Olhar sobre as JMJ Lisboa 2023
As JMJ são essencialmente uma atitude de evangelização. De contrário não teriam que ver com a Igreja e o seu múnus pastoral. A Igreja não tem no seu cardápio a organização de arraiais. As romarias têm uma parte espiritual, litúrgica, como se queira chamar, e outra de baile e comes e bebes e divertimentos. Isto é, missa, com ou sem sermão, e arraial. Isto acontece à maneira que o Evangelho relata o Anúncio como foi realizado por Jesus. Não há volta a dar. Eu sei que há paróquias (coitadas das paróquias, mas não tenho outro termo, incluo vários tipos de comunidades) que não aceitam que a festa do orago inclua festa popular; por outro lado, há paróquias (párocos) que investem tudo no bailarico e na digestão.
Que tem isto a ver com as Jornadas Mundiais da Juventude?
Não, não ensandeci. Em Igreja tudo tem a ver com tudo.
Há pontos de contacto, pelo menos, entre a JMJ e o ICNE. O Congresso Internacional para a Nova Evangelização teve sessões em Viena 2003 (Arcebispo Shönborn), Paris 2004 (Arcebispo Lustigier), Lisboa 2005 (Patriarca Policarpo), Bruxelas 2006 (Arcebispo Daneels) e Budapeste 2007 (Arcebispo Péter Erdo).
Respondendo ao apelo do Papa João Paulo II, estes bispos-cardeais avançaram com a organização de um congresso para reflectir sobre o tema Nova Evangelização. O congresso teria 4 sessões, depois ampliadas para 5, nas cidades destes cardeais.
Não foi aberta a todo o público, não havia estrutura para tal, mas foi um conjunto de conferências, debates, celebrações.
E as cinco dioceses enviaram representantes às sessões das outras cidades participantes. Vieram participar católicos de outras dioceses e de outros países, por exemplo de Inglaterra.
Logo desde Viena, uma das acções que tiveram melhor acolhimento pelos participantes foi a abertura das portas das igrejas, em alguns casos 24 horas por dia. Os congressistas insistiram que fosse uma conclusão do Congresso precisamente o alargamento do período das portas das igrejas, dos locais de culto público. E que abrissem as portas em igrejas em maior número. Este anseio não foi apenas constatado na Áustria, mas em todas as sessões do Congresso. Não obstante, sendo praticamente o único pedido dos congressistas, os solícitos cardeais a responder à solicitação do Papa, não deram cumprimento, de modo nenhum, a esse pedido.
O Congresso valeu para mim pelo contacto que tive com pessoas de outras culturas mas que estavam unidas na mesma fé e com as mesmas ambições: construir uma Nova Evangelização, pela participação conjunta em celebrações e encontros pastorais. Mais nada. O Congresso acabou e quando acabou: Ponto final. Perante a solicitação de outras dioceses europeias para darem continuidade ao Congresso nas suas cidades, os quatro cardeais que já tinham acolhido Budapeste, não acederam a dar continuidade ao ICNE.
Estive numa reunião preparatória do Jubileu dos Acólitos em Lisboa, onde os representantes dos acólitos das várias paróquias manifestaram o desejo de ir em procissão, ou marcha, do centro da cidade até ao Jerónimos, dando testemunho público. E outras iniciativas. O padre do Patriarcado responsável pelo sector dos acólitos, e hoje juiz, não autorizou porque “sabia” que depois não aparecia ninguém da parte dos acólitos e o sector ia fazer má figura. Não obstante os presidentes das associações de acólitos, ou outros representantes presentes, se comprometerem a assumir as responsabilidades inerentes. Que Deus perdoe. Aconteceu como na situação que relato do travão que os cardeais puseram ao prosseguimento do ICNE.
Se dava muito trabalho aos já idosos cardeais, se dava muito trabalho ao tal padre do sector da liturgia, orientarem o seguimento do ICNE ou a manifestação dos acólitos, que passassem a tarefa a outros.
As JMJ são importantes. São um marco na vida de quem participa. Falo pela experiência do que presenciei. Mas podem sufocar.
Um jovem meu familiar esteve como voluntário responsável num local de acolhimento de peregrinos em Lisboa. Algumas dezenas de jovens. Que vieram de longe. A relação estabelecida foi de tal ordem, que ele está a receber correspondência, electrónica, claro, convidando-o a ir às Ilhas Maurícias como visita desses que estiveram aqui como peregrinos. Convidam-no a ele para ficar nas casas de família deles. Fomos capazes de receber tão bem, que querem retribuir, não pagar, mas manter o elo criado. Convidam o jovem e a família. Claro que uma viagem, ou n viagens, às Maurícias é caro e as famílias podem não se sentir à vontade para embarcar na aventura.
