Ao ser tornada publica a próxima canonização de Madre Teresa de Calcutá, em Setembro de 2016, no decorrer do Jubileu da Misericórdia, recordamos o capítulo a ela dedicado na obra ‘Os Santos de João Paulo II’.
Madre Teresa de Calcutá fez-se,
de certa maneira, palavra de Deus. O seu corpo, o seu coração, o seu pensamento,
já não eram mais que o próprio Evangelho pregado aos pobres e aos doentes.
Olhando para ela, aqueles a quem
ela acudia, mas também aqueles que, de fora, observavam a sua acção, tinham um
relato quase visual, quase uma projecção de vídeo do que é a caridade cristã,
do que é o Amor de Deus. Sabemos que alguns sectores na Igreja criticam a acção
de Madre Teresa, bem como a sua beatificação por Sua Santidade João Paulo II.
Esses pensam que quem está a morrer de fome acredita facilmente no Evangelho
pregado por alguém com a barriga cheia! Madre Teresa personificou a Caridade de
Jesus Misericordioso, sempre tão preocupado com aqueles que sofriam. Não
costumamos dizer que a melhor forma de os pais, os catequistas ou os educadores
em geral, ensinarem é através do exemplo? Pois, Madre Teresa de Calcutá
testemunhou – e só não viu quem não quis – o que é o Amor, como é fazer a
vontade de Deus, o que é a Santidade. Aqueles que a criticam por não andar com
uma Bíblia na mão, pregando a Fé, sem se preocupar em primeiro lugar com o
sofrimento dos filhos do Altíssimo, esses infelizmente ainda não entenderam nem
o Evangelho nem a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, nem o Pentecostes, nem o
Arco-íris.
As Irmãs da Caridade fundadas por
Madre Teresa não usavam, por exemplo, máquina para lavar a roupa. A razão não
era a falta de dinheiro para comprarem uma. A razão era de natureza espiritual,
mas não era o sofrimento pelo sofrimento. A razão é sublime: lavar a roupa à
mão para compartilhar, não apenas partilhar, mas “partilhar com”, a dificuldade
de lavar a roupa à mão, conhecer intimamente o que é a vida do pobre, para lhe dar
a mão e caminharem lado a lado, não para lhe estender a mão de cima de um
pedestal, como que a largar-lhe uma esmola, como se não fôssemos todos da mesma
substância humana criada à imagem e semelhança.
Gonxha Agnes Bojaxhiu nasceu a 26
de Agosto de 1910, em Skopje, na Albânia, hoje capital da Macedónia, numa família
católica. A sua mãe chamava-se Drana Bojaxhiu e o pai Nicolau. Recebeu o
Baptismo no dia seguinte ao nascimento, a Primeira Comunhão aos seis anos e
também aos seis anos o Crisma. Vivia na Paróquia do Sagrado Coração de Jesus,
então entregue pastoralmente aos Jesuítas.
Aos oito anos ficou órfã de pai.
Na Paróquia estava integrada num
grupo de jovens que se interessavam pelo trabalho missionário. Nesse grupo, os jovens
tomaram contacto com a realidade da miséria relatada nas cartas que lhes
chegavam da missão que os Jesuítas tinham aberto há pouco tempo em Calcutá, na
Índia. Foi aqui que nasceu uma certa ligação
emotiva e espiritual de Gonxha Agnes pelo povo sofredor da distante Índia. E o desejo
de ser missionária, que já anos antes revelara, começou também a
desenvolver-se.
Em 1928 junta-se às Irmãs do
Loreto e ingressa num convento, em Rathfarnham, na Irlanda, para aprender a
língua inglesa. Esta congregação tinha muitas missões na Índia.
Recebe o nome de Maria Teresa, em
homenagem a Santa Teresa de Lisieux, um ano antes designada padroeira das missões,
pelo Papa Pio XI. Três meses mais tarde, em Dezembro de 1928, viaja até
Bengala, onde chega a 6 de Janeiro de 1929, seguindo para Calcutá e depois para Dajeerling, para continuar os
estudos. Em 1931 profere os seus primeiros votos.
