Mártires da Coreia
“Ansiosos por uma partilha
sempre maior da Fé cristã, os vossos antepassados enviaram um dos seus, em
1784, a Pequim, onde foi baptizado. Desta boa semente nasceu a primeira
comunidade cristã na Coreia, uma comunidade única na história da Igreja, pelo
facto de que foi fundada inteiramente por leigos. Esta Igreja a dar os
primeiros passos, tão jovem e mesmo assim tão forte na Fé, ergueu-se nas ondas
sucessivas de cruéis perseguições. Deste modo, em menos de um século, podia já
vangloriar-se de uns dez mil mártires. Os anos de 1791, 1801, 1827, 1839, 1846
e 1866 estão para sempre marcados com o sagrado sangue dos mártires e gravados
nos vossos corações” – da homilia de Sua Santidade João Paulo II, na
cerimónia de canonização de André Kim, Paulo Chong e 101 companheiros, a 6 de
Maio de 1984, na cidade de Seul, na Coreia.
Desde que Jesus enviou os seus discípulos irem por todo o
mundo, anunciando o Evangelho, para que as gentes de todas nações possam
converter-se e receber o Baptismo, é isso mesmo que tem acontecido.
Excepto na Coreia.
Na Coreia aconteceu quase tudo ao contrário. Não houve
missionários para anunciar o Evangelho. Essa tarefa foi confiada à acção do
Espírito Santo e de alguns homens de coração aberto e generoso, ansiosos por
encontrar Deus.
O coreano Lee Sung-hoon leva, mais ou menos por aços, da
China para a Coreia, alguns livros sobre o cristianismo. Os académicos coreanos
fazem então a comparação entre os preceitos cristãos e os do confucionismo ou
do neo-confucionismo, que era a religião/filosofia tradicionais da Coreia. Lee
Sung-hoon, de volta à China, pede e recebe, o baptismo, em Pequim. Ao
aperceberem-se da generosidade que Jesus anuncia e de que dá testemunho, da sua
promessa do Reino dos Céus, os académicos coreanos apaixonam-se de tal maneira
pelo cristianismo, melhor, pela pessoa de Jesus Cristo Senhor, que
espontaneamente começam a falar às pessoas desta religião, desta fé. A Igreja
na Coreia começa assim a edificar-se, de uma forma bastante incaracterística.
Os que estudam os livros catequizam os outros. Os que acreditam, são
baptizados. As práticas religiosas tradicionais, como o culto dos antepassados,
são postas de parte. Tentam viver em comunidade, quase como os primeiros
cristãos, conforme vem relatado no livro dos Actos dos Apóstolos. Escrevem
livros sobre a Fé cristã em alfabeto coreano. Quando as autoridades se
apercebem do movimento subversivo, iniciam-se as perseguições. A razão para
estas perseguições é idêntica à dos Romanos: o medo do que é diferente, o
receio dos efeitos de que qualquer inovação possa colidir com os interesses da
classe política e social dominante. Pelo seu lado, os fiéis coreanos pedem
sacerdotes às Missões estabelecidas na China e depois directamente ao Vaticano.
Mas, por razões várias, os missionários tardam. Ou adoecem, ou são impedidos de
entrar no país, cujos governantes não estão dispostos a ter contemplações com
os cristãos, querem simplesmente que aquela raça de gente com filosofias
estranhas desapareça. A expansão, entretanto, atinge uma tal dimensão que,
quando os primeiros missionários chegam, encontram uma comunidade composta já
por muitos milhares de cristãos. Em simultâneo com a conversão e a devoção dos
coreanos, sucedem-se as perseguições levadas a cabo pelas autoridades. São
dezenas de milhares de coreanos – é difícil fazer uma ideia dos números certos
– aqueles que sofrem o martírio por causa do nome de Jesus. Todavia continuam a
ser numa Igreja, onde quase só há leigos. A lista dos fiéis canonizados que se
transcreve a seguir é somente um pequeno espelho da Fé da Igreja da Coreia, que
é muito maior que o texto terá deixado perceber.
Diz o Papa João Paulo II, ainda na mesma homilia: “Os Mártires Coreanos tornaram-se testemunhas da crucificação
e da ressurreição de Cristo. Através do sacrifício das suas próprias vidas,
tornaram-se como Cristo, de um modo muito especial. As palavras do Apóstolo São
Paulo, bem poderiam ter sido proferidas por eles: Trazemos sempre no corpo os
traços da morte de Cristo, para que a vida de Cristo se possa manifestar nos
nossos corpos... Estamos sempre prontos para a morte por amor a Jesus, para que
a vida de Jesus se possa manifestar na nossa carne mortal(2Cor 4, 10-11)”.
Orlando de Carvalho, Os Santos de João Paulo II, Livro II, Edições Lusodidacta, Loures.
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