade humana e cristã. Na realidade, uma sociedade merece a qualificação de “civilizada" se desenvolver anticorpos contra a cultura do descarte; se reconhecer o valor intangível da vida humana; se a solidariedade for ativamente praticada e salvaguardada como fundamento da convivência»[46]. Em alguns países do mundo, dezenas de milhares de pessoas já morreram por eutanásia, muitas das quais porque lamentavam-se de sofrimentos psicológicos ou depressão. E frequentes são os abusos denunciados pelos próprios médicos pela supressão da vida de pessoas que jamais teriam desejado para si a aplicação da eutanásia. Com efeito, o pedido de morte, em muitos casos, é já um sintoma da doença, agravado pelo isolamento e pelo desconforto. A Igreja vê nestas dificuldades uma ocasião para a purificação espiritual, que aprofunda a esperança, a fim de que se torne realmente teologal, focalizada em Deus e somente em Deus.
Mais que isso, ao invés de ceder a uma falsa condescendência, o cristão deve oferecer ao doente a ajuda indispensável para sair do seu desespero. O mandamento «não matar» (Ex 20, 13; Dt 5, 17), de fato, é um sim à vida, da qual Deus se faz garante: «torna-se apelo a um amor solícito que tutela e promove a vida do próximo»[47]. O cristão portanto sabe que a vida terrena não é o supremo valor. A beatitude última está no céu. Assim, o cristão não pretenderá que a vida física continue quando evidentemente a morte é próxima. O cristão ajudará o moribundo a se libertar do desespero e a colocar sua esperança em Deus.
Sob o perfil clínico, os fatores que mormente determinam o pedido de eutanásia e suicídio assistido são: a dor não administrada; a falta de esperança, humana e teologal, induzida também por uma assistência humana, psicológica e espiritual muitas vezes inadequada por parte de quem cuida do doente[48].
É isto que a experiência confirma: «as súplicas dos doentes muito graves que, por vezes, pedem a morte, não devem ser compreendidas como expressão de uma verdadeira vontade de eutanásia; nestes casos são quase sempre pedidos angustiados de ajuda e de afeto. Para além dos cuidados médicos, aquilo de que o doente tem necessidade é de amor, de calor humano e sobrenatural, que podem e devem dar-lhe todos os que o rodeiam, pais e filhos, médicos e enfermeiros»[49]. O doente que se sente circundado pela presença amorosa, humana e cristã, supera toda forma de depressão e não cai na angústia de quem, ao invés, se sente só e abandonado ao seu destino de sofrimento e de morte.
De fato, o homem vive a dor não somente como um fato biológico que deve ser administrado para que seja suportável, mas como o mistério da vulnerabilidade humana em relação ao fim da vida física, um evento difícil de aceitar, dado que a unidade de alma e corpo é essencial para o homem.
Por isso, somente re-significando o evento mesmo da morte – mediante a abertura a um horizonte de vida eterna, que anuncia a destinação transcendente de cada pessoa – o “fim-da-vida” pode ser enfrentado de modo cônsono à dignidade humana e adequado àquele sentimento de perturbação e sofrimento que a percepção do fim iminente produz inevitavelmente. Com efeito, «o sofrimento é algo mais amplo e mais complexo do que a doença e, ao mesmo tempo, algo mais profundamente enraizado na própria humanidade»[50]. E este sofrimento, com a ajuda da graça, pode ser animado desde dentro com a caridade divina, assim como no caso do sofrimento de Cristo na Cruz.
Portanto, a capacidade de quem assiste uma pessoa atingida por doença crônica ou na fase terminal da vida deve ser aquela de “saber estar”, vigiar com quem sofre a angústia do morrer, “consolar”, ou seja estar-com na solidão, ser co-presença que abre à esperança[51]. Mediante a fé e a caridade expressas na intimidade da alma, a pessoa que assiste é capaz de sofrer a dor do outro e de abrir-se a uma relação pessoal com o fraco, que alarga os horizontes da vida para além do evento da morte, tornando-se assim uma presença plena de esperança.
«Chorai com os que choram» (Rm 12, 15), porque é feliz quem tem compaixão ao ponto de chorar com os outros (cfr. Mt 5, 4). Nesta relação, que se faz possibilidade de amor, o sofrimento se enche de significado no com-partilhamento da condição humana e na solidariedade no caminho para Deus, que exprime aquela aliança radical entre os homens[52], que os faz entrever uma luz mesmo para além da morte. Isso nos faz ver o ato médico desde dentro de uma aliança terapêutica entre o médico e o doente, ligados pelo reconhecimento do valor transcendente da vida e do sentido místico do sofrimento. Tal aliança é a luz para compreender um bom agir médico, superando a visão individualista e utilitarista hoje predominante.
2. A obrigação moral de excluir a obstinação terapêutica
O Magistério da Igreja recorda que, quando se aproxima o término da existência terrena, a dignidade da pessoa humana é precisada como direito a morrer na maior serenidade possível e com a dignidade humana e cristã que lhe é devida[53]. Tutelar a dignidade do morrer significa excluir seja a antecipação da morte, seja sua dilação com a assim chamada “obstinação terapêutica”[54]. A medicina atual dispõe de meios capazes de retardar artificialmente a morte, sem que o paciente receba, em alguns casos, um real benefício. Na iminência de uma morte inevitável, pois, é lícito tomar a decisão, em ciência e consciência, de renunciar a tratamentos que provocariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem todavia interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos similares[55]. Isto significa que não é lícito suspender os cuidados eficazes para sustentar as funções fisiológicas essenciais, até quando o organismo seja capaz de se beneficiar deles (suportes à hidratação, à nutrição, à termorregulação; outrossim, ajudas adequadas e proporcionadas à respiração e ainda outras, na medida em que sejam requeridas para suportar a homeostase corpórea e reduzir o sofrimento do órgão e sistêmico). A suspensão de toda obstinação irrazoável na administração dos tratamentos não deve ser desistência terapêutica. Tal precisação se torna hoje indispensável à luz dos numerosos casos judiciais que nos últimos anos têm conduzido à desistência do cuidado – e à morte antecipada – de pacientes em condições críticas, mas não terminais, a quem se decidiu suspender os cuidados de suporte vital, já não tendo eles perspectivas de melhora da qualidade de vida.
No caso específico da obstinação terapêutica, deve-se reafirmar que a renúncia a meios extraordinários e/ou desproporcionais «não equivale ao suicídio ou à eutanásia; exprime antes a aceitação da condição humana diante da morte»[56] ou a escolha ponderada de evitar a aplicação de um dispositivo médico desproporcionado aos resultados que se poderiam esperar. A renúncia a tais tratamentos, que provocariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, pode também querer exprimir o respeito à vontade do moribundo, expressa nas assim chamadas declarações antecipadas de vontade quanto ao tratamento, excluindo porém todo ato eutanásico ou suicida[57].
Com efeito, a proporcionalidade se refere à totalidade do bem do doente. Jamais se pode aplicar o falso discernimento moral da escolha entre valores (por exemplo, vida versus qualidade de vida). Isso poderia induzir a excluir da consideração a salvaguarda da integridade pessoal e do bem-vida e o verdadeiro objeto moral do ato realizado[58]. Todo ato médico deve sempre ter como objeto, nas intenções de quem age, o acompanhamento da vida e nunca a busca da morte[59]. O médico, em todo caso, não é jamais um mero executor da vontade do paciente ou do seu representante legal, conservando o direito e o dever de subtrair-se a vontades discordantes do bem moral visto pela própria consciência[60].
3. Os cuidados básicos: o dever de alimentação e hidratação
Princípio fundamental e ineludível do acompanhamento do doente em condições críticas e/ou terminais é a continuidade da assistência às suas funções fisiológicas essenciais. Em particular, um cuidado básico devido a cada ser humano é o de administrar os alimentos e os líquidos necessários à manutenção da homeostase do corpo, na medida em que e até quando esta administração demonstra alcançar sua finalidade própria, que consiste em promover a hidratação e a nutrição do paciente[61].