É integrada no Loreto de Entally,
em Calcutá, para exercer o serviço de professora de História e Geografia da
Escola feminina de Santa Maria.
A 24 de Maio de 1937 a Irmã Maria
Teresa faz a profissão de votos perpétuos. Começam a chamá-la Madre Teresa.
Em 1944 é nomeada directora da
Escola. Madre Teresa vivia feliz e tranquila, ensinando na única escola católica
para meninas, na Índia. Todavia, os seus olhos estavam muito atentos à miséria
que a rodeava, às outras meninas, aos pobres, aos doentes, que cruzavam,
melhor, que enchiam as ruas de Calcutá.
Em 1946 Madre Teresa passa por um
acontecimento espiritual que a obrigará a fazer uma viragem na sua vida.
Dentro do chamamento que ela
estava a viver nas Irmãs do Loreto, ela sente outro chamamento. Ela relata o
que se passou consigo:
“Foi
a 10 de Setembro de 1946, durante a viagem de comboio para o convento de Darjeeling,
onde ia fazer os exercícios espirituais. Enquanto rezava em silêncio a nosso Senhor, senti um chamamento dentro do meu chamamento.
A mensagem era muito
clara: devia deixar o convento de Loreto, em Calcutá, e entregar-me ao serviço
dos pobres, vivendo entre eles”.
Quando expõe o seu
propósito de corresponder a este chamamento interior à Madre Superiora, ela
recusa categoricamente. A mesma posição assume o arcebispo de Calcutá.
Pedem-lhe que espere
para confirmar essa vocação. O seu pedido chega ao papa Pio XII, através do
arcebispo. A 12 de Abril de 1948, obtém autorização do Papa para viver fora do
convento, sob a directriz do arcebispo, dedicando-se por inteiro aos pobres.
A 17 de Agosto de
1948, tendo comprado um sari branco, debruado a azul, umas sapatilhas e uma
cruz, deixa o convento.
Faz uma estadia com as
Irmãs Médicas Missionárias, em Patna, e volta a Calcutá abrigando-se junto das Irmãzinhas
dos Pobres.
Finalmente, a 21 de
Dezembro, tem a sua prova de fogo.
Parte sozinha para a
missão, na rua, entre os mais pobres.
Passa nos bairros
miseráveis, começando a cuidar de crianças e idosos, ajuda uns a lavarem-se,
outros a morrerem com maior dignidade, tira-os do meio da rua, para que o sofrimento
não seja espectáculo público, mas possa ser consolado nalgum recanto isolado.
São muito difíceis
estes primeiros tempos e Madre Teresa chega a pensar em desistir. Por um lado o
desânimo pela solidão em que realiza o seu trabalho. Por outro lado a visão de
tanta sujidade, de tanta dor, de como pode descer tanto a dignidade humana sem
suscitar a compaixão de ninguém, antes uma indiferença pelo que parece ser já o
quotidiano. Mas reflecte:
“A minha comunidade
são os pobres. Aqueles de quem ninguém se aproxima, porque são contagiosos e
estão sujos; os que não podem pedir esmola, porque não têm roupa para se
cobrirem; os que já não comem, porque lhes falta força para tanto; os que já
não choram, porque já não têm lágrimas!”
As suas primeiras
companheiras são antigas alunas, que sabem o que anda a fazer e a procuram,
muitas com a oposição das famílias.
Começa por reunir crianças
abandonadas, ensinando-lhes cuidados de higiene, e a ler e escrever, no chão,
porque não dispunha de instalações nem de material escolar. E dá-lhes algo de
muito importante: amor e atenção.
A sua maior preocupação são os
doentes, os incuráveis, os que não têm onde se abrigar, os que nem têm onde
morrer: era comum os doentes idosos ficarem na rua sozinhos até morrerem e
serem transportados para uma vala comum.
Madre Teresa consegue da autarquia
de Calcutá um espaço para onde passam a levar todos os que encontram na rua, a morrerem.
