quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Os filhos de pai incógnito

A co-adopção e os filhos de pai incógnito


In Jornal Público, 29 de Janeiro de 2014


1 – Recordo bem a chaga social e o sofrimento que foi para tantos cidadãos, em geral de meios mais desfavorecidos, o estigma do “filho de pai incógnito”. O “Antigo Regime” protegia esta figura jurídica para evitar que os “senhores” manchassem a sua reputação ao “dar o nome” à criança nascida da empregada, de quem tinham “abusado”.
2 – Logo na Constituição da República Portuguesa aprovada em 1976 os deputados constituintes tiveram a preocupação de acabar com tal forma de discriminação social (art. 36.º, n.º4). E na sequente reforma do Código Civil de 1977 foi alterado o art. 1860.º, que restringia, e agora passou a impor, a “averiguação oficiosa da paternidade”. A Revolução de 1974 e consequente alteração de paradigma social teve também como mérito que o Estado se empenha directamente no direito à identificação dos progenitores de cada indivíduo. Tal direito deixou de ser apenas para alguns, e passou a ser também para os menos afortunados. Acabaram (quase) os filhos de pai incógnito. Os testes de DNA também vieram dar uma grande ajuda.
3 – Quando após a Revolução dos Cravos se pôs fim aos filhos de pai incógnito, a grande preocupação era com o filho, ou seja, a criança que tem direito à sua identidade genética e biológica. E na satisfação desse direito deve empenhar-se o Estado, a sociedade e os tribunais. É de tal forma importante este direito que o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 23/2006) declarou a inconstitucionalidade do art. 1817.º n.º 1 do Código Civil que estabelecia o prazo de dois anos após a maioridade, para intentar a acção para investigação da paternidade. Porque o direito a conhecer a sua identidade genética hereditária é um direito fundamental.
Por exemplo, o Código Civil Italiano diz que a todo o tempo pode ser intentada tal acção (art. 270.º). No Código Civil Brasileiro (art. 1606.º), a acção pode ser intentada durante toda a vida do filho. Também o Código Civil Espanhol (art. 133.º) e o Alemão reconhecem que durante toda a vida do filho pode ser averiguada a filiação.
O direito à integridade pessoal, o direito à identidade pessoal (art. 25.º e 26.º do CRP) são direitos fundamentais que implicam também o Direito Fundamental ao conhecimento e ao reconhecimento da paternidade, pois este representa uma referência essencial da pessoa, quer a nível biológico, quer a nível social.
Esta tem sido a posição defendida quer pelo nosso Supremo Tribunal de Justiça, quer pelo Tribunal Constitucional.
4 – Porém, nos últimos anos (poucos) voltámos a ter “filhos de pai incógnito”. Agora não pelo medo e imposição do pai, mas pelo “querer da mãe”. A mãe decide que quer ter um filhosó seu, cujo pai fique incógnito (dador anónimo) e faz inseminação artificial a partir do banco de esperma para poder gerar a criança que é “só sua”.
5 – Tal prática é proibida (art. 6.º, 19.º, 20.º) e até punida (art. 35.º) em Portugal (Lei da Procriação Medicamente Assistida) (Lei n.º 32/2006) aprovada no primeiro Governo Sócrates. Porém, apesar de tal proibição, vemos agora argumentar que a co-adopção por pares homossexuais é uma necessidade porque aquelas “crianças que só têm mãe” precisam de outra mãe. Ou as crianças que, entregues a um homem no âmbito de adopção singular, precisam agora de um outro pai (burla à lei – que proíbe a adopção por pares homossexuais – aprovada em 2010 por uma maioria de esquerda).
Assim sendo, a co-adopção vem reconhecer e legalizar práticas que estão proibidas por lei…
6 – Nenhum ser humano nasce só de um pai ou só de uma mãe. O ser humano nasce numa família, avós, tios, primos.
Quando se opina no sentido de que, caso falte a mãe à criança esta fica sem amparo, o que se está a dizer é que aquela criança não tem família biológica do lado do pai nem do lado da mãe. Apaga-se a história familiar da criança.
– Contudo, com a co-adopção iria “legalizar-se” os filhos deliberadamente “criados” sem pai, ou sem mãe.
No Estado Novo apagava-se o pai por uma falsa “moral”. E agora por que se apaga o pai? Há alguma moral que o justifique?
