Foi publicada uma síntese das reflexões feitas nas comunidades do Patriarcado sobre a primeira parte da exortação Evagelii Gaudium, realizadas entre Outubro e Dezembro de 2014. Transcrevemos*.
O primeiro capítulo da Exortação
Apostólica Evangelii Gaudium foi lido e meditado por vários milhares
de pessoas do Patriarcado de Lisboa no âmbito da caminhada sinodal encetada em
Outubro de 2014, rumo ao Sínodo Diocesano a realizar no ano de 2016. A presente
síntese do relatório final do primeiro trimestre pretende apresentar as linhas
gerais que foram reflectidas.
1. Constatações
As constatações dividem-se entre
externas e internas, reflectindo, as primeiras, o olhar dos cristãos sobre o
mundo e, as segundas, a auto-analise dos fiéis cristãos em relação à própria
Igreja, em vários níveis.
Do ponto de vista das constatações
externas, a reflexão identificou muitos aspectos que marcam o mundo dos nossos
dias, mundo esse em que todos os cristãos estão envolvidos e de que
fazem parte. Por um lado, identificaram-se aqueles aspectos que marcam as
pessoas e a sociedade de uma forma mais negativa: o materialismo, o
relativismo, a existência de preconceitos, o indiferentismo, o consumismo, o
individualismo (e correlativamente a solidão), a ausência da questão sobre
Deus, desconfiança generalizada quer em relação aos indivíduos quer em relação
às instituições (incluídas nestas o Estado, a própria Igreja, mas também as instituições
de base como o casamento e a família). Por outro lado, também se identificaram
sinais positivos que surgem no mundo: procura da fraternidade, da interajuda,
várias formas de voluntariado, sede de vida espiritual. Neste sentido, teve bastante
relevo a leitura que os cristãos fizeram sobre os problemas sociais e culturais
que se vivem no Patriarcado de Lisboa, nomeadamente as questões postas por uma
sociedade plural, constituída por pessoas de diversas proveniências, e ainda as
questões sociais mais prementes, relacionadas sobretudo com as pessoas mais fragilizadas,
nomeadamente os idosos. Uma palavra central nesta reflexão foi a «desumanização»,
sensibilidade que percorre todos os sectores da sociedade.
Quando os cristãos dirigiram o olhar
para si mesmos e para a Igreja como todo, assinalaram uma falta de fé
generalizada e um desajuste muito grande entre aquilo que a Igreja ensina e a
vida concreta dos baptizados. Outros aspectos assinalados visaram uma auto-reflexão
ao estilo de exame de consciência, assinalando-se a facilidade para a crítica
gratuita, a falta de disponibilidade para a correcção fraterna, a facilidade em
fazerem-se juízos de valor sobre as pessoas e, ainda, uma forte tendência
legalista e moralista. Referiu-se ainda a falta de conhecimento da Bíblia.
Identificaram-se também algumas dificuldades
de forma objectiva em relação à capacidade de partir em missão: a falta de
conhecimento sobre o modo de anunciar, a acomodação, o medo de ir só, o
descrédito dos resultados, a falta de consciência da necessidade da
evangelização e a indiferença. Como pano de fundo, muitas respostas
identificaram a mundanidade, tal como descrita pelo Papa, como um dos aspectos
marcantes da vida eclesial. Neste sentido, referiu-se ainda a dificuldade em transpor
a mensagem cristã para o dia-a-dia e para os problemas de hoje.
Por outro lado, constatou-se ainda que
a Paróquia continua a ser o grande campo de trabalho pastoral, com todos os
desafios e apelos que isso traz, reconhecendo-se ainda a grande vitalidade dos
movimentos para a Igreja de hoje.
Uma grande parte das respostas visava a
necessidade de articulação entre estas duas realidades (paróquia e movimentos).
O âmbito diocesano também foi visado na reflexão dos cristãos de Lisboa, sendo
referido como essencial mas como realidade ainda a construir e a desenvolver.
2. Desafios
Os desafios foram analisados a partir
das três funções principais da Igreja: a função sacerdotal; a função profética
e a função real.
Do ponto de vista da função sacerdotal,
onde se incluíram dimensões como a liturgia, a espiritualidade e os sacramentos,
as respostas visaram vários aspectos, sendo de destacar a necessidade de uma
formação espiritual mais profunda dos leigos, o que só se conseguirá com uma
formação espiritual grande dos padres; a importância da confissão e a
necessidade de ser disponibilizado mais tempo para este sacramento; a
necessidade de se aplicarem de forma igual os critérios para a administração
dos sacramentos, acabando com as disparidades de paróquia para paróquia.
O principal desafio colocado na função
profética da Igreja é a sua renovação, rumo a um anúncio mais completo e
abrangente de toda a vida das pessoas, e assim menos polarizado em poucos
aspectos que por sua vez são absolutizados. Neste sentido, indicou-se também uma
necessidade de renovação na comunicação eclesial, quer ao nível dos conteúdos,
quer do vocabulário, assim como a sua adequação aos destinatários. Neste campo
tem muita importância a utilização das novas tecnologias, que devem ser
aproveitadas como veículos de evangelização.
Este aspecto foi assinalado a respeito,
muito especialmente, da catequese. Por outro lado, as respostas dadas na
caminhada sinodal indicaram a necessidade de acabar com homilias mal
preparadas, quer por serem improvisadas, ou de fraca qualidade espiritual, mas
também demasiado longas e imperceptíveis. Identificou-se ainda uma grande
necessidade de um «primeiro anúncio» em muitas paróquias, ao qual devem estar
articuladas estruturas que sirvam de garantia e sustento para a vivência daqueles
que escutaram o apelo do Senhor. Por fim, identificou-se também a grande necessidade
de fazer das igrejas espaços de acolhimento de todas as pessoas.
No âmbito da função real da Igreja,
assinalou-se, de forma geral, a necessidade de uma maior proximidade dos padres
às comunidades, realizando pontes entre os vários grupos da paróquia ou mesmo a
nível inter-paroquial. Identificaram-se também muitos desafios na pastoral
familiar (nomeadamente na preparação para o matrimónio e na pastoral de pessoas
em situação irregular), na pastoral social (especialmente sobre o modo de a
tornar lugar de evangelização), na pastoral da saúde (sobretudo sobre o modo de
integrar os doentes na vida eclesial),na administração paroquial (de modo
particular a necessidade de integração dos leigos), entre muitas outras
dimensões da vida eclesial.
* Corrigimos gralhas sintácticas e eliminámos as adaptações que o texto tem originalmente ao malfadado Acordo Ortográfico. A Igreja é normalmente um depósito cultural.
Orlando de Carvalho