Quando o fornecer substâncias nutrientes e líquidos fisiológicos não produz nenhum benefício ao paciente, porque o seu organismo não mais está em condições de absorvê-los ou metabolizá-los, a sua administração deve ser suspensa. Deste modo não se antecipa ilicitamente a morte por privação de suportes hidratantes e nutricionais essenciais às funções vitais, mas se respeita o decurso natural da doença crítica ou terminal. Em caso contrário, a privação destes suportes se torna uma ação injusta e pode ser fonte de grandes sofrimentos para quem a padece. Alimentação e hidratação não constituem uma terapia médica em sentido próprio, enquanto não combatem as causas de um processo patológico em ato no corpo do paciente, mas representam um cuidado devido à pessoa do paciente, uma atenção clínica e humana primária e ineludível. A obrigatoriedade deste cuidado do doente, através de apropriada hidratação e nutrição, pode exigir em alguns casos o uso de via artificial na sua administração[62], sob condição de que ela não resulte danosa ao doente ou lhe provoque sofrimentos inaceitáveis[63].
Da continuidade da assistência faz parte o dever constante de compreensão das necessidades do doente: necessidades de assistência, alívio da dor, necessidades emocionais, afetivas e espirituais. Como demonstrado pela mais ampla experiência clínica, a medicina paliativa constitui um instrumento precioso e irrenunciável para acompanhar o paciente nas fases mais dolorosas, sofridas, crônicas e terminais da doença. Os assim chamados cuidados paliativos são a expressão mais autêntica da ação humana e cristã de cuidar, o símbolo tangível do compassivo “estar” junto a quem sofre. Eles têm como objetivo «aliviar os sofrimentos na fase final da doença e, ao mesmo tempo, assegurar ao paciente um adequado acompanhamento humano»[64] digno, melhorando-lhe – quanto possível – a qualidade de vida e o bem-estar em geral. A experiência ensina que a aplicação dos cuidados paliativos diminui drasticamente o número de pessoas que pedem a eutanásia. A tal fim, aparece útil um decidido empenho, segundo as possibilidades econômicas, para difundir tais cuidados àqueles que deles venham a ter necessidade, o que deve ser implementado não somente nas fases terminais da vida, mas como abordagem integrada de cuidado em relação a qualquer patologia crônica e/ou degenerativa que possa ter um prognóstico complexo, doloroso e infausto para o paciente e para a sua família[65].
Dos cuidados paliativos faz parte a assistência espiritual ao doente e aos seus familiares. Esta infunde confiança e esperança em Deus ao moribundo e aos familiares, ajudando-os a aceitar a sua morte. É uma contribuição essencial que diz respeito aos agentes de pastoral e à inteira comunidade cristã, a exemplo do Bom Samaritano, para que a rejeição dê lugar à aceitação e sobre a angústia prevaleça a esperança[66], sobretudo quando o sofrimento se prolonga pela degeneração patológica, ao aproximar-se do fim. Nesta fase, a determinação de uma eficaz terapia contra a dor permite ao paciente enfrentar a doença e a morte sem o medo de uma dor insuportável. Tal tratamento deverá necessariamente ser associado a um apoio fraterno, que possa vencer o sentimento de solidão do paciente, muitas vezes causado pelo não sentir-se suficientemente acompanhado e compreendido na sua difícil situação.
A técnica não dá uma resposta radical ao sofrimento e não se pode considerar que ela possa chegar a removê-lo da vida humana[67]. Similar pretensão gera uma falsa esperança, que causa um desespero ainda maior naquele que sofre. A ciência médica é capaz de conhecer sempre melhor a dor física e deve colocar em campo os melhores recursos técnicos para tratá-la; mas o horizonte vital de uma doença terminal gera um sofrimento profundo no doente, que pede uma atenção não meramente técnica. Spe salvi facti sumus: na esperança, aquela teologal, direcionada a Deus, fomos salvos, diz São Paulo (Rm 8, 24).
“O vinho da esperança” é o específico contributo da fé cristã no cuidado do doente e faz referência ao modo com que Deus vence o mal no mundo. No sofrimento, homem deve poder experimentar uma solidariedade e um amor que assumem a dor, oferecendo um sentido à vida, que se estende para além da morte. Tudo isto possui um grande relevo social: «Uma sociedade que não consegue aceitar os que sofrem e não é capaz de contribuir, mediante a com-paixão, para fazer com que o sofrimento seja compartilhado e assumido, também interiormente, é uma sociedade cruel e desumana»[68].
Todavia, deve ser precisado que a definição dos cuidados paliativos assumiu em anos recentes uma conotação que pode resultar equívoca. Em alguns países do mundo, as normativas nacionais que disciplinam os cuidados paliativos (Palliative Care Act), assim como as leis sobre o “fim-da-vida” (End-of-life Law), prevêem junto aos cuidados paliativos a assim chamada Assistência Médica à Morte (MAiD), que pode incluir a possibilidade de requerer eutanásia e suicídio assistido. Tal previsão normativa constitui um motivo de grave confusão cultural, porque faz crer que seja parte integrante dos cuidados paliativos a assistência médica à morte voluntária e que portanto seja moralmente lícito requerer a eutanásia ou o suicídio assistido.
Além disso, nestes mesmos contextos normativos, os interventos paliativos para reduzir o sofrimento dos pacientes graves ou moribundos podem consistir na administração de fármacos orientados a antecipar a morte ou na suspensão/interrupção de hidratação e alimentação, mesmo onde haja um prognóstico de semanas ou meses. Tais práticas equivalem, porém, a uma ação ou omissão voltadas a provocar a morte e são portanto ilícitas. O difundir-se progressivo dessas normativas, também através de diretrizes das sociedades científicas nacionais e internacionais, além de induzir um número crescente de pessoas vulneráveis a escolher a eutanásia ou o suicídio, constitui uma desresponsabilização social diante de tantas pessoas que teriam somente necessidade de serem melhor assistidas e confortadas.
5. O papel da família e das casas de acolhida (hospice)
No cuidado do doente terminal é central o papel da família[69]. Nela a pessoa se apóia em relações sólidas, é valorizada em si mesma e não somente por sua produtividade ou pelo prazer que pode proporcionar. No cuidado, é essencial que o doente não se sinta um peso, mas que tenha a proximidade e a consideração dos seus caros. Nesta missão, a família tem necessidade de ajuda e de meios adequados. É necessário, portanto, que os Estados reconheçam a primária e fundamental função social da família e o seu papel insubstituível, também neste âmbito, predispondo recursos e estruturas necessárias a sustentá-la. Além disso, o acompanhamento humano e espiritual da família é um dever nas estruturas sanitárias de inspiração cristã; ela jamais seja transcurada, pois constitui uma única unidade de cuidado com o doente.
Junto à família, a instituição das casas de acolhida (hospice), onde se recebem os doentes terminais para assegurar-lhes o cuidado até o momento extremo, é algo bom e de grande ajuda. De resto, «a resposta cristã ao mistério da morte e do sofrimento não é uma explicação, mas uma Presença»[70] que toma sobre si a dor, acompanha-a e a abre a uma esperança confiável. Tais estruturas se colocam como um exemplo de humanidade na sociedade, santuários de uma dor vivida com plenitude de sentido. Por isso, devem ser equipadas com pessoal especializado e meios materiais próprios de cuidado, sempre abertas às famílias: «A este respeito, penso quanto bem fazem os hospice para os cuidados paliativos, onde os doentes terminais são assistidos com apoio médico, psicológico e espiritual qualificado, para que possam viver com dignidade, confortados pela proximidade dos seus entes queridos, a fase final da sua vida terrena. Espero que estes centros continuem a ser lugares onde a “terapia da dignidade” seja praticada com esmero, alimentando assim o amor e o respeito pela vida»[71]. Nestes contextos, assim como em qualquer estrutura sanitária católica, deve haver a presença de profissionais da saúde e agentes de pastoral preparados não somente no aspecto clínico, mas que também se exercitem em uma verdadeira vida teologal de fé e esperança, orientadas a Deus, pois esta constitui a mais alta forma de humanização do morrer[72].
