Avô Amadeu,
A tua imagem que mais me marcou foi a tua oração diária, contigo sentado entre lençóis e as mãos postas. Já viste certamente Aquele com quem dialogavas sempre antes de dormir. Tudo tem uma explicação, um fundamento e um objectivo. A vida não te sorriu, mas eu dou graças pelo que aprendi contigo, e porque sem ti, eu não existiria. A vida não é fácil para todos. Aliás, não é fácil para a esmagadora maioria das pessoas deste planeta. E é muito difícil para mais de metade da população.
Partiste antes de me ensinares a podar as oliveiras. Que grande pena com que eu fiquei! Também não me ensinaste a cuidar das videiras. E eu queria tanto. A vida prega-nos tantas partidas! E eu, miúdo, também te preguei algumas, de que não preciso pedir perdão porque onde estás, aí no Paraíso, já perdoaste tudo a todos. A todos, porque muitos te trataram mal. Coisas com alguns 100 anos: não vale a pena pensar nelas.
Ensinaste-me que nunca se nega a salvação a ninguém. Noutra ocasião disseste-me que não falavas com certa pessoa. Antes de continuar tenho que explicar o que era dar a salvação lá na tua terra, aquela aldeia na Serra do Açor. O cumprimento para quem se via, em cada dia, não era como hoje, “bom dia”, mas “Deus te salve”. Uma teologia profunda, naquele lugarejo há tanto tempo, merecedora de um estudo actual. Ora, tu explicaste-me que quando passavas pelo tal fulano, não se falavam porque tinham questões antigas, mas tu sussurravas “Deus te salve”, isto é, não lhe falavas, porque não podias, porque tinham questões antigas, mas rezavas por ele.
Um dia destes, quando aprouver a Deus, encontrar-nos-emos. Não sei como, porque nenhum de nós, ainda a peregrinar neste mundo, sabe como é a eternidade, acreditando ou não.
Hoje lido com os meus netos, no correr das horas sem pensar directamente em ti, mas tendo por fundo a relação entre avô e neto, tu e eu, e eu, avô, com os meus netos. É a continuidade da vida rumo à eternidade.
Cuida de todos nós, avozinho, a tua descendência, intercedendo junto de Deus. Para que sejamos pessoas transbordando amor e justas.
Até um dia, avô Amadeu.
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