segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Quem faz acepção de pessoas?





Leitura da Epístola de São Tiago

Irmãos: A fé em Nosso Senhor Jesus Cristo não deve admitir acepção de pessoas. Pode acontecer que na vossa assembleia entre um homem bem vestido e com anéis de ouro e entre também um pobre e mal vestido; talvez olheis para o homem bem vestido e lhe digais: «Tu, senta-te aqui em bom lugar», e ao pobre: «Tu, fica aí de pé», ou então: «Senta-te aí, abaixo do estrado dos meus pés». Não estareis a estabelecer distinções entre vós e a tornar-vos juízes com maus critérios? Escutai, meus caríssimos irmãos: Não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que Ele prometeu àqueles que O amam? (Tg 2,1-5)

O comentário.
Irmãos, a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo não deve admitir acepção de pessoas. Será o homem mais que a mulher? Ou a mulher superior ao homem? Deverão os anciãos ter direito a falar e os mais novos apenas a aprender? Ou deverão os anciãos escutar os jovens e a sua sabedoria? Serão os mais ricos, ou com melhor apresentação, mais adequados para os lugares mais vistosos, deverão ocupar os principais lugares e dignificar toda a assembleia reunida ou dever-se-á prescindir da dignidade que merece a assembleia de Deus e relevar os esfarrapados, como se o povo de Deus não fosse mais que um grupo de marginais? Quando chamando alguém de entre a assembleia e perante todos, deve ser nomeado pelo nome apenas, seja rei, presidente, ministro, presidente da câmara, doutor em medicina, direito ou qualquer outra coisa, ou pelo título a que justamente terá direito?
Os mais destacados membros da comunidade deverão ocupar os seus lugares no presbitério, em redor do altar e do ministro presidente, como aconteceu durante tanto tempo da existência da Igreja, ou deverão sentar-se como se não fossem, de facto, pessoas especiais, seja na comunidade religiosa ou na comunidade civil da região?
Não tem o rei ou o presidente direito a sentar-se em cadeirão destacado, entre o espaço reservado aos simplesmente fiéis e o presbitério, mesmo sendo apenas convidado e não habitual praticante dominical, ou deveria antes sentar-se como o comum dos fiéis, como se fosse um qualquer?
Deve a proclamação das sagradas leituras da santa missa, que são o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, serem confiadas a quem o faz conveniente e decentemente, de modo a serem por todos ouvidas, entendidas e escutadas, ou dever-se-á cuidar do bem da comunidade no seu todo e sacrificar um pouco o corpo santo do Senhor, que é a Palavra, e confiá-las a um benfeitor para que continue a beneficiar a todos com algumas sobras da sua riqueza que confia ao pároco?
Também a sagrada comunhão deverá ser distribuída na celebração e perante toda a comunidade por ministros que saibam e possam vestir-se com roupagens dignas e deixar para alguns que não sabem ou não podem vestir tão ricamente a sua distribuição aos doentes nas suas casas? Não deverão ser convidados para ministros da comunhão, para lidar com o verdadeiro Corpo de Deus, apenas pessoas que possam dar garantia de idoneidade, por serem abastadas e não estarem dependentes e de boas famílias? Famílias boas são as que nunca tiveram ou causaram a outros problemas financeiros, não é? Que significamos ao dizer que alguém é de boas famílias? Que tem dinheiro suficiente para garantir os compromissos que assuma ou o façam assumir, naturalmente.
Aquela senhora que ofereceu uma imagem, do seu santo de devoção especial, que por acaso nem era necessária, para colocar na igreja, não terá o direito de ter uma palavra – a definitiva – sobre o lugar que a imagem deve ocupar, para além mesmo das conveniências litúrgicas ou pastorais? Não convém esquecer que ela também contribui todos os meses para… Mais, terá ela alguma vez de se rebaixar a fazer o peditório na missa quando lá estão tantas mulherzinhas que não se importam nada de andar com o saquinho ‘a pedir’ entre os irmãos? Irmãos? Serão mesmo todos irmãos, ou isto é mais um modo simpático de nos tratarmos em determinados momentos litúrgicos? Irmãos? O gajo que se atreva a chamar-me assim lá fora, na rua, ou no local de trabalho onde eu sou seu superior ou seu patrão! Será irmão lá dos outros coitaditos que não têm onde cair mortos.
No coro devem cantar os que têm melhor voz, nisso todos estamos de acordo, todavia, para dirigir o coro, para salmar e fazer os solos do Aleluia, deverá ser apenas esse o critério, ou devemos escolher pessoas com boa apresentação, pessoas que sejam benfeitores da paróquia? Pode uma pindérica qualquer cantar o salmo só pela sua voz ou deve ser a dona não sei quantas a fazer isso, que tanto gosto lhe dá?
Aquele senhor que, no próprio dia em que o pároco entrou na paróquia, lhe entregou um cheque para as primeiras despesas não deverá merecer um tratamento especial?
Jesus não percebia nada desta pastoral que tem permitido à Igreja manter o seu estatuto ao longo dos séculos: Ele queria expulsar os vendilhões do templo. Como se isto fosse já o Céu e não apenas a terra onde temos de manter estas negociatas, sem as quais a Igreja não poderia avançar e já teria acabado, sem glória, morrido, suplantada por coisas maiores e mais importantes!
Ah! Tiago, Tiago, que ideia a tua de escreveres estas coisas tão obsoletas! Vale que ninguém lhes liga. Graças a Deus, ou isto já teria acabado tudo.

Orlando de Carvalho

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