quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Mártires da Coreia

Mártires da Coreia


Ansiosos por uma partilha sempre maior da Fé cristã, os vossos antepassados enviaram um dos seus, em 1784, a Pequim, onde foi baptizado. Desta boa semente nasceu a primeira comunidade cristã na Coreia, uma comunidade única na história da Igreja, pelo facto de que foi fundada inteiramente por leigos. Esta Igreja a dar os primeiros passos, tão jovem e mesmo assim tão forte na Fé, ergueu-se nas ondas sucessivas de cruéis perseguições. Deste modo, em menos de um século, podia já vangloriar-se de uns dez mil mártires. Os anos de 1791, 1801, 1827, 1839, 1846 e 1866 estão para sempre marcados com o sagrado sangue dos mártires e gravados nos vossos corações” – da homilia de Sua Santidade João Paulo II, na cerimónia de canonização de André Kim, Paulo Chong e 101 companheiros, a 6 de Maio de 1984, na cidade de Seul, na Coreia.
Desde que Jesus enviou os seus discípulos irem por todo o mundo, anunciando o Evangelho, para que as gentes de todas nações possam converter-se e receber o Baptismo, é isso mesmo que tem acontecido.
Excepto na Coreia.
Na Coreia aconteceu quase tudo ao contrário. Não houve missionários para anunciar o Evangelho. Essa tarefa foi confiada à acção do Espírito Santo e de alguns homens de coração aberto e generoso, ansiosos por encontrar Deus.
O coreano Lee Sung-hoon leva, mais ou menos por aços, da China para a Coreia, alguns livros sobre o cristianismo. Os académicos coreanos fazem então a comparação entre os preceitos cristãos e os do confucionismo ou do neo-confucionismo, que era a religião/filosofia tradicionais da Coreia. Lee Sung-hoon, de volta à China, pede e recebe, o baptismo, em Pequim. Ao aperceberem-se da generosidade que Jesus anuncia e de que dá testemunho, da sua promessa do Reino dos Céus, os académicos coreanos apaixonam-se de tal maneira pelo cristianismo, melhor, pela pessoa de Jesus Cristo Senhor, que espontaneamente começam a falar às pessoas desta religião, desta fé. A Igreja na Coreia começa assim a edificar-se, de uma forma bastante incaracterística. Os que estudam os livros catequizam os outros. Os que acreditam, são baptizados. As práticas religiosas tradicionais, como o culto dos antepassados, são postas de parte. Tentam viver em comunidade, quase como os primeiros cristãos, conforme vem relatado no livro dos Actos dos Apóstolos. Escrevem livros sobre a Fé cristã em alfabeto coreano. Quando as autoridades se apercebem do movimento subversivo, iniciam-se as perseguições. A razão para estas perseguições é idêntica à dos Romanos: o medo do que é diferente, o receio dos efeitos de que qualquer inovação possa colidir com os interesses da classe política e social dominante. Pelo seu lado, os fiéis coreanos pedem sacerdotes às Missões estabelecidas na China e depois directamente ao Vaticano. Mas, por razões várias, os missionários tardam. Ou adoecem, ou são impedidos de entrar no país, cujos governantes não estão dispostos a ter contemplações com os cristãos, querem simplesmente que aquela raça de gente com filosofias estranhas desapareça. A expansão, entretanto, atinge uma tal dimensão que, quando os primeiros missionários chegam, encontram uma comunidade composta já por muitos milhares de cristãos. Em simultâneo com a conversão e a devoção dos coreanos, sucedem-se as perseguições levadas a cabo pelas autoridades. São dezenas de milhares de coreanos – é difícil fazer uma ideia dos números certos – aqueles que sofrem o martírio por causa do nome de Jesus. Todavia continuam a ser numa Igreja, onde quase só há leigos. A lista dos fiéis canonizados que se transcreve a seguir é somente um pequeno espelho da Fé da Igreja da Coreia, que é muito maior que o texto terá deixado perceber.

Diz o Papa João Paulo II, ainda na mesma homilia: “Os Mártires Coreanos tornaram-se testemunhas da crucificação e da ressurreição de Cristo. Através do sacrifício das suas próprias vidas, tornaram-se como Cristo, de um modo muito especial. As palavras do Apóstolo São Paulo, bem poderiam ter sido proferidas por eles: Trazemos sempre no corpo os traços da morte de Cristo, para que a vida de Cristo se possa manifestar nos nossos corpos... Estamos sempre prontos para a morte por amor a Jesus, para que a vida de Jesus se possa manifestar na nossa carne mortal(2Cor 4, 10-11)”.

Orlando de Carvalho, Os Santos de João Paulo II, Livro II, Edições Lusodidacta, Loures.

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