domingo, 28 de fevereiro de 2016

Adopção e Egoísmo




As comunidades básicas africanas e europeias são diferentes. As diferenças culturais são muito mais que a pigmentação da pele e outras características anatómicas e fisiológicas. Todas as pessoas são igualmente criadas e amadas por Deus Criador e o direito reconhece a todos a igualdade em direitos e deveres. Mas, logo nesse reconhecimento, ao contrário da Bíblia judaico-cristã, que afirma que Deus os criou homem e mulher, a Declaração Universal é dos Direitos do Homem! No masculino.
A cultura de um povo, a sua alma, tem a ver com o clima, com a disponibilidade de alimentos e outros factores intrínsecos ao local que habita. Mesmo os nómadas estão adaptados à imprevisibilidade e variabilidade destes factores.
Os africanos têm um ritmo diferente dos europeus que se revela nos gostos e nas interpretações musicais.
Povos diferentes têm conceitos diversos acerca do valor da vida.
Na Europa uma criança órfã é um peso para a sociedade. Actualmente há sistemas de segurança social e apoio à infância que se substituem aos pais naturais em caso de morte ou de impossibilidade de exercerem as suas obrigações. Ainda assim, trata-se de processos muitas vezes morosos e complexos. Se há dinheiro envolvido, é fácil dentro da família tratar da adopção, mas quando não é o caso, tudo se pode tornar mais difícil. E a adopção é um processo parcial, nem sempre honesto relativamente à criança desamparada. Quem quer adoptar uma criança deficiente? Ou um grupo de quatro irmãos? Não obstante os casos daqueles que acham muita graça adoptar uma criança preta ou asiática…, apenas pela graça de exibição. O processo é desonesto do ponto de vista da criança quando os adoptantes e as comissões de adopção acabam por usar e permitir o uso de métodos eugénicos: adopção dos mais bonitos, dos mais perfeitos, exclusão dos feios e imperfeitos.
Em África, e temos de olhar para as comunidades de base, as tribos em África, as aldeias na Europa dos séculos passados, a questão da adopção não existia. A família era a tribo e cada família era grande. Os órfãos ficavam naturalmente com um tio, ou um irmão que já tivesse constituído família.
Estas foram as regras gerais e maioritariamente seguidas. Na actualidade, quase não há aldeias na Europa e em África é enorme a quantidade de órfãos originados pela ganância de africanos corrompidos e vendidos aos interesses dos estrangeiros que melhor os subornam e originados pelos interesses das potências económicas e políticas estrangeiras que mergulharam o continente em imensa guerra global. Os dados culturais alteraram-se. A memória do povo esvai-se.
Quando ouvimos falar no direito à adopção, há razão para ficarmos atónitos. Ouvimos esta expressão incrível a propósito do direito à adopção por pares homossexuais. Direito! Direito? Que direito?
Nunca se ouvira falar no direito das pessoas adoptarem, porque isso não é um direito. Aliás, como nunca se consagrou o direito a ter filhos, ser pai ou ser mãe. Porque são coisas da Natureza que podem suceder ou não. Mas também se fala do direito a ser mãe ou pai, não do prazer em sê-lo, mas do direito. Como se os doentes tivessem direito a serem pessoas sãs. Só mentes distorcidas ou mal formadas ou mal informadas podem falar em direitos nestas situações em que nos referimos à precariedade e imprevisibilidade da vida. Todo o ser humano terá direito a cuidados de saúde (amar o próximo), mas a não adoecer…
O direito à adopção existe, de facto, mas à maneira das tais sociedades africanas. A criança órfã ou sem pais capazes tem o direito a ser acolhida. Em primeiro lugar por familiares próximos, depois pela comunidade. Nenhum homem, nenhuma mulher, nenhum casal tem direito a que se inventem crianças para eles adoptarem.
A adopção é um direito da criança, não um direito de adulto algum. A Declaração dos Direitos da Criança, promulgada pela ONU, refere que “A sociedade e as autoridades públicas têm o dever de cuidar especialmente das crianças sem família e das que careçam de meios de subsistência”. Não existe no texto palavra alguma com o étimo de “adopção”.
Mais importante ainda é o facto de a existência das duas situações reconhecidas como “direito” é inconciliável. O direito da criança a ser adoptada e o direito do adulto a adoptar. Mais ainda quando o adulto quer ser pai ou mãe como se fosse ao supermercado comprar uma garrafa de whiskey que pode beber, devolver ou trocar, como se comprasse um carro de luxo para exibir aos amigos, como se adquirisse uma casa onde pudesse desfrutar de conforto para a vida. Até ao alvor do século XX, as crianças não era ainda consideradas pessoas no sentido jurídico da palavra, não tinham direito de pessoas adultas, nem específicos de crianças. Tal como as pessoas de pele escura e as mulheres, eram em muitos casos mão-de-obra barata e nada mais que isso. Esta situação tende a repetir-se em moldes de aparência benemérita ou de direito com a legislação e a propaganda que os progressistas do costume, isto é, os falsos progressistas, que apenas são capazes de olhar para o seu umbigo, estão a desenvolver.
Augusto Gil questionava Deus, mas não será que é a nós que nos devemos interrogar?
Mas as crianças, Senhor, porque lhes dais tanta dor?!… - escreveu o poeta. Eu modifico a frase: Mas as crianças, criaturas adultas, porque lhes dais tanta dor?

