Domingo de Ramos, celebramos a
entrada festiva e triunfal de Jesus em Jerusalém. Todos queriam vê-lO, tocá-lO,
gritar o seu ‘estou conTigo’, Amém, Aleluia, Hossana. Jesus conhecia os seus
corações e distinguia os sinceros, os falsos que só estavam a ver onde paravam
as modas e os que estavam ali porque todos os outros também iam.
Domingo de Ramos, muitos doentes
entraram em hospitais, para a urgência ou para internamento. Para alguns foi
também a sua entrada na ‘cidade’ para onde tinha sido projectado o seu encontro
com a morte, o seu Calvário em Jerusalém. A caminhada final ao encontro do
Criador.
Quinta-feira Santa, os católicos
comemoram a Ceia onde Jesus definiu a primeira missa: serviço aos irmãos, bem
explícito na lavagem dos pés, e na mais alta doação: comei o meu corpo e bebei
o meu sangue. Assim aconteceu e continua a acontecer. Comemos o seu Corpo e
bebemos o seu Sangue, embora nem sempre isso seja por nós digerido, mas apenas
expelido: não recolhemos no Corpo e no Sangue do Senhor a Força do Espírito que
nos impeliria ao serviço dos irmãos, dos mais pobres, dos mais frágeis, dos que
habitam connosco a mesma casa.
Sexta-feira Santa, comemoramos a
morte de Jesus. Numa solidão aterradoramente triste, despojado de roupas, de
amigos (Ah! Os de Domingo de Ramos, onde estão?), Cristo sofre tão sozinho que
já nem sabe se o Pai o abandonou ou virá finalmente buscá-lO. No mesmo dia,
percorremos o caminho sofredor de Jesus, em vergonha e humilhação pública,
derrotado por todos os seus opositores religiosos e, principalmente, políticos
(muitos preferem esquecer que Jesus foi essencialmente um homem político,
porque a religião já existia), vergado sob o peso da cruz, dos insultos, das
cuspidelas e agressões gratuitas de tantos cobardes judeus (hoje são os
cristãos que cumprem esse ritual de cobardia), os que não conseguiram vencê-lo
no contraditório de tantas discussões, apressam-se a dar largas ao seu espírito
vingativo: desce da cruz, ó farrabotas, enganador, mentiroso: não tens poder
algum, arremessam em vã acusação.
E nós cristãos, participamos nas
celebrações com dignidade ritual ou com espírito dócil? Alguns percorremos as
ruas em via-sacra e escutamos insultos. Não gostamos, mas isso também faz
parte, os que Ele ouviu foram muito maiores.
Penso em Jesus, sozinho naquele
momento e pela minha mente passam tantos filhos de Deus que me parecem Jesus,
que tenho dificuldade em distinguir entre eles e Jesus. O Pedro está sozinho em
casa, a mulher abandonou-o e o filho também não está lá. Como este, também o
José, a Matilde, a Rosa… Pais e mães de família, separados das famílias que
passam estes dias de celebração, religiosa para uns e de férias para outros,
sozinhos. Penso em tantos doentes hospitalizados, em sofrimento, a morrer, sem
família ou amigos que os visitem ou sem família ou amigos, de todo. Tantos
doentes e tantos idosos, internados em lares, com as famílias bem longe a
passarem uns dias de descanso, e eles nos lares a percorrerem mais uma estação
da sua via-sacra. Penso em tantos migrantes, longe das famílias, dos lares, das
tradições e cultura deixados para trás, lá longe. Penso em tantos condutores
estúpidos que morrem e matam, os que vão com eles no carro e estranhos do outro
carro envolvido à força no acidente; de que serve comentar depois que foi um
acidente estúpido, se a estupidez foi de quem não foi prudente?
Penso que se Jesus quisesse
voltar e viver tudo outra vez… o Pai não permitiria. Um e Outro, por amor,
estariam dispostos a essa kenosis, a essa humilhação de descida do Céu à terra,
à dor da cruz e à de ver o Filho morrer. Mas questionam-se: para quê? Que mais
haverá para mostrar que os convença. Ainda assim, Cristo encarna todos os dias
diante de nós, e mostramos então que somos muito piores que os judeus e os
romanos. Pois que foi Óscar Romero, senão imagem de Cristo ao encontro dos que
o mataram? Primeiro tentaram comprar os guardas, a imprensa, para que não fosse
divulgada a verdade do assassinato. Tentaram mesmo calar o papa. Depois,
adoptaram a máxima ‘se não podes lutar contra eles, junta-te a eles’. Hoje, ‘sabemos’,
tentam convencer-nos, que ‘todos’ os grupos políticos, mesmo que alguns
disfarçados de religiosos, de esquerda e de direita, sempre apoiaram D. Óscar e
sempre dele receberam apoio. E são aqueles que o mataram, que não têm vergonha
na cara e tentam agora tirar proveito do seu assassinato, fazendo-se de vítimas
e amigos do mártir. Não há outra dificuldade em citar mil casos como o de Óscar
Romero, através do qual podemos ver o anúncio do Reino e a paixão de Cristo,
que a do tempo e espaço para escrever todas essas histórias dos nossos dias
presentes.
Escrevo em manhã de Sábado Santo.
A celebração da Ressurreição, Vigília e Domingo de Páscoa, vai ser já daqui a
poucas horas. O Céu rejubilaria se todos quiséssemos ressuscitar, como o filho
pródigo. Rejubilará com os que percorrerem essa via, não obstante os filhos
mais bem instalados na vida e as suas críticas, enaltecendo o pecado de cada
filho pródigo e fazendo vista grossa às suas virtudes, à sua conversão: como
pode um pecador ocupar o lugar que o Pai lhe reservou desde o início dos tempos,
interrogam-se. Excluamo-lo, deliberam.
Será mais uma Páscoa, como tantas
outras. Cada um de nós terá a oportunidade de ressuscitar com Cristo ou
permanecer nos abismos infernais. Eu e tu. Depende cada um de si.
Orlando de Carvalho
Texto MAGNÍFICO!
ResponderEliminarMARAVILHOSO E INSPIRADO TEXTO, INTERPELANTE E DESQUESTIONARAFIANTE, PARA QUEM, AO LER, SE DEIXA TOCAR E QUESTIONAR...
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