6. O acompanhamento e o cuidado em idade pré-natal e pediátrica
Em relação ao acompanhamento dos recém-nascidos e das crianças atingidos por doenças crônicas degenerativas incompatíveis com a vida ou nas fases terminais da vida, é preciso reafirmar quanto segue, com a consciência da necessidade de desenvolver uma estratégia operativa capaz de garantir qualidade e bem-estar à criança e à sua família.
Desde a concepção, as crianças atingidas por malformações ou patologias de qualquer gênero são pequenos pacientes que a medicina hoje é capaz de assistir e acompanhar, de modo a respeitar a vida. A vida delas é sagrada, única, irrepetível e inviolável, exatamente como aquela de cada pessoa adulta.
Em caso de patologias pré-natais assim chamadas “incompatíveis com a vida” – isto é, que seguramente levarão à morte dentro de breve lapso de tempo – e em ausência de terapias fetais ou neonatais capazes de melhorar as condições de saúde destas crianças, de nenhum modo sejam elas abandonadas no âmbito assistencial, mas sejam acompanhadas como todo outro paciente até que sobrevenha a morte natural; o comfort care perinatal favorece neste sentido um percurso assistencial integrado que, junto ao suporte dos médicos e dos agentes de pastoral, coloca a presença constante da família. A criança é um paciente especial e requer da parte dos que a acompanham uma preparação particular, seja em termos de conhecimento, seja de presença. O acompanhamento empático de uma criança em fase terminal, que está entre os mais delicados, tem a finalidade de acrescentar vida aos anos da criança e não anos à sua vida.
As casas de acolhida (hospice) perinatais, em particular, fornecem um essencial suporte às famílias que acolhem o nascimento de um filho em condições de fragilidade. Nestes contextos, o acompanhamento médico competente e o suporte de outras famílias-testemunhas, que passaram pela mesma experiência de dor e de perda, constituem um recurso essencial, juntamente ao necessário acompanhamento espiritual dessas famílias. É dever pastoral dos profissionais da saúde de inspiração cristã esforçar-se para favorecer sua máxima difusão no mundo.
Tudo isso se revela particularmente necessário em relação àquelas crianças que, ao estado atual dos conhecimentos científicos, são destinadas a morrer logo após o parto ou pouco tempo depois. Cuidar dessas crianças ajuda os pais a elaborar o luto e a entendê-lo não só como perda, mas como etapa de um caminho de amor percorrido junto com o filho.
Infelizmente, a cultura hoje dominante não promove esta abordagem: em nível social, o uso às vezes excessivo do diagnóstico pré-natal e o afirmar-se de uma cultura hostil à deficiência induzem frequentemente à escolha do aborto, chegando a configurá-lo como prática de “prevenção”. Este consiste no assassinato deliberado de uma vida humana inocente e como tal jamais é lícito. A utilização do diagnóstico pré-natal para finalidades seletivas, portanto, é contrário à dignidade da pessoa e gravemente ilícito, porque expressão de uma mentalidade eugenista. Em outros casos, depois do nascimento, a mesma cultura leva à suspensão ou ao não-início dos cuidados à criança recém-nascida, pela presença ou, até mesmo, só pela possibilidade de desenvolver no futuro uma deficiência. Também esta abordagem, de matriz utilitarista, não pode ser aprovada. Semelhante procedimento, além de ser desumano, é gravemente ilícito do ponto de vista moral.
Princípio fundamental da assistência pediátrica é que a criança na fase final da vida tem direito ao respeito e ao cuidado de sua pessoa, evitando seja a obstinação terapêutica não razoável, seja toda antecipação intencional de sua morte. Em perspectiva cristã, o cuidado pastoral de uma criança doente terminal enseja sua participação à vida divina através do Batismo e da Crisma.
Na fase terminal do decurso de uma doença incurável, mesmo quando sejam suspensas as terapias farmacológicas ou de outra natureza – direcionadas a combater a patologia de que sofre a criança, enquanto não mais apropriadas à sua deteriorada condição clínica e consideradas pelos médicos como fúteis ou excessivamente pesadas para ela, causando apenas mais sofrimento – não se pode deixar, porém, o cuidado integral da pessoa do pequeno doente, nas suas diversas dimensões: fisológica, psicológica, afetivo-relacional e espiritual. Cuidar não significa só aplicar uma terapia e curar; assim como interromper uma terapia, quando ela não ajuda mais a criança incurável, não implica suspender os cuidados eficazes para sustentar as funções fisiológicas essenciais para a vida do pequeno paciente, até quando seu organismo seja capaz de se beneficiar deles (suportes à hidratação, à nutrição, à termorregulação e outros ainda, na medida em que estes sejam requeridos para suportar a homeostase corpórea e reduzir o sofrimento do órgão e sistêmica). A abstenção de toda obstinação terapêutica na administração dos tratamentos julgados ineficazes não deve ser desistência do cuidado, mas deve manter aberto o percurso de acompanhamento à morte. Quanto ao mais, deve-se ter presente que mesmo intervenções rotineiras, como a ajuda à respiração, sejam prestadas de maneira indolor e proporcionada, personalizando o tipo de ajuda adequado de acordo com o paciente, para evitar que a justa premura pela vida contraste com uma injusta imposição de dor evitável.
Neste contexto, a avaliação e a gestão da dor física do recém-nascido e da criança é essencial para respeitá-los e acompanhá-los nas fases mais estressantes da doença. Cuidados personalizados e suaves, hoje já verificados na assistência clínica pediátrica, junto com a presença dos pais, tornam possível uma gestão integrada e mais eficaz de qualquer intervenção assistencial.
A manutenção do vínculo afetivo entre pais e filho é parte integrante do processo de cuidado. A relação de atenção e de acompanhamento pais-criança deve ser favorecida com todos os instrumentos necessários e constitui parte fundamental do cuidado, mesmo nas patologias incuráveis e nas situações em evolução terminal. Além do contato afetivo, não se deve esquecer o momento espiritual. A oração das pessoas próximas, na intenção da criança doente, tem um valor sobrenatural que sobrepassa e aprofunda o liame afetivo.
O conceito ético-jurídico do “melhor interesse do menor” – hoje utilizado para efetuar a avaliação custo-benefício dos cuidados a serem atuados – em nenhum modo pode constituir o fundamento para decidir abreviar a sua vida, em vista de evitar-lhe sofrimentos, mediante ações e omissões que, por sua natureza ou na intenção de quem as realiza, possam se configurar como eutanásicas. Como se disse, a interrupção de terapias desproporcionais não pode conduzir à suspensão daqueles cuidados básicos, necessários para acompanhar o paciente a uma morte natural digna, inclusive aqueles para aliviar a dor, nem mesmo a suspensão daquela atenção espiritual que se oferece a quem logo encontrará Deus.
7. Terapias analgésicas e supressão da consciência
Alguns cuidados especializados requerem da parte dos profissionais da saúde atenção e competências particulares para realizar a melhor prática médica do ponto de vista ético, sempre conscientes de aproximar-se às pessoas na sua concreta situação de dor.
Para atenuar as dores do doente, a terapia analgésica usa fármacos que podem causar a supressão da consciência (sedação). Um profundo sentido religioso pode permitir ao paciente viver a dor como uma oferta especial a Deus, na óptica da Redenção[73]; todavia, a Igreja afirma a liceidade da sedação como parte do cuidado que se oferece ao paciente, para que o fim da vida sobrevenha na máxima paz possível e nas melhores condições interiores. Isto se aplica também ao caso de tratamentos que aproximam o momento da morte (sedação paliativa profunda em fase terminal)[74], sempre, na medida do possível, com o consentimento informado do paciente. Do ponto de vista pastoral, faz bem cuidar da preparação espiritual do doente para que chegue conscientemente à morte, entendida como encontro com Deus[75]. O uso dos analgésicos é, pois, parte do cuidado com o paciente, mas qualquer administração que lhe cause direta e intencionalmente a morte é uma prática eutanásica e é inaceitável[76]. A sedação deve assim excluir, como seu escopo direto, a intenção de matar, mesmo se dela resultar um possível condicionamento sobre a morte, de qualquer modo inevitável[77].