Orlando de Carvalho

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Celebração da Misericórdia com a Família





Celebração da Misericórdia com a Família

Proposta para celebração do Jubileu da Misericórdia com Famílias

Proclamação do Cântico da Caridade
1Cor 13,1-13

Cada pessoa acompanha a proclamação do Cântico pela Bíblia ou tem um texto impresso para si. Depois da leitura terminada, cada pessoa relê quanto precise o texto e partilha em voz alta (sem que a isso seja ninguém obrigado) diz uma frase que a tenha tocado ou de que tenha gostado mais. As partilhas não se fazem por nenhuma ordem imposta, mas espontaneamente. A mesma pessoa pode voltar a falar.
Quem orienta ou preside, no final comenta a relação entre as três virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade. Explica o final deste cântico. No Reino dos Céus, para quem lá viver, não fazem sentido a fé nem a esperança. A fé é acreditar em Deus e na vida eterna, sem provas concretas, sem prova nenhum. Simplesmente acreditar. A esperança é a virtude que torna possível esperar que se concretize aquilo em que se acredita, em que se tem fé, alcançar o Reino dos Céus e contemplar o Criador.
Ora, quem já está no Reino dos Céus, sente-o, não tem que acreditar apenas pela fé no que não conhece já, uma vez que o vive, nem tem que esperar lá chegar, porque já lá está.
Mas S. Paulo afirma que a caridade subsiste e subsistirá.
A caridade é a relação familiar que existe entre o Pai e o Filho e o Espírito Santo. A única das virtudes teologais que vai permanecer quando todos os benditos de Deus tiverem entrado no Reino dos Céus. Então, a caridade entre as pessoas da Santíssima Trindade, que nós já experimentámos e vivemos nesta vida e neste mundo, alargar-se-á de modo pleno e todos viveremos com Deus a mesma relação que existe em Deus, o amor infinito, a caridade, com as características que S. Paulo enumera e outras que agora estamos limitados para entender.

Ainda que eu falasse línguas,
as dos homens e dos anjos,
se não tivesse amor,
seria como sino ruidoso
ou como címbalo estridente.
Ainda que tivesse o dom
da profecia,
o conhecimento de todos
os mistérios e de toda a ciência;
ainda que tivesse toda a fé,
a ponto de transportar montanhas, se não tivesse amor,
nada seria.
Ainda que eu distribuísse
todos os meus bens aos famintos,
ainda que entregasse
o meu corpo às chamas,
se não tivesse amor,
nada disso me adiantaria.
O amor é paciente,
o amor é prestativo;
não é invejoso, não se ostenta,
não se incha de orgulho.
Nada faz de inconveniente,
não procura o seu próprio interesse, não se irrita,
não guarda rancor.
Não se alegra com a injustiça,
mas regozija-se com a verdade.
Tudo desculpa, tudo crê,
tudo espera, tudo suporta.
O amor jamais passará.
As profecias desaparecerão,
as línguas cessarão,
a ciência também desaparecerá.
Pois o nosso conhecimento
é limitado;
limitada é também a nossa profecia.
Mas, quando vier a perfeição,
desaparecerá o que é limitado.
Quando eu era criança,
falava como criança,
pensava como criança,
raciocinava como criança.
Depois que me tornei adulto,
deixei o que era próprio de criança.
Agora vemos como em espelho
e de maneira confusa;
mas depois veremos face a face.
Agora o meu conhecimento
é limitado,
mas depois conhecerei
como sou conhecido.
Agora, portanto,
permanecem estas três coisas:
a fé, a esperança e o amor.
A maior delas, porém, é o amor.