Nem é a questão de os tratar, pois muitos são tuberculosos e leprosos já sem
cura, trata-se de morrerem sob um tecto, com alguma tranquilidade e dignidade,
dando a mão a alguém que não lhes pede nada em troca, alguém que vem de Deus,
mas nem lhes pede que agradeçam, mudando a sua fé. Alguém que lhes dá a mão,
nos últimos momentos, com amor e respeito.
Para suportar o seu apostolado,
pede esmola. Ao mesmo tempo, há quem se aperceba do seu trabalho humanitário e as
contribuições também começam a surgir. Do governo indiano, embora Madre Teresa
fosse uma missionária católica, mas também porque ela já era mais que isso, era
de facto uma missionária universal da caridade. Realiza inúmeras viagens ao
estrangeiro para divulgação da sua obra e angariação de fundos.
Para uma maior eficácia da Obra,
podendo chegar a mais lugares para realizar a caridade cristã, Madre Teresa
funda sucessivamente, a partir de 1963, os Irmãos Missionários da Caridade; as
Irmãs Contemplativas e os Irmãos Contemplativos Missionários da Caridade; os
leigos Colaboradores de Madre Teresa e os Colaboradores dos Doentes e Sofredores;
os Missionários da Caridade Laicos; e o Movimento Sacerdotal Corpus Christi.
A 7 de Dezembro de 1950 é
oficialmente estabelecida a Congregação das Missionárias da Caridade.
A partir de 1960, as Missionárias
da Caridade difundem-se em toda a Índia.
A partir de 1965 abrem casas em
todo o mundo, em todos os continentes e em quase todos os países, mesmo nos comunistas.
Em 1979 recebe o Prémio Nobel da
Paz. Nessa ocasião diria que a sua obra era uma gota de salvação num mar de sofrimento.
Em 1983, aos setenta e três anos,
em Roma, sofre o primeiro ataque de coração grave. O médico disse-lhe:
“A senhora tem coração para mais
trinta anos”.
Madre Teresa levou essas palavras
à letra e nunca mais ninguém a conseguia fazer parar ou abrandar.
É convidada a visitar a União
Soviética, em Agosto de 1987, onde é condecorada com a Medalha de Ouro do Comité
Soviético da Paz.
Em 1989 sofre segundo e muito
forte ataque de coração.
Em 1990 pede ao Papa para ser
substituída, mas volta a ser reeleita e continua na sua azáfama habitual.
Partiu para Deus a 5 de Setembro
de 1997. Cremos firmemente que ouviu Jesus dizer-lhe, mais ou menos, isto:
“Teresa, Eu estava nu e tu
vestiste-Me; Teresa, Eu estava esfomeado, e tu foste ter coMigo e levaste-Me
comida; Teresa, eu estava doente e tu estendeste-Me a tua mão, a tua alma e o
teu coração. Vem a meus braços, minha filha, minha irmã”.
Sua Santidade João Paulo II beatificou
Madre Teresa de Calcutá a 19 de Outubro de 2003. Da sua homilia na cerimónia de
beatificação, citamos:
“ «Quem quiser ser o primeiro
entre vós, faça-se servo de todos» (Marcos 10, 44). Estas palavras de Jesus aos
discípulos, que ressoaram há pouco nesta Praça, indicam qual é o caminho que
leva à “grandeza” evangélica. É o caminho que o próprio Cristo percorreu até à
Cruz; um itinerário de amor e de serviço, que inverte qualquer lógica humana.
Ser o servo de todos!
Madre Teresa de Calcutá,
Fundadora dos Missionários e das Missionárias da Caridade, que hoje tenho a
alegria de inscrever no Álbum dos Beatos, deixou-se guiar por esta lógica.
Estou pessoalmente grato a esta mulher corajosa, que senti sempre ao meu lado.
Ícone do Bom Samaritano, ela ia a toda a parte para servir Cristo, nos mais
pobres entre os pobres. Nem conflitos nem guerras conseguiam ser um impedimento
para ela.
De vez em quando vinha
falar-me das suas experiências ao serviço dos valores evangélicos. Recordo, por
exemplo, as suas intervenções a favor da vida e contra o aborto, também quando
lhe foi conferido o prémio Nobel pela paz (Oslo, 10 de Dezembro de 1979).
