Leitura da Epístola de São Tiago
Irmãos: A fé em Nosso Senhor Jesus Cristo não deve admitir
acepção de pessoas. Pode acontecer que na vossa assembleia entre um homem bem
vestido e com anéis de ouro e entre também um pobre e mal vestido; talvez
olheis para o homem bem vestido e lhe digais: «Tu, senta-te aqui em bom lugar»,
e ao pobre: «Tu, fica aí de pé», ou então: «Senta-te aí, abaixo do estrado dos
meus pés». Não estareis a estabelecer distinções entre vós e a tornar-vos
juízes com maus critérios? Escutai, meus caríssimos irmãos: Não escolheu Deus
os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que Ele
prometeu àqueles que O amam? (Tg 2,1-5)
O comentário.
Irmãos, a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo não deve admitir
acepção de pessoas. Será o homem mais que a mulher? Ou a mulher superior ao
homem? Deverão os anciãos ter direito a falar e os mais novos apenas a
aprender? Ou deverão os anciãos escutar os jovens e a sua sabedoria? Serão os
mais ricos, ou com melhor apresentação, mais adequados para os lugares mais
vistosos, deverão ocupar os principais lugares e dignificar toda a assembleia
reunida ou dever-se-á prescindir da dignidade que merece a assembleia de Deus e
relevar os esfarrapados, como se o povo de Deus não fosse mais que um grupo de
marginais? Quando chamando alguém de entre a assembleia e perante todos, deve
ser nomeado pelo nome apenas, seja rei, presidente, ministro, presidente da
câmara, doutor em medicina, direito ou qualquer outra coisa, ou pelo título a que
justamente terá direito?
Os mais destacados membros da comunidade deverão ocupar os
seus lugares no presbitério, em redor do altar e do ministro presidente, como
aconteceu durante tanto tempo da existência da Igreja, ou deverão sentar-se
como se não fossem, de facto, pessoas especiais, seja na comunidade religiosa
ou na comunidade civil da região?
Não tem o rei ou o presidente direito a sentar-se em
cadeirão destacado, entre o espaço reservado aos simplesmente fiéis e o
presbitério, mesmo sendo apenas convidado e não habitual praticante dominical,
ou deveria antes sentar-se como o comum dos fiéis, como se fosse um qualquer?
Deve a proclamação das sagradas leituras da santa missa, que
são o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, serem confiadas a quem o faz
conveniente e decentemente, de modo a serem por todos ouvidas, entendidas e
escutadas, ou dever-se-á cuidar do bem da comunidade no seu todo e sacrificar
um pouco o corpo santo do Senhor, que é a Palavra, e confiá-las a um benfeitor
para que continue a beneficiar a todos com algumas sobras da sua riqueza que
confia ao pároco?
Também a sagrada comunhão deverá ser distribuída na
celebração e perante toda a comunidade por ministros que saibam e possam vestir-se
com roupagens dignas e deixar para alguns que não sabem ou não podem vestir tão
ricamente a sua distribuição aos doentes nas suas casas? Não deverão ser
convidados para ministros da comunhão, para lidar com o verdadeiro Corpo de
Deus, apenas pessoas que possam dar garantia de idoneidade, por serem abastadas
e não estarem dependentes e de boas famílias? Famílias boas são as que nunca
tiveram ou causaram a outros problemas financeiros, não é? Que significamos ao
dizer que alguém é de boas famílias? Que tem dinheiro suficiente para garantir
os compromissos que assuma ou o façam assumir, naturalmente.
Aquela senhora que ofereceu uma imagem, do seu santo de
devoção especial, que por acaso nem era necessária, para colocar na igreja, não
terá o direito de ter uma palavra – a definitiva – sobre o lugar que a imagem
deve ocupar, para além mesmo das conveniências litúrgicas ou pastorais? Não convém
esquecer que ela também contribui todos os meses para… Mais, terá ela alguma
vez de se rebaixar a fazer o peditório na missa quando lá estão tantas
mulherzinhas que não se importam nada de andar com o saquinho ‘a pedir’ entre
os irmãos? Irmãos? Serão mesmo todos irmãos, ou isto é mais um modo simpático
de nos tratarmos em determinados momentos litúrgicos? Irmãos? O gajo que se
atreva a chamar-me assim lá fora, na rua, ou no local de trabalho onde eu sou
seu superior ou seu patrão! Será irmão lá dos outros coitaditos que não têm
onde cair mortos.
No coro devem cantar os que têm melhor voz, nisso todos
estamos de acordo, todavia, para dirigir o coro, para salmar e fazer os solos
do Aleluia, deverá ser apenas esse o critério, ou devemos escolher pessoas com
boa apresentação, pessoas que sejam benfeitores da paróquia? Pode uma pindérica
qualquer cantar o salmo só pela sua voz ou deve ser a dona não sei quantas a
fazer isso, que tanto gosto lhe dá?
Aquele senhor que, no próprio dia em que o pároco entrou na
paróquia, lhe entregou um cheque para as primeiras despesas não deverá merecer
um tratamento especial?
Jesus não percebia nada desta pastoral que tem permitido à
Igreja manter o seu estatuto ao longo dos séculos: Ele queria expulsar os
vendilhões do templo. Como se isto fosse já o Céu e não apenas a terra onde
temos de manter estas negociatas, sem as quais a Igreja não poderia avançar e
já teria acabado, sem glória, morrido, suplantada por coisas maiores e mais
importantes!
Ah! Tiago, Tiago, que ideia a tua de escreveres estas coisas
tão obsoletas! Vale que ninguém lhes liga. Graças
a Deus, ou isto já teria acabado tudo.
Orlando de Carvalho
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