Corno jubilar
No Antigo
Testamento, a misericórdia e o perdão jubilar da dívida é essencialmente
teórico.
A punição pela infracção
sexual é fundamentalmente prática.
O
livro do Levítico expõe o principal sistema de leis que distingue os judeus
como Povo daquele Senhor que Jesus é e virá anunciar: um Deus compassivo e
misericordioso que ama as pessoas como filhos e exige que se amem umas às
outras como irmãos.
Quando
Deus criou o homem, criou-o homem e mulher, e somente depois de ter criado toda
a Natureza e as condições necessárias para que eles pudessem sobreviver e ser
felizes. Deus não imaginou para a humanidade uma existência de escravidão e de
obediência cega ao Senhor Deus, uma existência de obrigações para cumprir,
mandamentos e regras, que dessem acesso ao céu, ou que desprezados, conduziriam
à perdição eterna. Deus não é Bom, por ser Todo-poderoso, mas antes o
contrário. Deus é Todo-poderoso, por ser Bom. É Jesus que no-lo diz
textualmente: acreditai em Mim, nas minhas obras e no Pai, e sereis capazes de
fazer obras idênticas às minhas. Acreditar em Jesus, é acreditar na Justiça, na
Paz e no Amor, e acreditar nisso é cumpri-lo. Do cumprimento do Amor é que nos
virá o poder para fazer as tais obras.
Todo
o esquema de descanso semanal, de férias, de justiça no horário de trabalho,
que existe hoje, tem como primeiro fundamento, o Sábado do Senhor.
E
ai dos ricos e poderosos que pretendem sobrepor-se ao próprio Deus e obrigar as
pessoas a trabalhar no dia que o Senhor Deus reservou para si. Esses
enriquecerão na terra, à custa dos que por necessidade trabalham e dos outros
que seduzidos, mancham o dia do descanso e da oração, comprando e praticando
outras actividades que justificam o trabalho dos primeiros, muitas vezes mães que
não podem assim estar com os maridos e os filhos, ir à missa e levar os filhos
à catequese. Esses ricos que desdenham a felicidade dos homens e de Deus terão
que responder, num dia em que não se sentirão nem ricos, nem poderosos, nem
felizes, e em que lamentarão a vida que levaram e impuseram aos outros.
Do Livro do Êxodo: Recorda-te do dia
de Sábado para o santificar. Trabalharás durante seis dias e levarás a cabo
todas as tuas tarefas. Mas o sétimo dia é de descanso, consagrado ao Senhor,
teu Deus. Nesse dia não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a
tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem os teus animais, nem
estrangeiro algum que estiver dentro das tuas portas. Porque em seis dias o
Senhor fez o céu e a terra, o mar e tudo quanto contém, e descansou no sétimo;
por isso o Senhor abençoou o dia de Sábado e santificou-o.
Deus
acumula em Si toda a Bondade, todo o Poder, toda a Sabedoria. Não é, pois, de
estranhar que Deus conheça as nossas necessidades e as capacidades da natureza
para satisfazer essas necessidades. O que Deus criou, criou-o para a humanidade
e não para esta ou para aquela pessoa. O dono de certo supermercado preferia
destruir, na altura do Natal, centenas de brinquedos com pequenos defeitos, a
distribui-los, receando por um lado que quem os recebesse já não fosse gastar o
seu dinheiro ao tal supermercado para comprar, e por outro lado, que os
próprios empregados provocassem pequenas avarias nos brinquedos, inventando uma
justificação para os levarem para casa. Não é lícito a nenhum ser humano dispor
desta forma infame dos bens que Deus permitiu que ficassem à sua guarda.
O
comando do Senhor Deus é este: “Não sejais avaros na administração dos Meus
bens que confiei à vossa guarda, para que Eu também não seja demasiado cioso na
distribuição do Meu perdão e da Minha misericórdia para convosco”[1].
Entre
nós, hoje, muitos cristãos desconhecem ainda passagens tão importantes da
Bíblia, escritas há milhares de anos, quando a produção agrícola era bem mais
condicionada, por não existirem fertilizantes, máquinas, etc.
Já
então o Senhor Deus proibia expressamente que o agricultor apanhasse
completamente a sua colheita, deixando para os pobres, que seguiam atrás dos
que colhiam, tudo o que fosse caindo, as produções tardias, o que nascesse nos
extremos dos seus campos.
E
aos jornaleiros, os trabalhadores contratados ao dia, o Senhor impunha o
pagamento do salário nesse mesmo dia.
A
justiça e a dignidade para todos vêm já proclamadas, por Deus, desde há
milénios. Basta que a leiamos e a saibamos interpretar nos nossos dias. Mesmo
para os estrangeiros. É urgente que nós cristãos vamos por todo o mundo
anunciar, também aos nossos irmãos cristãos, que Deus exige que amemos como
irmãos os estrangeiros que habitam a mesma terra que nós – pretos, ciganos,
judeus, sul-americanos, magrebinos e todos, todos os estrangeiros.