Necessita-se fazer aqui uma precisação em referência aos contextos pediátricos: no caso da criança não capaz de entender, como por exemplo um recém-nascido, não se deve cometer o erro de supor que ela possa suportar a dor e aceitá-la, quando existem sistemas para aliviá-la. Por isso, é um dever médico esforçar-se para reduzir o mais possível o sofrimento da criança, para que possa chegar à morte natural em paz e podendo perceber o mais possível a presença amorosa dos médicos e, sobretudo, da família.
8. O estado vegetativo e o estado de consciência mínima
Outras situações relevantes são aquela do doente em ausência persistente de consciência, o assim chamado “estado vegetativo” e aquela do doente em estado de “consciência mínima”. É sempre totalmente desviante pensar que o estado vegetativo e o estado de consciência mínima, em sujeitos que respiram autonomamente, sejam sinal de que o doente tenha deixado de ser pessoa humana, com toda a dignidade que lhe é própria[78]. Ao contrário, nesses estados de máxima fraqueza, ele deve ser reconhecido no seu valor e assistido com cuidados adequados. O fato de que o doente possa permanecer por anos nesta dolorosa situação, sem uma esperança clara de recuperação, implica inegável sofrimento para aqueles que dele cuidam.
Pode ser útil, antes de tudo, relembrar aquilo que não se pode perder de vista numa situação assim tão dolorosa, a saber: o paciente nesses estados tem direito à alimentação e à hidratação; alimentação e hidratação por via artificial são a princípio medidas ordinárias; em alguns casos, tais medidas podem se tornar desproporcionadas ou porque a sua administração não é mais eficaz ou porque os meios para administrá-las criam um peso excessivo e provocam efeitos negativos que superam os benefícios.
Na óptica destes princípios, o empenho do profissional da saúde não pode se limitar ao paciente, mas deve estender-se à família ou a quem é o responsável pelo cuidado do paciente, para os quais é também necessário prever um oportuno acompanhamento pastoral. Por isso, precisa-se prever um suporte adequado aos familiares que carregam o peso prolongado da assistência a doentes em tais estados, assegurando-lhes aquela proximidade que os ajude a não desanimar e sobretudo a não ver como única solução a interrupção dos cuidados. Para tanto, é preciso que haja boa preparação dos agentes, como também que os familiares sejam apropriadamente apoiados.
Diante de leis que legitimam – sob qualquer forma de assistência médica – a eutanásia ou o suicídio assistido, deve-se sempre negar qualquer cooperação formal ou material imediata. Tais contextos constituem um âmbito específico para o testemunho cristão, em que «é necessário obedecer mais a Deus do que aos homens» (At 5, 29). Não existe o direito ao suicídio nem à eutanásia: o direito existe para tutelar a vida e a co-existência entre os homens, não para causar a morte. Portanto, nunca é lícito a ninguém colaborar com tais ações imorais ou deixar entender que se lhe possa ser cúmplice com palavras, atos ou omissões. O único verdadeiro direito é aquele do doente de ser acompanhado e cuidado com humanidade. Só assim se preserva a sua dignidade até o sobrevir da morte natural. «Nenhum profissional da saúde, pois, pode fazer-se tutor executivo de um direito inexistente, mesmo quando a eutanásia fosse requerida em plena consciência pelo sujeito interessado»[79].
A esse respeito, os princípios gerais acerca da cooperação ao mal, ou seja, a ações ilícitas, são assim reafirmados: «Os cristãos, como todos os homens de boa vontade, são chamados, por um grave dever de consciência, a não dar a sua colaboração formal àquelas práticas que, mesmo admitidas pela legislação civil, estão em contraste com a Lei de Deus. De fato, do ponto de vista moral, jamais é lícito cooperar formalmente ao mal. Tal cooperação se verifica quando a ação realizada, ou pela sua própria natureza ou pela configuração que ela assume em um contexto concreto, qualifica-se como participação direta a um ato contra a vida humana inocente ou como compartilhamento da intenção imoral do agente principal. Esta cooperação jamais pode ser justificada nem invocando o respeito à liberdade alheia, nem argumentando que a lei civil a prevê e a requer: pelos atos que cada um pessoalmente realiza existe, de fato, uma responsabilidade moral a que ninguém pode subtrair-se e sobre a qual será julgado por Deus mesmo (cfr. Rm 2, 6; 14, 12)»[80].
É necessário que os Estados reconheçam a objeção de consciência em campo médico e sanitário, no respeito aos princípios da lei moral natural, especialmente onde o serviço à vida interpela cotidianamente a consciência humana[81]. Onde ela não fosse reconhecida, pode-se chegar à situação de dever desobedecer à lei, para não acrescentar injustiça a injustiça, condicionando a consciência das pessoas. Os profissionais da saúde não devem hesitar a pedi-la como direito próprio e como contribuição específica ao bem comum.
Igualmente, as istituições sanitárias devem superar as fortes pressões econômicas que talvez as induzam a aceitar a prática da eutanásia. E quando a dificuldade em encontrar os meios necessários tornasse muito pesado o empenho das instituições públicas, toda a sociedade é chamada a um suplemento de responsabilidade a fim de que os doentes incuráveis não sejam abandonados a si mesmos ou apenas aos recursos de seus familiares. Tudo isto requer uma tomada de posição clara e unitária por parte das Conferências Episcopais, das Igrejas locais, assim como das comunidades e das instituições católicas para tutelar o próprio direito à objeção de consciência nos contextos legislativos que prevêem a eutanásia e o suicídio.
As instituições sanitárias católicas constituem um sinal concreto do modo com que a comunidade eclesial, a exemplo do Bom Samaritano, cuida dos enfermos. O mandato de Jesus «curai os doentes» (Lc 10, 9) encontra uma concreta atuação não só impondo-lhes as mãos, mas recolhendo-os da estrada, assistindo-os nas próprias casas e instaurando apropriadas estruturas de acolhimento e de hospitalidade. Fiel ao mandato do Senhor, a Igreja tem efetivado, no curso dos séculos, várias estruturas de acolhimento, onde o cuidado médico encontra uma específica modalidade na dimensão de serviço integral à pessoa doente.
As instituições sanitárias católicas são chamadas a ser fieis testemunhas da irrenunciável atenção ética e do respeito aos valores humanos fundamentais e àqueles cristãos, constitutivos da sua identidade, mediante a abstenção de evidentes comportamentos moralmente ilícitos, bem como a formal obediência aos ensinamentos do Magistério eclesial. Toda ação que não corresponda às finalidades e aos valores nos quais as instituições católicas se inspiram não é eticamente aceitável e, portanto, prejudica a atribuição da qualificação “católica” à mesma instituição.
Neste sentido, não é eticamente admissível uma colaboração institucional com outras estruturas hospitalares, direcionando a estas as pessoas que pedem a eutanásia. Tais escolhas não podem ser eticamente admitidas nem apoiadas na sua realização concreta, mesmo se são legalmente possíveis. Com efeito, as leis que aprovam a eutanásia «não só não criam obrigação alguma para a consciência, como, ao contrário, geram uma grave e precisa obrigação de opor-se a elas através da objeção de consciência. Desde as origens da Igreja, a pregação apostólica inculcou nos cristãos o dever de obedecer às autoridades públicas legitimamente constituídas (cfr. Rm 13, 1-7; 1Pd 2, 13-14), mas, ao mesmo tempo, advertiu firmemente que “é preciso obedecer mais a Deus do que aos homens” (At 5, 29)»[82].
O direito à objeção de consciência não deve fazer-nos esquecer que os cristãos rejeitam essas leis não em virtude de uma convicção religiosa privada, mas de um direito fundamental e inviolável de cada pessoa, essencial ao bem comum de toda a sociedade. Trata-se, de fato, de leis contrárias ao direito natural, enquanto minam os próprios fundamentos da dignidade humana e de uma convivência justa.