E dentro da diocese de Lisboa? O Bispo responsável, já era. As comissões cumpriram as suas tarefas e dissolveram-se. A Jornada, ou como dizem noutras línguas o Dia Mundial da Juventude, parece não ir passar lde um Arraial, muito marcante. Ponto.
Pode argumentar-se que São João Paulo II lançou a ideia de uma Jornada, ou um Dia, sem ambições de continuidade. Pode argumentar-se o que se quiser. O Papa nunca pensou que em 1986 aparecessem tantos jovens em Roma. E que aumentassem daquela maneira nas Jornadas seguintes até atingir participações de 4 ou 6 milhões. Pois… nem São Paulo imaginou a repercussão das suas cartas, e os outros Apóstolos e missionários ao longo dos tempos, que chegássemos onde estamos, numa Igreja viva, cada vez mais viva, talvez menos vistosa, menos poderosa, mas onde só está quem quer e disponível a uma doação que pode ser contida ou explorada.
As JMJ Lisboa não têm que ser como a Feira de Sevilha, já têm exemplo a seguir, podem ser como a EXPO 98.
Ainda é cedo, e sei que estou em desacordo com muitos, para fazer avaliações, menos ainda avaliações profundas.
Na loja, ao fim do dia faz-se o caixa, isto é lança-se numa folha de papel a relação de dinheiro que entrou e a do dinheiro que saiu. Mas isso nada conta para saber a saúde da empresa. Interessa saber ao fim do mês qual é a conta de ganhos e perdas. Mais, o balanço é feito no final do ano, para saber se os lucros, se o saldo, é positivo ou negativo. Mas é preciso ter em ordem o caixa feito diariamente. Esta avaliação já é necessária, mas só para não nos desorientarmos. Uma semana depois de terminar a JMJ ouvi uma entrevista na televisão em que o jornalista perguntava com insistência e entusiasmo qual era a programação de espectáculos ou actividades que já havia para o denominado altar-palco. Curiosidade jornalística ou tentativa de apanhar em falso quem ainda não tinha feito a “devida” programação? Por essa altura, havia reclamações por se ter desperdiçado comida por má logística. Nós não tínhamos formação profissional para aquilo. Ninguém tinha. O esforço de muitas pessoas, jovens e menos jovens, foi imenso. Não me apercebi que o trabalho dos voluntários ficasse para trás por causa de gadgets, jogos, namoros, farras. Houve certamente, mas em dimensão desprezível.
Foi Fernando Santos, salvo erro, que se mostrou irritado quando alguém disse: Já somos campeões, missão cumprida. Não, se somos campeões da Europa, vamos trabalhar mais para manter e aumentar a nossa posição.
Consta que D. Américo Aguiar vai para Roma organizar as próximas JMJ. Mas é importante que alguém fique em Lisboa a trabalhar no seguimento da JMJ. E tal como esta se estendeu a todo o país com as sessões preparatórias, que o país entre numa dinâmica contínua de JMJ (de Pastoral Juvenil?). Enquanto decorria a JMJ em Lisboa com o Papa, os Escuteiros faziam-lhe concorrência na Coreia do Sul num encontro mundial. Não podemos viver em concorrência, com inveja ou ciúmes. Os escuteiros da Coreia não cabiam em Lisboa e quem veio a Lisboa talvez não estivesse interessado em ir acampar para a Coreia. Dentro da Igreja vivemos em capelinhas e em disputas de interesses. Li tanto escrito a criticar as JMJ, antes e enquanto decorriam, porque eram lugares de orgias, obscenidades, de anticristos, acusações feitas pelos extremos políticos de um e de outro lado e de grupos dentro da Igreja, estes normalmente daqueles a que simpaticamente chamo apenas de saudosistas.
Há muita gente a trabalhar com jovens, muita gente a fazer bom trabalho e que tem o direito divino de ser apoiada por todos nós para o levar a cabo, porque está a servir Deus.
Este meu olhar sobre as JMJ é uma reflexão apenas. Nem isso. É um conjunto mal organizado de tópicos para uma reflexão. Não é um programa de acção. Em primeiro lugar porque ninguém reconhece ao Orlando legitimidade para o fazer.
A grande questão está em saber se querem nas próximas JMJ fazer arraiais ou romarias, se queremos como os responsáveis do ICNE manter as portas das igrejas fechadas ou abertas. E com pessoas para fazer acolhimento. Não têm que ser padres. Saber acolher não é exclusivo dos padres. E até há padres que não têm jeito para acolher.
Perto de mim há uma agência funerária com uma montra com muitas imagens de santos, para vender. Nesse tempo, as igrejas perto de mim fechavam quando os senhores padres iam para retiro, ou para férias, uma ou duas semanas. E avisavam na missa, recomendando aos fiéis que, para funerais, podiam recorrer (nós, os fiéis, a Igreja) aos padres das paróquias vizinhas. Neste ambiente, um dia deparei-me com um idoso, ajoelhado ou inclinado, diante da montra da agência funerária a rezar. Com todos aqueles santinhos, era o mais parecido com a igreja que tinha as portas fechadas.