Carta da boa vivência Familiar
Col 3,12-21
Irmãos: Como eleitos de Deus, santos e predilectos, revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão e paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, se algum tiver razão de queixa contra outro. Tal como o Senhor vos perdoou, assim deveis fazer vós também. Acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição. Reine em vossos corações a paz de Cristo, à qual fostes chamados para formar um só corpo. E vivei em acção de graças. Habite em vós com abundância a palavra de Cristo, para vos instruirdes e aconselhardes uns aos outros com toda a sabedoria; e com salmos, hinos e cânticos inspirados, cantai de todo o coração a Deus a vossa gratidão. E tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras, seja tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças, por Ele, a Deus Pai. Esposas, sede submissas aos vossos maridos, como convém no Senhor. Maridos, amai as vossas esposas e não as trateis com aspereza. Filhos, obedecei em tudo a vossos pais, porque isto agrada ao Senhor. Pais, não exaspereis os vossos filhos, para que não caiam em desânimo.

Jogral

(Todos) - Como eleito de Deus, santo e predilecto, e neste Ano Jubilar da Misericórdia comprometo-me a revestir-me de sentimentos de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão e paciência, assim Deus me ajude.

(Maridos) – Senhor, ajuda-me a suportar as fraquezas da minha esposa e dos meus filhos e a perdoar, sem ressentimento, as razões de queixa que eu tenha.
(Esposas) – Senhor, ajuda-me a suportar as fraquezas do meu marido e dos meus filhos e a perdoar, sem ressentimento, as razões de queixa que eu tenha.
(Filhos) – Senhor, ajuda-me a suportar as fraquezas do meu pai, da minha mãe e dos meus irmãos e a perdoar, sem ressentimento, as razões de queixa que eu tenha.

(Presidente) – Pedistes ajuda a Deus para suportar as fraquezas dos vossos familiares, mas também os ouvistes perdoar as vossas fraquezas, o que poderá ter sido mais penoso. É isto a vivência da misericórdia: perdoar e pedir e aceitar o perdão, pois todos nós somos fracos e infiéis aos nossos deveres. Todos nós precisamos da misericórdia de Deus, mas também da misericórdia dos outros que uma e outra vez ofendemos. Deus vos ajude a serdes amáveis e fiéis uns com os outros. Tal como o Senhor vos perdoou, assim deveis fazer vós também.

(Todos) – Revesti-me, Senhor, da Caridade para que eu cresça mais e mais na perfeição à vossa semelhança. Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo…

(Presidente) – Reine em vossos corações a paz de Cristo, à qual fostes chamados para formar um só corpo. E vivei em acção de graças.

(Todos) – Habite em mim com abundância a palavra de Cristo, para me instruir e aconselhar e para que eu possa instruir e aconselhar com sabedoria aqueles que amo e que comigo coabitam.

(Presidente) – Dai graças a Deus para que o Senhor vos auxilie a cumprir com essas boas intenções.
Ouvi agora o que Deus projectou para as nossas vidas, conforme referem logo as primeiras páginas da Bíblia.

“Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança.
Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus Ele o criou; e criou-os homem e mulher.
Deus abençoou-os e disse-lhes: Sede fecundos e multiplicai-vos.
E Deus entregou toda a Natureza à guarda deles.
Deus viu tudo o que havia feito, e tudo era muito bom.”