10. O acompanhamento pastoral e o apoio dos sacramentos
O momento da morte é um passo decisivo do homem no seu encontro com Deus Salvador. A Igreja é chamada a acompanhar espiritualmente os fieis nesta situação, oferecendo-lhes os “recursos sanantes” da oração e dos sacramentos. Ajudar o cristão a viver tal momento em um contexto de acompanhamento espiritual é um ato supremo de caridade. Dado que «nenhuma pessoa de fé deveria morrer na solidão e no abandono»[83], é necessário criar em torno ao doente uma sólida plataforma de relações humanas e humanizantes que o acompanhem e o abram à esperança.
A parábola do Bom Samaritano indica qual deve ser a relação com o próximo sofredor, quais atitudes se precisam evitar – indiferença, apatia, julgamentos, medo de sujar as mãos, fechamento nos próprios assuntos – e quais assumir – atenção, escuta, compreensão, compaixão, discrição.
O convite à imitação, «Vai e faze o mesmo» (Lc 10, 37), é uma advertência a não subestimar todo o potencial humano de presença, de disponibilidade, de acolhimento, de discernimento, de participação, que a proximidade para com quem está em situação de necessidade exige e que é essencial no cuidado integral da pessoa doente.
A qualidade do amor e do cuidado às pessoas em situações críticas e terminais da vida concorre a afastar delas o terrível e extremo desejo de dar fim à própria vida. Só um contexto de calor humano e de fraternidade evangélica, de fato, é capaz de abrir um horizonte positivo e de sustentar o doente na esperança e numa confiante entrega.
Tal acompanhamento faz parte do percurso definido pelos cuidados paliativos e deve compreender o paciente e sua família.
A família, desde sempre, tem desempenhado um papel importante no cuidado. A sua presença, o apoio, o afeto constituem para o doente um fator terapêutico essencial. Ela, recorda Papa Francisco, «foi desde sempre o “hospital” mais próximo. Ainda hoje, em tantas partes do mundo, o hospital é um privilégio para poucos e muitas vezes é distante. São a mãe, o pai, os irmãos, as irmãs, as avós que garantem os cuidados e ajudam a curar»[84].
O assumir para si o peso do outro ou o cuidar dos sofrimentos alheios é um empenho que envolve não só alguns, mas abraça a responsabilidade de todos, de toda a comunidade cristã. São Paulo afirma que quando um membro sofre, todo o corpo sofre (cfr. 1Cor 12, 26) e inteiramente se inclina sobre o membro doente para aliviá-lo. Cada um, no que lhe diz respeito, é chamado a ser “servo da consolação” frente a qualquer situação humana de desolação e de desconforto.
O acompanhamento pastoral chama em causa o exercício das virtudes humanas e cristãs da empatia (en-pathos), da compaixão (cum-passio), do responsabilizar-se pelo sofrimento e compartilhá-lo, e da consolação (cum-solacium), de entrar na solidão do outro para fazê-lo sentir-se amado, acolhido, acompanhado e apoiado.
O ministério da escuta e da consolação que o sacerdote é chamado a oferecer, fazendo-se sinal da solicitude compassiva de Cristo e da Igreja, pode e deve ter um papel decisivo. Nesta importante missão é de capital importância testemunhar e conjugar a verdade e a caridade com as quais o olhar do Bom Pastor não deixa de acompanhar todos os seus. Dado o relevo da figura do sacerdote no acompanhamento humano, pastoral e espiritual dos doentes nas fases terminais da vida, é preciso que no seu percurso de formação seja prevista uma atualizada e direcionada preparação a respeito. É igualmente importante que sejam formados para tal acompanhamento cristão também os médicos e demais profissionais da saúde, já que podem haver circunstâncias particulares que tornam muito difícil a adequada presença dos sacerdotes junto ao leito dos doentes terminais.
Ser homens e mulheres especialistas em humanidade significa favorecer, através das atitudes com que se cuida do próximo sofredor, o encontro com o Senhor da vida, o único capaz de derramar de maneira eficaz sobre as feridas humanas o óleo da consolação e o vinho da esperança.
Cada homem tem o direito natural de ser assistido nessa hora suprema segundo as expressões da religião que professa.
O momento sacramental é sempre o ápice de todo empenho pastoral de cuidado que o precede e fonte de tudo que o segue.
A Igreja chama sacramentos «de cura»[85] a Penitência e a Unção dos Enfermos, que culminam na Eucaristia como “viático” para a vida eterna[86]. Mediante a proximidade da Igreja, o doente vive a proximidade de Cristo que o acompanha no caminho para a casa do Pai (cfr. Jo 14, 6) e o ajuda a não cair no desespero[87], sustentando-o na esperança, sobretudo quando o caminho se faz mais árduo[88].
11. O discernimento pastoral para quem pede eutanásia ou suicídio assistido
Um caso todo particular em que hoje é necessário reafirmar o ensinamento da Igreja é o acompanhamento pastoral de quem pediu expressamente a eutanásia ou o suicídio assistido. A respeito do sacramento da Reconciliação, o confessor deve assegurar-se que haja a contrição, a qual é necessária para a validade da absolvição, e que consiste na «dor da alma e a reprovação do pecado cometido, acompanhada do propósito de não mais pecar no futuro»[89]. No nosso caso, encontramo-nos diante de uma pessoa que, além de suas disposições subjetivas, realizou a escolha de um ato gravemente imoral e persevera nisso livremente. Trata-se de uma manifesta não-disposição para a recepção dos sacramentos da Penitência, com a absolvição[90], e da Unção[91], assim como do Viático[92]. Poderá receber tais sacramentos no momento em que a sua disposição em dar passos concretos permita ao ministro concluir que o penitente modificou sua decisão. Isto comporta também que uma pessoa que se registrou em uma associação para receber a eutanásia ou o suicídio assitido deva mostrar o propósito de anular tal inscrição antes de receber os sacramentos. Recorde-se que a necessidade de postergar a absolvição não implica um juízo sobre a imputabilidade da culpa, dado que a responsabilidade pessoal poderia ser diminuída ou até mesmo não subsistir[93]. No caso em que o paciente fosse já privado de consciência, o sacerdote poderia administrar os sacramentos sub condicione se se pode presumir o arrependimento a partir de algum sinal dado anteriormente pela pessoa doente.
Esta posição da Igreja não é sinal de falta de acolhimento ao doente. Ela deve ser, de fato, unida à oferta da ajuda e da escuta sempre possíveis, sempre concedidas, junto com uma aprofundada explicação do conteúdo do sacramento, a fim de dar à pessoa, até o último momento, os instrumentos para poder escolhê-lo e desejá-lo. A Igreja, com efeito, é atenta a perscrutar os sinais de conversão suficientes, para que os fieis possam pedir razoavelmente a recepção dos sacramentos. Recorde-se que postergar a absolvição é também um ato medicinal da Igreja, voltado não a condenar o pecador, mas a movê-lo e a acompanhá-lo rumo à conversão.
Deste modo, também no caso em que uma pessoa não se encontre nas condições objetivas para receber os sacramentos, é necessária uma proximidade que a convide sempre à conversão, sobretudo se a eutanásia, requerida ou aceitada, não será praticada em breve tempo. Haverá então a possibilidade de um acompanhamento para fazer renascer a esperança e modificar a escolha errônea, de modo que ao doente seja aberto o acesso aos sacramentos.
Todavia, não é admissível, da parte daqueles que assistem espiritualmente estes enfermos, qualquer gesto exterior que possa ser interpretado como uma aprovação da ação eutanásica, como, por exemplo, o estar presente no momento de sua realização. Tal presença não se pode interpretar senão como cumplicidade. Este princípio se refere de modo particular, mas não só, aos capelães das estruturas sanitárias onde pode ser praticada a eutanásia, que não devem dar escândalo, mostrando-se de algum modo cúmplices da supressão de uma vida humana.
12. A reforma do sistema educativo e da formação dos profissionais da saúde
No contexto social e cultural hodierno, tão denso de desafios em relação à tutela da vida humana nas fases mais críticas da existência, o papel da educação é ineludível. A família, a escola, as outras instituições educativas e as comunidades paroquiais devem trabalhar com perseverança para o despertar e o aperfeiçoamento daquela sensibilidade para com o próximo e o seu sofrimento, de que se tornou símbolo a figura do Samaritano evangélico[94].