Costumava dizer: «Se ouvirdes que alguma mulher não deseja ter o seu menino e
pretende abortar, procurai convencê-la a trazer-mo. Eu amá-lo-ei, vendo nele o
sinal do amor de Deus»”.
A 3 de Fevereiro de 1994, Madre
Teresa proferia uma conferência em Washington sobre aborto e vida:
“Sinto
que o maior inimigo da Paz é hoje o aborto, porque é uma guerra contra as
crianças, são as mães a assassinar os seus próprios filhos inocentes e sem
hipótese de se defenderem.
Ora, se é lícito uma mãe matar o
seu filho, que razão nos impede de nos matarmos todos uns aos outros?
Mas como impedir uma mulher de
recorrer ao aborto? Como sempre, persuadi-la com amor, recordando que amar é
doar-se até que doa. Assim, pois, a mãe que pensa em abortar deve ser ajudada a
reflectir, a amar, a doar-se, mesmo prejudicando os seus projectos, o seu tempo
livre, para respeitar a vida do seu filho. E o pai deve doar-se também, até que
doa.
Uma sociedade que contemporize
com o aborto não estimula o amor, mas o uso da violência para atingir os
objectivos quaisquer que eles sejam. O aborto é pois o maior destruidor do amor
e da paz.
Muitas pessoas estão muito
preocupadas com as crianças da Índia, com as crianças de África, onde muitas
delas morrem de fome, etc. Muitas pessoas também estão preocupadas com toda a
violência nos Estados Unidos. Estas preocupações são muito boas. Mas frequentemente
estas mesmas pessoas não estão preocupadas com os milhões que estão sendo
mortos pela decisão voluntária das suas próprias mães. E isto é que é o maior
destruidor da paz hoje – o aborto, que coloca as pessoas em tal cegueira.
A criança é o dom de Deus para a
família. Cada criança é criada à imagem e semelhança de Deus para grandes
coisas: para amar e ser amada.
Eu vou contar uma coisa bonita.
Nós estamos a lutar contra o aborto através da adopção: tomando conta da mãe e
tratando da adopção do seu bebé. Nós temos salvado milhares de vidas. Enviámos
a mensagem para as clínicas, para os hospitais e esquadras: “Por favor não
destruam a criança, nós ficaremos com ela.” Nós temos sempre alguém para dizer
às mães em dificuldade: “Venha, nós tomaremos conta de si, nós arranjaremos um
lar para o seu bebé”. E nós temos uma enorme procura por parte de casais que
não podem ter um filho. Porém, eu nunca dou uma criança a um casal que tenha
feito algo para não ter filhos. Jesus disse, “Aquele que recebe uma criança em
meu nome, a mim recebe.” Ao adoptar uma criança, estes casais recebem Jesus
mas, ao abortar uma criança, um casal recusa-se a receber Jesus.
Por favor não mate o bebé. Eu
quero o bebé. Por favor dê-me o bebé. Eu estou disposta a aceitar qualquer bebé
que esteja para ser abortado e dar esse bebé a um casal que o ame e seja amado
por ele.
Exclusivamente do nosso lar de
crianças em Calcutá, já salvámos mais de três mil bebés do aborto. Estes bebés
trouxeram muito amor e alegria aos seus pais adoptivos, e crescem cheios de
amor e de alegria."
Algumas das muitas frases
conhecidas de Madre
Teresa de Calcutá:
– Não devemos permitir que ninguém
saia da nossa presença sem se sentir melhor e mais feliz
– Nunca compreenderemos o quanto
um simples sorriso pode fazer.
– O amor, para ser verdadeiro, tem
de doer. Não basta dar o supérfluo a quem necessita, é preciso dar até que isso
nos doa.
– A pior calamidade para a
humanidade não é a guerra ou um terremoto. É viver sem Deus. Quando Deus não existe,
admite-se tudo. Se a lei permite o aborto e a eutanásia, não nos surpreende que
se promova a guerra!
In Orlando de Carvalho, Os Santos de João Paulo II, Lusodidacta, 2004