Querem fazer o favor de nos dizer a quem se destina esta lei da co-adopção?
Advogada1 – Recordo bem a chaga social e o sofrimento que foi para tantos cidadãos, em geral de meios mais desfavorecidos, o estigma do “filho de pai incógnito”. O “Antigo Regime” protegia esta figura jurídica para evitar que os “senhores” manchassem a sua reputação ao “dar o nome” à criança nascida da empregada, de quem tinham “abusado”.
2 – Logo na Constituição da República Portuguesa aprovada em 1976 os deputados constituintes tiveram a preocupação de acabar com tal forma de discriminação social (art. 36.º, n.º4). E na sequente reforma do Código Civil de 1977 foi alterado o art. 1860.º, que restringia, e agora passou a impor, a “averiguação oficiosa da paternidade”. A Revolução de 1974 e consequente alteração de paradigma social teve também como mérito que o Estado se empenha directamente no direito à identificação dos progenitores de cada indivíduo. Tal direito deixou de ser apenas para alguns, e passou a ser também para os menos afortunados. Acabaram (quase) os filhos de pai incógnito. Os testes de DNA também vieram dar uma grande ajuda.
3 – Quando após a Revolução dos Cravos se pôs fim aos filhos de pai incógnito, a grande preocupação era com o filho, ou seja, a criança que tem direito à sua identidade genética e biológica. E na satisfação desse direito deve empenhar-se o Estado, a sociedade e os tribunais. É de tal forma importante este direito que o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 23/2006) declarou a inconstitucionalidade do art. 1817.º n.º 1 do Código Civil que estabelecia o prazo de dois anos após a maioridade, para intentar a acção para investigação da paternidade. Porque o direito a conhecer a sua identidade genética hereditária é um direito fundamental.
Por exemplo, o Código Civil Italiano diz que a todo o tempo pode ser intentada tal acção (art. 270.º). No Código Civil Brasileiro (art. 1606.º), a acção pode ser intentada durante toda a vida do filho. Também o Código Civil Espanhol (art. 133.º) e o Alemão reconhecem que durante toda a vida do filho pode ser averiguada a filiação.
O direito à integridade pessoal, o direito à identidade pessoal (art. 25.º e 26.º do CRP) são direitos fundamentais que implicam também o Direito Fundamental ao conhecimento e ao reconhecimento da paternidade, pois este representa uma referência essencial da pessoa, quer a nível biológico, quer a nível social.
Esta tem sido a posição defendida quer pelo nosso Supremo Tribunal de Justiça, quer pelo Tribunal Constitucional.
4 – Porém, nos últimos anos (poucos) voltámos a ter “filhos de pai incógnito”. Agora não pelo medo e imposição do pai, mas pelo “querer da mãe”. A mãe decide que quer ter um filhosó seu, cujo pai fique incógnito (dador anónimo) e faz inseminação artificial a partir do banco de esperma para poder gerar a criança que é “só sua”.
5 – Tal prática é proibida (art. 6.º, 19.º, 20.º) e até punida (art. 35.º) em Portugal (Lei da Procriação Medicamente Assistida) (Lei n.º 32/2006) aprovada no primeiro Governo Sócrates. Porém, apesar de tal proibição, vemos agora argumentar que a co-adopção por pares homossexuais é uma necessidade porque aquelas “crianças que só têm mãe” precisam de outra mãe. Ou as crianças que, entregues a um homem no âmbito de adopção singular, precisam agora de um outro pai (burla à lei – que proíbe a adopção por pares homossexuais – aprovada em 2010 por uma maioria de esquerda).
Assim sendo, a co-adopção vem reconhecer e legalizar práticas que estão proibidas por lei…
6 – Nenhum ser humano nasce só de um pai ou só de uma mãe. O ser humano nasce numa família, avós, tios, primos.
Quando se opina no sentido de que, caso falte a mãe à criança esta fica sem amparo, o que se está a dizer é que aquela criança não tem família biológica do lado do pai nem do lado da mãe. Apaga-se a história familiar da criança.
– Contudo, com a co-adopção iria “legalizar-se” os filhos deliberadamente “criados” sem pai, ou sem mãe.
No Estado Novo apagava-se o pai por uma falsa “moral”. E agora por que se apaga o pai? Há alguma moral que o justifique?
Querem fazer o favor de nos dizer a quem se destina esta lei da co-adopção?
Isilda Pegado
Advogada