As capelanias hospitalares têm a obrigação de ampliar a formação espiritual e moral dos profissionais da saúde, inclusive dos médicos e enfermeiros, assim como dos grupos de voluntariado hospitalar, para que saibam fornecer a assistência humana e psicológica necessária nas fases terminais da vida. O cuidado psicológico e espiritual do paciente durante todo o decurso da doença deve ser uma prioridade para os agentes de pastoral e profissionais da saúde, premurando-se em colocar ao centro o paciente e sua família.
Os cuidados paliativos devem ser difundidos no mundo e é necessário predispor a tal fim cursos acadêmicos para a formação especializada dos profissionais da saúde. Prioritária é também a difusão de uma correta e capilar informação sobre a eficácia de autênticos cuidados paliativos para um acompanhamento digno da pessoa até a morte natural. As instituições sanitárias de inspiração cristã devem predispor diretrizes para os próprios profissionais da saúde que incluam uma apropriada assistência psicológica, moral e espiritual como componente essencial dos cuidados paliativos.
A assistência humana e espiritual precisa entrar nos percursos formativos acadêmicos de todos os profissionais da saúde e nos estágios hospitalares.
Além disso, as estruturas sanitárias e assitenciais são chamadas a oferecer modelos de assistência psicológica e espiritual para os profissionais da saúde que têm sob sua responsabilidade pacientes terminais. Cuidar de quem cuida é essencial para evitar que sobre os agentes e médicos caia todo o peso (burn out) do sofrimento e da morte dos pacientes incuráveis. Eles precisam de suporte e de momentos adequados de encontro e de escuta para poder elaborar não somente valores e emoções, mas também o sentido da angústia, do sofrimento e da morte no âmbito do seu serviço à vida. Devem poder perceber o sentido profundo de esperança e a consciência de que a própria missão é uma verdadeira vocação a sustentar e acompanhar o mistério da vida e da graça nas fases dolorosas e terminais da existência[95].
O Mistério da Redenção do homem é surpreendentemente enraizado no envolvimento amoroso de Deus com o sofrimento humano. Eis porque podemos confiar em Deus e transmitir esta certeza de fé ao homem sofredor e assustado pela dor e pela morte.
O testemunho cristão mostra como a esperança seja sempre possível, também ao interno da cultura do descarte. «A eloquência da parábola do Bom Samaritano, como também de todo o Evangelho, está sobretudo nisto: o homem deve sentir-se como que chamado em primeira pessoa a testemunhar o amor no sofrimento»[96].
A Igreja aprende do Bom Samaritano o cuidado com o doente terminal e obedece assim ao mandamento conexo ao dom da vida: «respeita, defende, ama e serve a vida, cada vida humana!»[97]. O evangelho da vida é um evangelho da compaixão e da misericórdia, direcionado ao homem concreto, fraco e pecador, para aliviá-lo, mantê-lo na vida da graça e, se possível, curá-lo de toda ferida.
Não basta, todavia, compartilhar a dor, é preciso mergulhar nos frutos do Mistério Pascal de Cristo para vencer o pecado e o mal, com a vontade de «remover a miséria alheia como se se tratasse da própria»[98]. A maior miséria consiste, porém, na falta de esperança diante da morte. Esta é a esperança anunciada pelo testemunho cristão, o qual para ser eficaz deve ser vivido na fé, envolvendo a todos, familiares, enfermeiros, médicos e a pastoral das dioceses e dos centros hospitalares católicos, chamados a viver com fidelidade o dever do acompanhamento dos doentes em todas as fases da doença, em particular nas fases críticas e terminais da vida, assim como definido no presente documento.
O Bom Samaritano, que põe no centro do seu coração o rosto do irmão em dificuldade, sabe ver a sua necessidade, oferece-lhe todo o bem de que precisa para aliviá-lo da ferida da desolação e abre no seu coração luminosas brechas de esperança.
O “querer bem” do Samaritano, que se faz próximo do homem ferido não com palavras nem com a língua, mas com ações e de verdade (cfr. 1Jo 3, 18), toma a forma do cuidado, a exemplo de Cristo, que passou fazendo o bem e curando a todos (cfr. At 10, 38).
Curados por Jesus, tornamo-nos homens e mulheres chamados a anunciar a seu poder que cura, a amar e a cuidar do próximo como Ele nos testemunhou.
Esta vocação ao amor e ao cuidado do outro[99], que traz consigo ganhos de eternidade, é tornada explícita pelo Senhor da vida na paráfrase do juízo final: recebei em herança o reino, porque eu era doente e fostes me visitar. Quando, Senhor? Todas as vezes que o fizestes a um irmão mais pequenino, a um irmão sofredor, a mim o fizestes (cfr. Mt 25, 31-46).
O Sumo Pontífice Francisco, na data de 25 de junho de 2020, aprovou esta Carta, decidida na Sessão Plenária desta Congregação em 29 de janeiro de 2020, e ordenou a sua publicação.
Dado em Roma, da sede da Congregação para a Doutrina da Fé, em 14 de julho de 2020, memória litúrgica de São Camilo de Lélis.
Luis F. Card. Ladaria, S.I.
Prefeito
+ Giacomo Morandi
Arcebispo tit. de Cerveteri
Secretário
[2] Cfr. Pontifício Conselho Para a Pastoral no Campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2016, n. 6.
[3] Cfr. Bento XVI, Carta Enc. Spe salvi (30 de novembro de 2007), n. 22: AAS 99 (2007), 1004: «Se ao progresso técnico não corresponde um progresso na formação ética do homem, no crescimento do homem interior (cf. Ef 3,16; 2Cor 4,16), então aquele não é um progresso, mas uma ameaça para o homem e para o mundo».
[4] Cfr. Francisco, Discurso à Associação Italiana contra as leucemias-linfomas e mieloma (AIL) (2 de março de 2019): L’Osservatore Romano, 3 de março de 2019, 7.
[5] Id., Exort. Ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 3: AAS 108 (2016), 312.
[6] Cfr. Conc. Ecum. Vaticano II, Const. Past. Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 10: AAS 58 (1966), 1032-1033.
[7] Cfr. João Paulo II, Carta Ap. Salvifici doloris (11 de fevereiro de 1984), n. 4: AAS 76 (1984), 203.
[8] Cfr. Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, n. 144.
[9] Francisco, Mensagem para a XLVIII Jornada Mundial das Comunicações Sociais (24 de janeiro de 2014): AAS 106 (2014), 114.
[10] João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 87: AAS 87 (1995), 500.
[11] Cfr. Id., Carta Enc. Centesimus annus (1° de maio de 1991), n. 37: AAS 83 (1991), 840.
[12] Id., Carta Enc. Veritatis splendor (6 de agosto de 1993), n. 50: AAS 85 (1993), 1173.
[13] Id., Discurso aos participantes do Congresso Internacional sobre “Os tratamentos de suporte vital e estado vegetativo. Progressos científicos e dilemas éticos” (20 de março de 2004), n. 7: AAS 96 (2004), 489.
[14] Cfr. Congregação para a Doutrina da Fé, Carta Placuit Deo (22 de fevereiro de 2018), n. 6: AAS 110 (2018), 430.
[15] Cfr. Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, n. 9.
[16] Cfr. Paulo VI, Alocução na última sessão pública do Concílio (7 de dezembro de 1965): AAS 58 (1966), 55-56.
[17] Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, n. 9.
[18] Cfr. Congregação para a Doutrina da Fé, Carta Placuit Deo (22 de fevereiro de 2018), n.12: AAS 110 (2018), 433-434.
[19] Francisco, Discurso aos participantes da Plenária da Congregação para a Doutrina da Fé (30 de janeiro de 2020): L’Osservatore Romano, 31 de janeiro de 2020, 7.
[20] Cfr. Bento XVI, Carta Enc. Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), n. 31: AAS 98 (2006), 245.