Do Livro do Levítico: O Senhor falou a
Moisés, no Monte Sinai, nestes termos: “Fala aos filhos de Israel, e diz-lhes:
Quando entrardes na terra que vos dou, a terra será submetida a um descanso, em
honra do Senhor. Semearás o teu campo durante seis anos, durante seis anos
trabalharás na tua vinha e recolherás o seu fruto; mas no sétimo ano será
concedido à terra um descanso, um Sábado em honra do Senhor. Não semearás o teu
campo, nem podarás a tua vinha. Não colherás o que nascer dos grãos caídos
durante a tua ceifa, nem vindimarás as uvas da tua vinha que não foi podada.
Será um ano de descanso para a terra. O que a terra produzir durante o seu
descanso, servir-vos-á de alimento, a ti, ao teu escravo, à tua serva, ao teu
jornaleiro e ao estrangeiro que vive contigo. O teu gado, assim como os animais
selvagens da tua terra, poderão alimentar-se com todos esses frutos.
É
importante ir repetindo que Deus não criou o homem apenas para trabalhar. Se
assim fosse, de nada servia que houvesse ou não flores bonitas, céus
estrelados, lindos nascer-do-sol e outros tantos pôr-do-sol. O homem deve, e
tem mesmo, que trabalhar, mas tem a obrigação de, quanto possível, cultivar
também o seu espírito, contemplar a Natureza, disponibilizar-se para os irmãos
mais carenciados. Esta é certamente uma das causas da existência do ano
sabático. Outra, mais prática, será talvez a necessidade das terras
descansarem, para que a sua produtividade não se ressinta de uma excessiva
exploração.
Tantas
empresas poderosas a conservarem, congelados e de outras formas, bens
alimentares que entretanto se deterioram na mira do lucro máximo, na
expectativa da melhor oportunidade, que muitas vezes acontece quando o produto
já está impróprio para a saúde dos que o vão comer.
E
depois vem Deus, com toda a simplicidade proclamar: Da mesma forma que de sete
em sete dias há um Sábado para descansar, também de sete em sete anos, haverá
um ano de sábado para a terra descansar.
-
E não vos preocupeis, pois Eu providenciarei para que sejais alimentados nos
anos de descanso da terra.
O
Senhor Deus, diz-nos com naturalidade “Confiai em Mim, como um bebé confia na
sua mãe, e Eu vos alimentarei!”.
No
ano sabático eram soltos os prisioneiros e os escravos do povo de Deus. Eram
apagadas as dívidas dos pobres, eram devolvidas as hipotecas.
A
palavra Jubileu deriva do nome hebreu para chifre de carneiro, a partir do qual
se faziam trombetas. Era com uma trombeta que se anunciava o início do ano
jubilar.
Actualmente
a palavra está associada a júbilo, que significa alegria, festa.
O
jubileu estava prescrito aos judeus como sendo o ano que sucedia a sete anos
sabáticos; como estes ocorriam de sete em sete anos, depois de ocorrerem sete
anos sabáticos, sete semanas de anos, haviam passado quarenta e nove anos. O
jubileu era, pois, o quinquagésimo ano, e ocorria de cinquenta em cinquenta
anos. Tal como o Sábado constituía um apelo ao homem para que desfrutasse do
descanso e da felicidade que a Natureza lhe facultava, enquanto dispunha, em
simultâneo, de um tempo para glorificar a Deus, e o ano sabático dava maior
ênfase a esse apelo à consagração ao Senhor e ao gozo da felicidade, à
santificação, o ano do jubileu é o culminar desse sistema de calendário de base
sete, chamemos-lhe assim.
Durante
o jubileu, os judeus, então, e nós cristãos, hoje, somos chamados a atingir a
perfeição possível na nossa humanidade.
Deus
é o Pai que nos ama, que perdoa sempre que procuramos o Seu perdão, que está
sempre, rico em misericórdia, à nossa espera, que sente felicidade em nos
libertar das amarras da escravidão, do pecado.
No
ano jubilar eram repetidos os preceitos do ano sabático, com mais profundidade
e mais solenidade: os judeus deviam
perdoar as dívidas, soltar os presos, libertar os escravos, devolver as
hipotecas e os campos que haviam comprado a alguém que estava com problemas
financeiros. Quer dizer, durante o jubileu os judeus deviam ser misericordiosos
à semelhança de Deus, santificando-se desse modo, e tornando o seu próximo mais
feliz.
Entre
nós, Igreja de Cristo, o jubileu é, em essência, o mesmo que entre os judeus.
O
Jubileu acentuava e acentua, num grau muito elevado, a relação entre Deus e os
homens e entre estes.