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Filhos de casais homossexuais? Que é isso?


Resposta: São como os filhos dos casais estéreis.

Comentário:
Não, não são. 
Confiarei a guarda de filhos seus a um casal estéril? E a um par de maricas? Os primeiros não podem, não podem gerar, mas são um casal. Os outros não podem gerar porque não são um casal. 

Se eu quero criar galinhas ou coelhos, compro um casal e as coisas correrão naturalmente. Não me passa pela cabeça comprar dois galos ou duas galinhas e adoptar pintainhos ou coelhinhos para alegrar o par de bichos do mesmo sexo. 

Orlando de Carvalho




sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A instituição Igreja, a hierarquia, a questão do aborto e o modo como os leigos são olhados

Em 1998, na sequência do referendo sobre o aborto, enviei esta carta ao senhor Patriarca de Lisboa.

Reverendíssimo Senhor
D. José Policarpo
Patriarca de Lisboa
Campo Mártires da Pátria
1150 Lisboa

P.L. 98.10.13
Sou catequista em São Domingos de Benfica.
Estive de algum modo envolvido na fase final da discussão/campanha para o referendo à liberalização do aborto.
Dentro do centro paroquial, num debate esclarecimento promovido pelos jovens e aberto à comunidade.
Na rua, coordenando uma equipa de adolescentes e jovens, fazendo campanha dentro da cidade de Loures. Estes adolescentes e jovens, uns foram convidados, outros apareceram-me; uns trabalham nas paróquias de Loures ou de São Domingos de Benfica outros, nada disso.
É a propósito desta experiência que me dirijo a Vossa Reverência.
Numa fase inicial, os jovens sentiram alguma frustração. A indiferença generalizada de quase todas as pessoas; numa feira, dentro da população cigana, que se mostrava favorável ao NÃO, os homens apressavam-se a tirar a propaganda das mãos das mulheres, porque elas não teriam direito a votar; para cúmulo, colegas de escola e amigos pensavam que a campanha era pelo sim, uma vez que as pessoas envolvidas eram jovens normais, bons alunos, enfim, “malta fixe”, que deveria estar a fazer campanha pelo outro lado, porque um azar acontece a qualquer uma. Diversos jovens que eram a favor do NÃO e que estava previsto participarem, tinham, desistido no próprio dia, sem explicação ou com explicações estranhas.
Eu próprio, perguntava-me o que estava ali a fazer, pois mesmo a parte didáctica, em relação aos que comigo colaboravam, a participação nos mecanismos democráticos da sociedade, pela defesa dos princípios em si, estava bastante prejudicada pelos acontecimentos.
Numa fase posterior, tudo, ou quase tudo se modificou.  Jovens e adultos tiveram frases de incitamento à nossa acção e apareceram pessoas a pedir material de propaganda.
A parte mais compensadora, contudo foi a do diálogo que foi possível estabelecer com as pessoas que passavam. Estas, começaram a perguntar, porque não tinham a mínima ideia do que se discutia em concreto. Muitas pessoas verdadeiramente indecisas, poderão ter sido influenciadas pelo diálogo que foi estabelecido. Pessoas favoráveis ao aborto, mostraram respeito pela posição dos jovens em campanha. Fiquei feliz, por aqueles a quem levantámos um problema que se lhes não punha e por aqueles que eventualmente tenham passado a optar pela vida. Essencialmente fiquei muito contente pelos jovens que estiveram comigo, tanto pela capacidade que mostraram no diálogo estabelecido, como pela satisfação que tiveram em “convencer as pessoas”.

A razão desta carta, senhor Patriarca, é uma reflexão sobre o que esteve para trás e o que virá a passar-se. Afirmei, antes do referendo, que se ganhasse o SIM, dentro de algum tempo estaria a ser proposta uma liberalização ainda mais ampla para o aborto, que se ganhasse o NÃO, dentro do mesmo algum tempo, estaria a ser proposto o mesmo, com outra redacção, e sê-lo-ia, indefinidamente, até eles conseguirem os seus objectivos. Mantenho plenamente o meu pensamento de então.
Quero com esta carta disponibilizar-me para participar, a qualquer nível nas acções que penso que nós, Igreja, vamos desenvolver inevitavelmente. Talvez internamente, repensar a mensagem a transmitir nas aulas de Moral e Religião e nos encontros de Catequese a propósito da vida e pôr os diversos grupos de cristãos a reflectir sobre essa mesma vida. Externamente, vimos, por exemplo, a publicidade promíscua e mesmo ordinária, que a propósito da Sida é desenvolvida e, como quem cala consente, parece que todos concordamos, uma vez que nem a Igreja como entidade, nem muitos de nós como cidadão, têm tomado posição inequívoca.

Mais uma vez transmito a minha disponibilidade para trabalhar, tanto a coordenar, como a executar seja o que for. A minha posição, como tentei evidenciar, não é de crítica, mas de incentivo ao desenvolvimento de actividades.