[21] Cfr. Id., Carta Enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), n. 76: AAS 101 (2009), 707.
[22] Cfr. João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 49: AAS 87 (1995), 455: «O sentido mais verdadeiro e profundo da vida: ser um dom que se consuma no dar-se».
[23] Conc. Ecum. Vaticano II, Const. Dogm. Dei Verbum (8 de novembro de 1965), n. 2: AAS 58 (1966), 818.
[24] João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 34: AAS 87 (1995), 438.
[25] Cfr. Declaração conjunta das Religiões Monoteístas Abramíticas sobre as problemáticas do fim da vida, Cidade do Vaticano, 28 de outubro de 2019: «Opomo-nos a toda forma de eutanásia – que é um ato direto, deliberado e intencional de tirar a vida – como também ao suicídio medicamente assistido – que é um direto, deliberado e intencional suporte ao suicidar-se – enquanto são atos completamente em contradição com o valor da vida humana e por isso, em consequência, são ações equivocadas do ponto de vista seja moral, seja religioso e deveriam ser proibidas sem exceções».
[26] Cfr. Francisco, Discurso ao Congresso da Associação dos Médicos Católicos Italianos no 70° aniversário de fundação (15 de novembro de 2014): AAS 106 (2014), 976.
[27] Cfr. Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, n. 1; Congregação para a Doutrina da Fé, Instr. Dignitas personae (8 de setembro de 2008), n. 8: AAS 100 (2008), 863.
[28] Francisco, Carta Enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), n. 65: AAS 107 (2015), 873.
[29] Conc. Ecum. Vaticano II, Const. Past. Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 27: AAS 58 (1966), 1047-1048.
[30] Francisco, Discurso ao Congresso da Associação dos Médicos Católicos Italianos no 70° aniversário de fundação (15 de novembro de 2014): AAS 106 (2014), 976.
[31] Cfr. Id., Discurso à Federação Nacional da Ordem dos Médicos Cirurgiões e dos Dentistas (20 de setembro de 2019): L’Osservatore Romano, 21 de setembro de 2019, 8: «São modos apressados de lidar com escolhas que não são, como poderiam parecer, uma expressão de liberdade da pessoa, quando incluem o descarte do paciente como possibilidade, ou falsa compaixão diante do pedido de ser ajudado a antecipar a morte».
[32] Congregação para a Doutrina da Fé, Carta Placuit Deo (22 de fevereiro de 2018), n. 3: AAS 110 (2018), 428-429; cfr. Francisco, Carta Enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), n. 162: AAS 107 (2015), 912.
[33] Cfr. Bento XVI, Carta Enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), n. 53: AAS 101 (2009), 688: «Uma das pobrezas mais profundas que o homem pode experimentar é a solidão. Vistas bem as coisas, as outras pobrezas, incluindo a material, também nascem do isolamento, de não ser amado ou da dificuldade de amar».
[34] Cfr. Francisco, Exort. Ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), n. 53: AAS 105 (2013), 1042; veja-se também: Id., Discurso à delegação do Instituto “Dignitatis Humanae” (7 de dezembro de 2013): AAS 106 (2014), 14-15; Id., Encontro com os anciãos (28 de setembro de 2014): AAS 106 (2014), 759-760.
[35] Cfr. João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 12: AAS 87 (1995), 414.
[36] Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Iura et bona (5 de maio de 1980), II: AAS 72 (1980), 546.
[37] João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 65: AAS 87 (1995), 475; cfr. Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Iura et bona (5 de maio de 1980), II: AAS 72 (1980), 546.
[38] João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 65: AAS 87 (1995), 477. É uma doutrina proposta de modo definitivo, na qual a Igreja empenha a sua infalibilidade: cfr. Congregação para a Doutrina da Fé, Nota doutrinal ilustrativa da fórmula conclusiva da Professio fidei (29 de junho de 1998), n. 11: AAS 90 (1998), 550.
[39] Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Iura et bona (5 de maio de 1980), II: AAS 72 (1980), 546.
[40] Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 2286.
[41] Cfr. Ibidem, nn. 1735 e 2282.
[42] Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Iura et bona (5 de maio de 1980), II: AAS 72 (1980), 546.
[43] Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, n.169.
[44] Cfr. Ibidem, n.170.
[45] Cfr. João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 72: AAS 87 (1995), 484-485.
[46] Francisco, Discurso aos participantes da Assembleia Plenária da Congregação para a Doutrina da Fé (30 de janeiro de 2020): L’Osservatore Romano, 31 de janeiro de 2020, 7.
[47] João Paulo II, Carta Enc. Veritatis splendor (6 de agosto de 1993), n. 15: AAS 85 (1993), 1145.
[48] Cfr. Bento XVI, Carta Enc. Spe salvi (30 de novembro de 2007), nn. 36-37: AAS 99 (2007), 1014-1016.
[49] Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Iura et bona (5 de maio de 1980), II: AAS 72 (1980), 546.
[50] João Paulo II, Carta Ap. Salvifici doloris (11 de fevereiro de 1984), n. 5: AAS 76 (1984), 204.
[51] Cfr. Bento XVI, Carta Enc. Spe salvi (30 de novembro de 2007), n. 38: AAS 99 (2007), 1016.
[52] Cfr. João Paulo II, Carta Ap. Salvifici doloris (11 de fevereiro de 1984), n. 29: AAS 76 (1984), 244: «O homem que é o “próximo” não pode passar com indiferença diante do sofrimento de outrem; e isso, por motivo da solidariedade humana fundamental e em nome do amor ao próximo. Deve “parar”, “deixar-se comover”, como fez o Samaritano da parábola evangélica. Esta parábola, em si mesma, exprime uma verdade profundamente cristã e, ao mesmo tempo, universalmente, muitíssimo humana».
[53] Cfr. Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Iura et bona (5 de maio de 1980), IV: AAS 72 (1980), 549-551.
[54] Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 2278; Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Carta dos Profissionais da Saúde, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 1995, n. 119; João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 65: AAS 87 (1995), 475; Francisco, Mensagem aos participantes do meeting regional europeu da World Medical Association (7 de novembro de 2017): «E se sabemos que nem sempre podemos garantir a cura da doença, devemos e podemos sempre cuidar da pessoa viva: sem abreviar nós mesmos a sua vida, mas também sem nos obstinarmos inutilmente contra a sua morte»; Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, n. 149.
[55] Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 2278; Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Iura et bona (5 de maio de 1980), IV: AAS 72 (1980), 550-551; João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 65: AAS 87 (1995), 475; Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, n. 150.
[56] João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 65: AAS 87 (1995), 476.
[57] Cfr. Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, n. 150.
[58] Cfr. João Paulo II, Discurso aos participantes de um encontro de estudo sobre a procriação responsável (5 de junho de 1987), n. 1: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, X/2 (1987), 1962: «Falar de “conflito de valores ou bens” e da consequente necessidade de realizar como que uma espécie de “balanceamento” dos mesmos, escolhendo um e rejeitando o outro, não é moralmente correto».
[59] Cfr. Id., Discurso à Associação dos Médicos Católicos Italianos (28 de dezembro de 1978): Insegnamenti di Giovanni Paolo II, I (1978), 438.
[60] Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, n. 150.
[61] Cfr. Congregação para a Doutrina da Fé, Respostas a perguntas da Conferência Episcopal dos Estados Unidos sobre a alimentação e a hidratação artificiais (1 de agosto de 2007): AAS 99 (2007), 820.
[62] Ibidem.
[63] Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, n. 152: «A nutrição e a hidratação, também administradas artificialmente, fazem parte dos cuidados básicos devidos ao moribundo, quando não resultem demasiadamente pesados ou sem nenhum benefício. A sua suspensão não justificada pode ter o significado de um verdadeiro ato eutanásico: “A administração de alimento e água, mesmo por vias artificiais, é em linha de princípio um meio ordinário e proporcionado de conservação da vida. Ela é pois obrigatória, na medida em que e até quando demonstra alcançar a sua finalidade própria, que consiste em promover a hidratação e a nutrição do paciente. Desse modo se evitam os sofrimentos e a morte devidos à inanição e à desidratação”».