Quando eu era mais novo pensava que podia e que ia mudar muita coisa. Num dado momento convenci-me que não vou, nem posso, nem Deus quer, porque já há Deus para isso, desisti que querer endireitar o mundo. Mas isso não é escusa para mim nem para ninguém parar de trabalhar no Anúncio da Boa Nova.
Quanto às Jornadas e a uma primeira avaliação:
1) Quem mandava realmente? D. Américo Aguiar? O Patriarca? Os eternos assessores dos sucessivos patriarcas que vão passando de Patriarca para Patriarca e controlando (mal) o Patriarcado? As entidades particulares financiadoras das JMJ?
2) Não existiu o anunciado controlo de metais. Era impossível, reconheço.
3) Aos 25 mil voluntários foi dito que não tinham espaço reservado, que se instalassem onde houvesse espaço e se chegassem os peregrinos marcados para aí, que tinham que lhes ceder o lugar.
4) Sobre a preparação dos ministros extraordinários da comunhão, depois de um período de preparação de dois anos desperdiçado, foi mal feito, em meio dia de teoria eucarística. Os doentes celíacos foram mais mal tratados que os leprosos na Jerusalém de Jesus, com informações propositadamente erradas ou super-desorganização.
5) Verificação de pessoas pelas autoridades? Foi feita na última reunião com o Papa, em Algés, em que estavam apenas os voluntários, já depois das Jornadas oficialmente encerradas. Aí, só aí, quiseram ver as malas todas abertas. Malfadadamente o espaço escolhido não chegava para os voluntários.
6) E a despesa absolutamente estúpida deste encontro num espaço da Câmara de Oeiras, porque havia um desentendimento entre o governo e o presidente da Câmara de Lisboa?
7) Como foi possível a Igreja deixar-se achincalhar e entrar na novela dos custos e lucros financeiros do empreendimento? Desde quando a Igreja defende que uma igreja se constrói para dar lucro (não obstante as missas por intenção, os funerais, a celebração de sacramentos)? Se é para isso, mais vale não construir a igreja.
8) Quanto a refeições. Uma das opções eram restaurantes dos supermercados Pingo Doce, que penso que há por toda a parte. Quem estava à espera de lucrar com aluguer de quartos, enganou-se, porque aqui imperou a hospitalidade. Quem estava à espera de vender muita cerveja, enganou-se. Foram fornecidas senhas de refeição nuns casos, mas também sacos com rações que estavam bem fornecidos e até sobraram. Algumas pessoas deitaram fora porque era muito alimento ou porque não gostavam de algumas coisas. Muitas não usaram os contentores assinalados para depositar ali as embalagens de comida de que não gostassem, porque os contentores de lixo eram poucos e começaram a usar esses contentores para embalagens de comida, para deitarem fora garrafas de água vazias e outro lixo. Já vi chefes de uma organização juvenil a comprarem num supermercado latas de comida para cães/gatos e esparguete para alimentarem o pessoal. Acho que ninguém tem queixas desse tipo das JMJ.
9) Podia ter corrido melhor, mas também podia ter corrido muito pior. Depois de tantos estranhos a esta actividade, ou antagonistas se terem pronunciado, é tempo de nós fazermos a nossa avaliação e realçarmos para fora, sempre que for com honestidade, aquilo em que fomos bons. Se tivesse aparecido apenas metade das pessoas que vieram? Já imaginaram os problemas logísticos? E tivesse vindo o dobro das pessoas, já imaginaram o problema logístico? Se pensarmos no que se passou com o Euro 2004 e a construção dos estádios, podemos dar-nos por muito satisfeitos por não fazermos parte dum desastre idêntico.
10)O Papa afirmou que foram as JMJ mais bem organizadas em que já esteve. Devemos reter essas palavras. Como antes escrevi, não para dormirmos sobre elas, mas para partirmos numa dinâmica de pastoral de Nova Evangelização.
11)Não sei se peco, mas coloco assim a questão para terminar. Então Jesus compadeceu-se daqueles milhares que o seguiram em Israel para O escutarem e alimentou-os sem ali haver comida e não havia de providenciar para estes que percorreram centenas ou milhares de quilómetros para estarem com Ele? É que Dom Américo Aguiar errou ao afirmar, quando o Papa adoeceu, que sem Papa não havia JMJ. Só se realizavam com o Papa. O Papa foi uma boa motivação, espoletou todo o movimento, mas ninguém veio adorar o Papa, mesmo os que gritaram que eram a juventude do Papa. Então e os que gritam que são do Kiko, ou do Baden Powell ou do Josemaria? Têm que ter em primeiro lugar o Jesus, não como uns ou outros desejam, mas como está no Evangelho.
12)E abram as portas das igrejas. Com misericórdia.
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