Deus,
Pai, Criador, Senhor único e absoluto de toda a Sua criação. Nada pertence a
ninguém, a criação existe para uso de todos os homens. Com excepção dos bens de
uso próprio e necessários à manutenção da dignidade humana, nada é legítimo
possuir, em detrimento de irmãos necessitados. Enquanto os judeus entendiam
estes preceitos como referindo-se a si, povo escolhido, nós hoje temos a
ventura de saber que são normas universais, comuns a todos os filhos de Deus, a
todos os homens, estranhos ou estrangeiros, na cor da pele, na nacionalidade,
na religião, ou de aparência muito semelhante à de cada um de nós.
Do Livro do Levítico: Nenhuma terra será
vendida definitivamente porque a terra pertence-Me, e vós sois apenas
estrangeiros na Minha casa. Portanto concedereis o direito de resgate das
terras em todo o país que possuirdes. Se o teu irmão, encontrando-se em
dificuldades, vender uma parte da sua propriedade, ela poderá ser resgatada por um seu parente, ou por si próprio se
recobrar os meios para o fazer; caso contrário continuará na posse do
comprador até ao ano jubilar; então ficará livre e voltará à posse do vendedor.
Se
o teu irmão decair e empobrecer, protegê-lo-ás, mesmo que seja um estrangeiro
ou um peregrino, para que ele viva contigo. Não receberás dele juros nem lucro
algum, mas teme o teu Deus, para que o teu irmão viva contigo. Não lhe
emprestes o teu dinheiro com juros, nem lhe dês os teus mantimentos, para disso
tirares proveito. Se o teu irmão estiver reduzido à miséria, junto de ti, e se
se vender a ti, não exigirás dele um trabalho de escravo. Estará contigo como
um mercenário, como um hóspede; servirá em tua casa até ao ano do jubileu.
Então sairá de tua casa, assim como os seus filhos; voltará para a sua família
e recobrará os bens dos seus pais. Porque são Meus servos que fiz sair da terra
do Egipto, não devem ser vendidos como se vendem os escravos. Não o trates com
dureza para que não ofendas o teu Deus.
Sabemos
através do conhecimento histórico que muitas destas imposições bíblicas
relacionadas com o perdão da dívida e a misericórdia a favor dos irmãos não
eram seguidas pelos judeus, pelas mais diversas razões. É o próprio Jesus que
disso dá conta quando chama a atenção dos fariseus e doutores da lei para o
facto de se incomodarem com a cura de um cego em dia de sábado, mas largarem
tudo para acudir a uma vaca, mesmo que seja em dia de sábado.
São
estes mesmo judeus, comandados pelos fariseus, doutores da lei e saduceus, que
se propõem apedrejar a Mãe de Jesus, a mulher adúltera e que assassinam
Estêvão, embora este por razões distintas.
Concluímos
assim, pela evidência, que os judeus eram hábeis e ágeis a fazer cumprir a Lei
aos outros e que, aos outros, não permitiam deslizes sexuais. Em relação a si
mesmos, cada um deles agia com complacência e misericórdia. Como os judeus
agimos nós os cristãos. Noutra perspectiva talvez. Preocupamo-nos com a
legislação sexual da Igreja, com os comportamentos sexuais do mundo. Uns
defendendo uma maior liberdade sexual ou mesmo libertinagem ou atentado às leis
da Natureza. Outros fazendo grandes discursos sobre os valores da sociedade
como se tudo em todos dependesse da maneira de viver o sexo. Vivem literalmente
obcecados com o sexo. E temos verificado muitos casos em que esses mesmos levam
uma vida dupla, comportando-se de modo diferente do que proclamam na vida
oculta que levam.
Nem
sempre se mostram preocupados com o modo como os filhos vivem a caridade, tão
ocupados andam com as coisas mundanas e carnais.
Estes
cristãos têm um longo caminho ainda a percorrer, têm que descobrir que Deus
encarnou no filho de Maria e que Ele, não revogando o que estava escrito,
completou tudo o que estava escrito, concluindo cada frase escrita a tinta com
um texto que Ele mesmo escreveu com sangue que escorreu e jorrou das feridas
que Lhe impusemos.
Onde
estavam escritas as sentenças para cada pecado, Jesus escreveu, com o seu
preciosíssimo sangue, as obras de misericórdia a favor de cada pecador. Os
pecados sexuais ou quaisquer outros não deixaram de ser uma fonte de
apartamento entre o pecador e Deus, uma fonte de condenação que o pecador impõe
a si mesmo. A nova lei parece ser: não castigues o teu irmão, porque o castigo
a Deus pertence; ajuda o teu irmão a voltar à casa do Pai e assim esse caminho
em Direcção ao Banquete Eterno será mais fácil de percorrer por ti e por ele,
os dois de mãos dadas.
É
tempo de darmos o grande salto do Antigo para o Novo Testamento para podermos,
com propriedade, comer e beber o pão e o vinho desta Nova e Eterna Aliança.
Orlando de Carvalho
[1] Este discurso que atribuímos a Deus
está implícito na Parábola dos Talentos,
Mt 25, 14-30 e da oração do Pai Nosso Mt 6, 12
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