Subscrevo-me, saudando Vossa Reverência no Senhor que dá a Vida, rogando-Lhe que o abençoe e ilumine.

Atentamente,

Orlando de Carvalho

Recebi a simpática resposta, que reproduzo porque não me foi pedida confidencialidade e porque é um assunto da maior importância para a Igreja. O Evangelho ensina que a verdade não se esconde.


Passados mais de quinze anos, tudo se passou como, em devido tempo, expliquei ao senhor Patriarca que ia acontecer.
Passados mais de quinze anos, a minha colaboração não foi necessária. Como não foi a de muitos outros, que parece ter sido preferível afastar do caminho. Entendo, as circunstâncias ainda não devem ter sugerido a necessidade de o Patriarcado fazer alguma coisa.

Orlando de Carvalho

sábado, 11 de janeiro de 2014

Quem são os pobres em espírito?

Quem são os pobres em espírito?
E porque são eles bem-aventurados?
Há sempre o cuidado, acerca desta expressão, de não confundir a pobreza de espírito com ignorância ou menos inteligência. Nunca li ou escutei qualquer reflexão a partir desta expressão que não o afirme indiscutivelmente.
Também farei. Numa parte do desenvolvimento do problema.
Coloquemos a questão do modo mais doloroso. Podemos invocar a novidade que Gil Vicente oferece ao indicar quem são os contemplados com a viagem na barca para o Paraíso. Quem pensar que uma pessoa mais lenta a raciocinar que a maioria das outras pessoas é mais infeliz que essas outras estará provavelmente redondamente enganado. Será mais infeliz uma pessoa com uma vida pacata, sem grandes ambições, com pouco dinheiro, que outra pessoa com uma vida em bulício, em constante agitação, sempre a facturar, com todas as comodidades mundanas que o dinheiro e a tecnologia podem proporcionar? Esta questão é dolorosa precisamente porque todos queremos ser bem-aventurados pela nossa pobreza de espírito, e aproveitar esta bênção que Jesus oferece, mas nenhum de nós quer prescindir da sua superioridade em relação aos outros no que respeita à inteligência, à astúcia, à esperteza. Isto reporta-nos à árvore da ciência do bem e do mal. Aos humanos estava interdito o fruto que lhes abriria os olhos tornando-os idênticos a Deus. Mas ninguém quer ser inferior a Deus em conhecimentos. Por isso rejeitamos algo que nos possa fazer parecer estúpidos, ignorantes, quase deficientes mentais, como se fôssemos capazes de nos compararmos a Deus. Nós somos mesmo inconfundivelmente inferiores a Deus no que a conhecimento e sabedoria concerne. Não podemos ter o espírito aguçado e refinado de Deus, ou seríamos Deus. Somos de espírito pobre, ao lado do infinito espírito de Deus. E quem não tiver a humildade de o admitir, incorre no erro da segunda interpretação da pobreza de espírito. Humildemente, reconheçamos a nossa pobreza de espírito, a nossa ignorância, a nossa incapacidade de discernimento, a dificuldade em distinguir o bem do mal e em optar pelo bem, quando o identificamos.
A outra pobreza de espírito é a da não aceitação da situação peculiar de cada pessoa. Se eu sou rico, em dinheiro, devo fazer um bom uso desse dinheiro. Não evidenciar a minha riqueza, mas usá-la discretamente de modo solidário e fraterno. Posso ser rico, mas agir como um pobre, com humildade e em prol dos necessitados. Posso ser rico e viver e morrer como um pobre, um pobre em espírito, se reservo para esbanjamento pessoal ou futilidades o que possuo, como se nada mais importante existisse que eu. Se ao discursar eu amesquinho o que tem menos dotes oratórios, ou menos inteligência, ou menos estudos que lhe permitam exprimir-se, eu ponho em evidência a minha superioridade, o meu superior espírito, a minha riqueza de espírito sobre o meu irmão que me escuta.
A pobreza de espírito pode ser uma menor dotação inata ou adquirida relacionada com as capacidades intelectuais. Pode ser também o modo como uso os meus dons ou dotes, humildemente e ao serviço dos outros ou escalando a vida à custa dos outros, sempre acima das minhas reais possibilidades.


Bem-aventurados os que não têm capacidades para gerar riqueza que os faça perderem-se. Bem-aventurados os que aceitam as suas limitações e utilizam os seus dons em prole do Bem o do próximo.

Orlando de Carvalho