Ao observar mais um conjunto de obras de arte do Vaticano,
novamente veio à minha presença o filme marcante de uma época, de um modo de
pensar e da apresentação de uma nova teologia, ou da recuperação da antiga
teologia:
Um padre oriundo do gelado bloco soviético e que tinha
atravessado a guerra e a ditadura repressiva sentou-se na cadeira de São Pedro
e, num formidável ambiente dramático, acabava por dar a ordem para que as obras
de arte de toda a Igreja fossem vendidas para alimentar uma população em vias
de morrer à fome e assim evitar um conflito mundial. Creio que o filme estreado
em Dezembro de 1968, e enriquecido pela interpretação de Anthony Quinn, no
papel de Papa, jamais poderá ser esquecido por quem o visto nessa época premonitória.
Dez anos mais tarde, quando São João Paulo II foi eleito
Papa, esses que tinham visto o filme questionaram-se: Será que, para além de
ser um papa inesperadamente chegado do frio, haverá mais concordâncias deste
pontificado com o filme?
Deparamos agora com a realidade do pontificado de Francisco
e percebemos que já nada nos espantará em relação à capacidade de a Igreja, ao
mais alto nível, assumir o único e verdadeiro mandamento evangélico. No dia em
que o Papa Francisco quiser dar vida às palavras de Jesus em mais este aspecto,
muito mudará na Igreja e na Humanidade.
Quando Jesus Se pôs de novo a
caminho, um homem aproximou-se a correr, ajoelhou-se diante d'Ele e perguntou:
«Bom Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna?» Jesus respondeu:
«Porque Me chamas bom? Só Deus é bom, e ninguém mais. Conheces os mandamentos: Não
mates; não cometas adultério; não roubes; não levantes falso testemunho; não
enganes; honra teu pai e tua mãe». O homem afirmou: «Mestre, desde jovem tenho
observado todas essas
coisas». Jesus olhou para ele
com amor e disse-lhe: «Falta-te só fazer uma coisa: vai, vende tudo, dá o
dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu. Depois vem e segue-Me». (Mc 10,
17-21)
Se se pretendesse vender toda a riqueza artística da Igreja,
certamente não haveria dinheiro suficiente no mundo para a comprar. E se nessa
fortuna estão incluídas obras piedosas, sabemos que muitas outras são mesmo de
natureza pagã e sem enquadramento teológico no espólio eclesial. Essas apenas podem
ser consideradas peças de museu, fonte de receita através dos visitadores de
museus e de alimento para algum sentimento de poder e riqueza.
Quanto bem podia fazer a Igreja vendendo essas obras pagãs? Que
ensinamento evangélico poderia resultar dum gesto dessa natureza?
Por outro lado, quanta oposição se levantaria por parte de
altas dignidades da Igreja, mais agarradas ao mundo que ao Espírito? Quantos cardeais
afrontariam e desafiariam cara-a-cara o Papa, numa arrogância plena de soberba?
Quantos conservadores moralistas com altos títulos e cheios de privilégios não
inventariam argumentos diabólicos para combater tal decisão? Quantos desses,
também corruptos, não tentariam falsificar as negociações de modo a ficarem com
boa parte do dinheiro realizado com tais vendas que eles apenas fingiam
abominar?
Permiti-vos, Espírito Santo, pairar sobre a Igreja de Cristo
e derramar sabedoria e caridade no coração e na cabeça do nosso Papa e dos
vossos fiéis. Que a devoção não seja corrompida pela ganância. Que o pão nosso
de cada dia possa chegar a todos os filhos do nosso Pai que está nos Céus, que
são todas as criaturas humanas. Que a Igreja seja fonte de caridade e, pelo seu
testemunho, as nações e as gentes caminhem verdadeiramente para Jesus, Porta do
Reino dos Céus.
Orlando de Carvalho
Mais algumas obras de arte dos museus do Vaticano que poderiam ser bem vendidas sem dano para a devoção cristã
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