quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Maria Clementina Nangapeta

A evangelização ad gentes caminhou muitas vezes a par da colonização. Por causa das colonizações e das descolonizações muitas pessoas sofreram, de ambos os lados. Cristo pede-nos que continuemos a nossa peregrinação neste mundo e que o nosso olhar sobre o passado sirva preferencialmente para nos ajudar a tomar as opções mais correctas no futuro, que recriminar e apontar o dedo aos que agiram mal com um sentimento, mesmo que subliminar, de vingança, ou mesmo apenas de castigo.





Em Dezembro de 1939, em Wamba, no então Zaire, actual República Democrática do Congo, nasceu uma menina. Os pais eram pagãos e deram-lhe o nome de Nangapeta. Ao ir para a escola, a menina foi registada por engano – trocaram-lhe o nome com o da sua irmã – como Anuarita. Ao converter-se a Cristo, foi baptizada e recebeu o nome de Afonsina. Ainda jovem entra na Congregação belga das Irmãs da Sagrada Família e recebe o nome de Maria Clementina. Maria Clementina Nangapeta viveu a maior parte da sua vida na Congregação, ocupando-se com a educação das crianças e como sacristã. Em 1961 inicia-se a guerra da independência do Zaire, até então colónia belga, que decorre de maneira muito sangrenta. Há um grito contra os brancos, em geral, mas há também gritos de guerra entre tribos de negros. Maria Clementina não recebeu uma grande instrução escolar, mas tinha uma vida espiritual cheia, conhecia os fundamentos da sua fé católica e amava com o coração. Cumpria as tarefas que lhe estavam cometidas com diligência e amor. Com a resposta belga, lançando pára-quedistas em 1964, começa uma grande carnificina com o objectivo de eliminar os brancos e aqueles que com eles estivessem relacionados. Maria Clementina tinha dificuldade em entender ou alinhar em jogos de política.
Para ela era claro o que estava mal e o que estava bem.
Quando achava que as coisas não estavam correctas, pedia licença, dava a sua opinião, mas não se mantinha em discussões fúteis. A 29 de Novembro de 1964 é presa pelos rebeldes Simba, juntamente com outras freiras da congregação e são transportadas num camião a Isiro. Na noite do dia 1 de Dezembro, o coronel Olombé exige à madre superiora uma rapariga para si. É neste cenário de guerra e terror que calha ao coronel Olombé a Irmã Maria Clementina. Enganaram-se os que pensaram que ela não passava de uma jovem negra, inculta, sem o pudor que devia ter por base uma verdadeira educação desde a mais tenra idade, enganaram-se porque para Deus não há raças: Deus tem “uns óculos” que não lhe permitem ver a cor da pele dos homens. Deus vê e ama todos por igual. Ele estava
no coração de Maria Clementina. Quando Jesus diz que o que fizerdes a um dos mais pequeninos é a Mim que o fazeis, Ele está mesmo a falar a sério. O coronel Olombé quis agarrar a sua garota, queria usá-la como objecto de prazer sexual, como tantas vezes acontece ao longo da história, em especial perante cenários de guerra. Energicamente Maria Clementina, com o coração cheio de coragem e de Jesus, berra com toda a clareza: “Não quero, não quero, escolho antes a morte que ser tua” e como parecia que o selvagem não estava a entender bem, ela explicou melhor:

“Prefiro morrer a cometer o pecado”. Incrédulo, vermelho de raiva, por não estar a satisfazer os seus propósitos, por estar a sentir-se tão humilhado na sua virilidade (embora apenas a sua arrogância machista e os seus sentimentos animalescos estivessem a ser humilhados), o bandido apunhala a jovem, que com vinte e cinco anos se prepara para embranquecer o seu hábito, lavando-o no sangue do Cordeiro. Depois dispara sobre ela a pistola. Tudo está quase consumado. Mas a cena prolonga-se ainda um pouco mais, o Senhor ainda espera mais de Maria Clementina.
E ela corresponde. Fazendo apelo à poucas forças que já lhe restam, ela dirige-se ao seu carniceiro. Escrevemos assim, para dar uma ideia do que se passou, mas, respeitando os sentimentos da Beata Clementina, que com este simples relato já estamos a venerar, devíamos chamar de irmão muito carente de orações. Ela disse antes de expirar: “Perdoo-te! Não te deste conta do que estavas a fazer! O Pai te perdoe!” Esta reacção assim tão rápida e espontânea de alguém, num momento destes, não pode ser encenada, estudada para dizer nestas alturas, porque ninguém se lembra do que estudou para dizer em semelhante situação. Estas palavras de perdão não podem ser mais que o coração da jovem mártir a exteriorizar toda a bondade e generosidade acumuladas dentro de si e de que vai passar a dispor ainda com maior abundância, porque está prestes a unir-se à Fonte do Amor.
Louvado seja Deus por permitir que a vida na terra seja alegrada por estes “anjos” que vão convivendo connosco no dia-a-dia e fazendo brilhar para nós a Luz de Cristo.
Maria Clementina foi mártir para conservar a pureza do seu corpo, habitação do Espírito Santo. Sua Santidade João Paulo II declarou-a Beata da Igreja a 15 de Agosto de 1985, numa bela e concorrida celebração em Kinshasa, durante uma longa viagem apostólica a diversos países africanos, num percurso que ultrapassou vinte e cinco mil quilómetros.

Orlando de Carvalho, Os Santos de João Paulo II, Livro II, Edições Lusodidacta, Loures.

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