domingo, 2 de junho de 2019

Santos canonizados não são Deus


Todos os cristãos adoram o mesmo Deus, único e trino. Ser cristão é precisamente ter esta fé. Uma pessoa torna-se cristã pelo sacramento do Baptismo que consiste na aceitação formal desta verdade.
Os cristãos adoram o mesmo Deus que já antes adoravam os judeus, embora estes vivessem numa ignorância maior por ainda não conhecerem algumas verdades sobre a intimidade de Deus, que só viriam a ser reveladas por Jesus, isto é, a Trindade que existe em Deus. Jesus veio completar o conhecimento acerca do Senhor e ensinar a purificação da religião, colocando no seu devido lugar muitas práticas que eram tidas como essenciais para estar na graça de Deus: eram mais de 600 essas práticas, imaginadas pelos homens, e que os fariseus cumpriam e tentavam fazer com que todos cumprissem, razão pela qual se consideravam santos ou puros. Jesus reduziu todos os rituais a uma única atitude: a prática da caridade em plenitude.
Entre os judeus não havia canonização de pessoas, mas havia uma dignidade semelhante para algumas figuras históricas, como sejam os casos de Abraão, Moisés, Elias e vários outros, que se considerava que, depois da morte, tinham recebido a graça de viverem junto de Deus e serem merecedores de uma certa reverência. Não como Deus, mas como pessoas boas, justas, honestas e agraciadas por Deus.
A Igreja, desde o seu início, manteve esta prática. O diácono Estêvão foi apedrejado até à morte como castigo por dar testemunho da sua fé em Jesus. Inicialmente, aqueles que morriam por causa da sua fé eram chamados mártires, também beatos ou bem-aventurados e santos. A designação de mártires manteve-se para os que morriam por causa da fé, mas outras pessoas foram chamadas beatas e santas pelo seu testemunho de vida honesta e pura. Com receio de errar a considerar como estando já na presença de Deus pessoas falecidas que poderiam ter pecado em vida e não merecessem tal graça, a Igreja restringiu muito tais denominações, atribuindo-as de preferência a padres, bispos, papas, frades, freiras mas também a reis e rainhas, como reflexo de alguma promiscuidade com o poder político.
Os santos da cristandade, em grande parte, eram pessoas envoltas em grande misticismo: o padre João Maria Vianney, a guerreira Joana d’Arc, São Martinho. Foram também estabelecidas devoções em paralelo, como o Sagrado Coração de Jesus, as Chagas de Nosso Senhor, o Imaculado Coração de Maria, Nossa Senhora do Cabo Espichel.
Entre estes, um santo protector dos sapateiros, outro dos médicos, outro das costureiras, um das doenças da garganta, trazendo muitas vezes à memória o olimpo dos gregos ou outros politeísmos.
Com o passar do tempo, as confissões reformadas chamaram idólatras aos católicos, que se defendiam explicando que veneravam os santos e adoravam apenas a Deus. Mas como cada santo surgia envolto em grande misticismo, muitas vezes, coisa do passado, e a santidade como quase só para os antigos e praticamente inacessível aos fiéis contemporâneos, esta situação, para um observador externo, podia parecer dúbia.
Surge então o Papa João Paulo II, hoje também ele canonizado e em tempo recorde, que redefiniu santidade e canonização, regressando aos tempos antigos.
Ensinou que a santidade é para todos, que todos fomos criados para sermos santos e que está ao alcance de todos. E explicou esta teoria com a prática. Ele elevou aos altares beatos e santos, de todos os extractos sociais e de todas as culturas. Democratizou a canonização. E mostrou que não é necessário fazer uma opção de vida religiosa para ser contemplado com o Paraíso. Ele purificou a ideia da Igreja acerca deste assunto.
Ensinou que devemos ser mais comedidos na veneração dos santos. Por outro lado, aceitamos hoje com maior facilidade que um vizinho, pobre e desgraçado, que morreu, tenha a mesma probabilidade de estar no Céu que um Papa. Aliás Jesus já tinha explicado bem esta matéria. Hoje dispensamos, ou estamos em via de dispensar, os dourados e a estética das imagens para venerar um falecido. A iconografia cede lugar à prática da caridade. Hoje ofende-nos mais uma imagem de Maria cheia de dourados e rendas que uma outra em que é apresentada de saia e chinelas.
Devemos louvar o Senhor pela graça do Papa João Paulo II que veio da parte de Deus, distribuir a santidade por todos, ensinar que Deus exige que sejamos santos e nos espera de braços abertos. E regenerar e purificar a prática religiosa.

Orlando de Carvalho

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