O Santuário de Fátima é um lugar sagrado. Ao ser declarado santuário, é como se o chão que lá pisamos fosse uma imagem, uma pós-figuração dos locais sagrados que a Sagrada Escritura refere. O lugar onde Moisés encontra a sarça ardente e recebe a ordem para se descalçar.
Hoje já entramos no recinto de calções. Sem maldade. Já lá vão os tempos em que o padre Teodoro afirmava do presbitério da Igreja de São João de Deus, em Lisboa, que não se opunha a que os homens fossem à missa, em mangas de camisa, sem gravata, quando também fossem autorizados a ir nesse preparo aos espectáculos ao Teatro Nacional de S. Carlos.
Por outro lado, parece que a facilidade dos transportes permite que cada vez mais pessoas de terras mais diversas e mais distantes estejam permanentemente em Fátima.
A Reitoria e a diocese procuraram responder a esta maior 'procura', oferecendo aos peregrinos melhores condições de permanência e de passagem. O que foi nítido. Já não é a diocese que resolve esses assuntos mas a CEP, porém as alterações e melhorias a que me refiro são do tempo em que o Santuário estava ainda na esfera da diocese.
Alguém se queixava, há pouco tempo, de uma certa intelectualidade e elitismo que não iam ao encontro da massa anónima de peregrinos, milhões sem formação teológica, que de modo especial, afirmava-se então, não acompanhavam as homilias por dificuldade em as entenderem.
Eu que já andava a notar algumas anomalias no normal funcionamento do Santuário, olhei mais atentamente para várias questões.
Num terço, na Capelinha, presidido pelo Reitor (a distância não me permite afirmar peremptoriamente que era ele, mas era), a atenção (a minha e de alguns que me acompanhavam, pelo menos) ficou centrada na espectacularidade daquele senhor. Dirigia os cânticos da assembleia gesticulando com uma intensidade completamente despropositada e mexia os lábios como se estivesse a cantar com o coro, mas não estava a cantar; era apenas show.
Assisti a várias missas no recinto em que se anuncia que a bênção dos objectos religiosos está subentendida na bênção final aos fiéis. Nem questiono a teologia da situação. Uma boa percentagem das pessoas nem ouve o anúncio de modo perceptível desta bênção. Provavelmente pedirá nova bênção ao seu pároco ao regressar a casa, ou queixar-se-à que 'deixaram de benzer os objectos religiosos', em Fátima.
As queixas de interrogatórios despropositados sobre sexo de padres nos confessionários... admitamos que não passou de azar com os padres que as pessoas em causa apanharam.
Na distribuição da comunhão, no recinto, ao lado de padres que depositam o pão eucarístico na boca ou na mão, conforme o fiel solicita, vão aparecendo padres impositivos - na mesma missa, quase lado a lado - que chegam ao ponto de gritar a quem estende a mão: Na boca! Ninguém tem o direito de agir, na distribuição de Nosso Senhor, de modo a criar frieza no coração do comungante. Certamente não se trata de instruções da Reitoria, neste caso, e talvez noutros acima referidos, uma vez que se o fosse, a maior parte dos padres estaria a não ligar às instruções recebidas.
Mas se assim for, a Reitoria deve dar instruções no sentido de não acontecerem situações desagradáveis que não parecem contribuir para o bem dos fiéis nem da maior glória de Deus.
Os belos parques onde os peregrinos 'assentavam arraiais', provavelmente como Maria e José o faziam quando iam a Jerusalém com o seu Menino, estão a ser destruídos. Os chafarizes fugiram. A chão transformou-se numa grande espessura de poeira que cobre os peregrinos que estão nas mesas. Provavelmente, um dia destes fogem as mesas. O parque ao lado do Centro Paulo VI é paradigmático. As árvores e os arbustos mudaram de cor. E o argumento de que sempre assim foi será falso. Porque eu conheço relativamente bem Fátima há décadas, sobre diversos pontos de vista.
O edifício, cuja construção há anos estava parada, porque as janelas davam directamente sobre o recinto, finalmente teve autorização para continuar.
Estive a ver as coisas pelo lado pior propositadamente. Por isso, não estou contra o Santuário, a Reitoria, à partida, mas a registar situações desagradáveis. Porque os fiéis podem não ter sido bem instruídos em teologia, mas não são estúpidos.
Uma senhora começou a rezar o terço, de joelhos, no círculo menor, mais junto à Capelinha. Acompanhavam-na 4 ou 5 crianças. Há quem goste, há quem não goste. Mas o ar de reprovação de umas freiras presentes foi triste. Quem vai a Fátima, vai por causa dos Pastorinhos que ofereciam sacrifícios. Aquelas crianças não estavam nas lojas de artigos religiosos a comprar budas nem shivas, nem levavam na mão revistas duvidosas. Estavam a imitar os Pastorinhos. Quem sabe se a oferecer o seu sacrifício por um amigo, ou familiar fadado pelos médicos para morrer de algum cancro.
Há muitos pormenores, além destes. que muitas pessoas que peregrinam há décadas a Fátima se poderão aperceber. Algumas, penso que poucas, estão a sentir-se mal, outras notam, mas ficam indiferentes e deixam andar (até quando), outras entregues à contemplação não dão por nada, mas se levarem consigo outras pessoas, estas poderão não se sentir acolhidas, pelo próprio ambiente de Santuário, como eu mesmo já me senti.
Pessoas do leste europeu, não concretizo para não acusar injustamente alguém por via de alguma generalização que fosse feita, a distribuírem durante a Homilia e antes do Ofertório, cartões a pedirem dinheiro, e passarem mais para o fim da Homilia para receberem de volta o cartão e o dinheiro que algumas pessoas davam.
Mantenha-se a dignidade do Santuário de Nossa Senhora do Rosário de Fátima. Não fiquemos à espera que os peregrinos mudem o seu rumo para outro lugar noutro país.
Nossa Senhora veio a Fátima confiar-se ao nosso acolhimento e devoção. Não a entristeçamos.
Orlando de Carvalho
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