[64] Francisco, Discurso à Plenária da Pontifícia Academia para a Vida (5 de março de 2015): AAS 107 (2015), 274, com referência a: João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 65: AAS 87 (1995), 476. Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 2279.
[65] Cfr. Francisco, Discurso à Plenária da Pontifícia Academia para a Vida (5 de março de 2015): AAS 107 (2015), 275.
[66] Cfr. Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, n. 147.
[67] Cfr. João Paulo II, Carta Ap. Salvifici doloris (11 de fevereiro de 1984), n. 2: AAS 76 (1984), 202: «O sofrimento parece pertencer à transcendência do homem: este é um daqueles pontos nos quais o homem é de certo modo “destinado” a superar a si mesmo, sendo chamado a isto de modo misterioso».
[68] Bento XVI, Carta Enc. Spe salvi (30 de novembro de 2007), n. 38: AAS 99 (2007), 1016.
[69] Francisco, Exort. Ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 48: AAS 108 (2016), 330.
[70] C. Saunders, Watch with me. Inspiration for a life in hospice care. Observatory House, Lancaster, UK, 2005, p. 29.
[71] Francisco, Discurso aos participantes da Assembleia Plenária da Congregação para a Doutrina da Fé (30 de janeiro de 2020): L’Osservatore Romano, 31 de janeiro de 2020, 7.
[72] Cfr. Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, n. 148.
[73] Cfr. Pio XII, Allocutio. Trois questions religieuses et morales concernant l’analgésie (24 de fevereiro de 1957): AAS 49 (1957), 134-136; Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Iura et bona (5 de maio de 1980), III: AAS 72 (1980), 547; João Paulo II, Carta Ap. Salvifici doloris (11 de fevereiro de 1984), n. 19: AAS 76 (1984), 226.
[74] Cfr. Pio XII, Allocutio. Iis qui interfuerunt Conventui internationali Romae habito a «Collegio Internationale Neuro-Psycho-Pharmacologico» indicto (9 de setembro de 1958): AAS 50 (1958), 694; Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Iura et bona (5 de maio de 1980), III: AAS 72 (1980), 548; Catecismo da Igreja Católica, n. 2779; Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, n. 155: «Dá-se ainda a eventualidade de causar com os analgésicos e os narcóticos a supressão da consciência no moribundo. Tal emprego merece uma particular consideração. Em presença de dores insuportáveis, refratárias às terapias analgésicas usuais, em proximidade do momento da morte, ou na fundada previsão de uma particular crise no momento da morte, uma séria indicação clínica pode comportar, com o consentimento do doente, a administração de fármacos supressivos da consciência. Esta sedação paliativa profunda em fase terminal, clinicamente motivada, pode ser moralmente aceitável sob a condição de que seja feita com o consentimento do doente, que seja dada uma oportuna informação aos familiares, que seja excluída toda intencionalidade eutanásica e que o doente tenha podido satisfazer seus deveres morais, familiares e religiosos: “aproximando-se à morte, os homens devem ser capazes de poder satisfazer suas obrigações morais e familiares e sobretudo devem poder se preparar com plena consciência ao encontro definitivo com Deus”. Portanto, “não se deve privar o moribundo da consciência de si sem grave motivo”».
[75] Cfr. Pio XII, Allocutio. Trois questions religieuses et morales concernant l’analgésie (24 de fevereiro de 1957): AAS 49 (1957), 145; Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Iura et bona (5 de maio de 1980), III: AAS 72 (1980), 548; João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 65: AAS 87 (1995), 476.
[76] Cfr. Francisco, Discurso ao Congresso da Associação dos Médicos Católicos Italianos no 70° aniversário de fundação (15 de novembro de 2014): AAS 106 (2014), 978.
[77] Cfr. Pio XII, Allocutio. Trois questions religieuses et morales concernant l’analgésie (24 de fevereiro de 1957): AAS 49 (1957), 146; Id., Allocutio. Iis qui interfuerunt Conventui internationali Romae habito a «Collegio Internationale Neuro-Psycho-Pharmacologico» indicto (9 de setembro de 1958): AAS 50 (1958), 695; Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Iura et bona (5 de maio de 1980), III: AAS 72 (1980), 548; Catecismo da Igreja Católica, n. 2279; João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 65: AAS 87 (1995), 476; Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, n. 154.
[78] Cfr. João Paulo II, Discurso aos participantes do Congresso Internacional sobre “Os tratamentos de suporte vital e estado vegetativo. Progressos científicos e dilemas éticos” (20 de março de 2004), n. 3: AAS 96 (2004), 487: «Um homem, mesmo se gravemente doente ou impedido no exercício das suas funções mais elevadas, é e será sempre um homem, jamais se tornará um “vegetal” ou um “animal”».
[79] Pontifício Conselho para a Pastoral no campo da Saúde, Nova carta dos Profissionais da Saúde, n. 151.
[80] Ibidem, n. 151; cfr. João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 74: AAS 87 (1995), 487.
[81] Cfr. Francisco, Discurso ao Congresso da Associação dos Médicos Católicos Italianos no 70° aniversário de fundação (15 de novembro de 2014): AAS 106 (2014), 977.
[82] João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 73: AAS 87 (1995), 486.
[83] Bento XVI, Discurso ao Congresso da Pontifícia Academia para a Vida sobre o tema “Junto ao doente incurável e ao moribundo: orientações éticas e operativas” (25 de fevereiro de 2008): AAS 100 (2008), 171.
[84] Francisco, Audiência Geral (10 de junho de 2015): L’Osservatore Romano, 11 de junho de 2015, 8.
[85] Catecismo da Igreja Católica, n. 1420.
[86] Cfr. Rituale Romanum ex decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani II instauratum auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, Ordo unctionis infirmorum eorumque pastoralis curae, Editio typica, Praenotanda, Typis Poliglotis Vaticanis, Civitate Vaticana, 1972, n. 26; Catecismo da Igreja Católica, n. 1524.
[87] Cfr. Francisco, Carta Enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), n. 235: AAS 107 (2015), 939.
[88] Cfr. João Paulo II, Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 67: AAS 87 (1995), 478-479.
[89] Concílio de Trento, Sess. XIV, De sacramento penitentiae, cap. 4. In: Denzinger-Hünermann, 1676.
[90] Cfr. CIC, can. 987.
[91] Cfr. CIC, can. 1007: «Não se administre a Unção dos Enfermos aos que perseverarem obstinadamente em pecado grave manifesto».
[92] Cfr. CIC, can. 915 e can. 843 §1.
[93] Cfr. Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Iura et bona, (5 de maio de 1980), II: AAS 72 (1980), 546.
[94] Cfr. João Paulo II, Carta Ap. Salvifici doloris (11 de fevereiro de 1984), n. 29: AAS 76 (1984), 244-246.
[95] Cfr. Francisco, Discurso aos dirigentes das Ordens dos Médicos da Espanha e da América Latina (9 de junho de 2016): AAS 108 (2016), 727-728: «A fragilidade, a dor e a doença são uma provação difícil para todos, até para o pessoal médico, são um apelo à paciência, ao padecer-com; portanto não se pode ceder à tentação funcional de aplicar soluções rápidas e drásticas, movidos por uma falsa compaixão, nem por meros critérios de eficiência e de economia. É a dignidade da vida humana que está em jogo; e também a dignidade da vocação médica».
[96] João Paulo II, Carta Ap. Salvifici doloris (11 de fevereiro de 1984), n. 29: AAS 76 (1984), 246.
[97] Id., Carta Enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), n. 5: AAS 87 (1995), 407.
[98] Tomás de Aquino, Summa Theologiae, I, q. 21, a. 3.
[99] Cfr. Bento XVI, Carta Enc. Spe salvi (30 de novembro de 2007), n. 39: AAS 99 (2007), 1016: «Sofrer com o outro, pelos outros; sofrer por amor da verdade e da justiça; sofrer por causa do amor e para se tornar uma pessoa que ama verdadeiramente: estes são elementos fundamentais de humanidade, o seu abandono destruiria o próprio homem».