Sabendo que Deus criou a espécie humana, que a criou homem e mulher, e ambos os cônjuges semelhantes a Si mesmo, entendemos melhor o texto de S. Paulo, que não desejou escravizar a esposa ao marido, mas colocar ambos ao mesmo nível de respeito mútuo e perante Deus. As palavras das pessoas, neste caso de S. Paulo, devem ser entendidas nos seus contextos culturais e temporais. Bem sabeis quanto a sociedade tem evoluído nos últimos tempos em relação à dignidade e igualdade entre esposos. O que não significa que cada um tenha a liberdade de abandonar o outro quando lhe apetece ou de lhe ser infiel. Os ensinamentos bíblicos são os mesmos, em relação à fidelidade e estabilidade do casamento, entendidos como sempre deveria ter acontecido para ambos os cônjuges. Não há amor sem submissão, nem submissão saudável sem amor.

(Esposas) – Ajudai-me, Senhor, a ser submissa e a amar o meu marido, com a mesma submissão com que Jesus, de joelhos no chão, lavou os pés aos discípulos, durante a Ceia.

(Maridos) – Ajudai-me, Senhor, a amar e a ser submisso à minha esposa, com o mesmo amor com que Jesus, de joelhos no chão, lavou os pés aos discípulos durante a Ceia.

(Presidente) – Honrai os vossos pais e as vossas mães, para que os vossos dias se prolonguem na terra que o Senhor, nosso Deus, nos deu, como prescreve o Livro do Êxodo.

(Mães) – Ouvi, meus filhos as instruções do vosso pai, e não desprezeis os ensinamentos da vossa mãe.

(Pais) – O filho sábio é a alegria de seu pai, o insensato, porém, é a tristeza de sua mãe.

(Presidente) – O filho sábio ama a correcção, mas o incorrigível não aceita a repreensão.

(Filhos) – Mãe e pai, quero em tudo obedecer-vos, assim Deus me ajude. Assim agradarei também ao Senhor.

(Pais e Mães) – Não desanimeis, filhos nossos, se, por amor, vos exasperamos algumas vezes. Senhor, ajuda-nos a educar, aconselhar e corrigir os nossos filhos com doçura e ternura e a fazê-los entender que o fazemos com amor.


(Presidente) – Compreendeis agora melhor o que é a misericórdia que celebramos neste Jubileu. É o amor que Deus nos tem e que nós recebemos e aceitamos e distribuímos pelos outros ou que rejeitamos. Aceitai a misericórdia de Deus e vivei-a nas vossas casas sede misericordiosos uns com os outros e o Senhor será misericordioso convosco.


Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo pelo dom de João Paulo II



Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo que, na plena sabedoria divina, conservou aqueles que o Pai lhe confiou e entregou a Pedro as chaves do reino dos Céus e afirmou inequivocamente a intenção de edificar sobre o mesmo Pedro a sua Igreja!


Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo que, na humanidade herdada de sua Mãe Virgem, pode entender, como se na sua carne e no seu Coração Sagrado fosse, os sentimentos e a dor de Pedro quando encarou o Senhor, depois do galo cantar, e quando já quase em desespero continuava a repetir “Senhor, Tu sabes que Te amo!”.


Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo que na sua omnisciência e na sua omnipotência
se elevou nos céus para ocupar o lugar à direita do Pai e com o Pai poder enviar o Espírito Santo, mediante cuja acção a Igreja nasceu, cresceu e continua a cumprir o seu único propósito: anunciar o Evangelho e baptizar todas as nações!


Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo porque na sucessão do pescador Pedro nos concedeu o dom de um homem que como Pedro também viveu muito intensamente
o mundo, a guerra das nações e a paixão dos corações!


Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo pelo dom do longo pontificado de João
Paulo II!


Louvado seja o Senhor da Vida, o Espírito Santo, que derramou sobre os homens
sabedoria suficiente para construir pontes rápidas e seguras entre os homens: os
aviões que conduzem os profetas para falarem do Evangelho em todas as salas do
mundo e as ondas dos meios de comunicação, dos telemóveis ou das televisões,
que levam a palavra e a imagem do Evangelho junto de cada pessoa!


Louvado seja o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que na sua infinita misericórdia
se dignou receber no Reino dos Céus tantos redimidos pelo Sangue do seu Filho muito amado.


Louvado sejam o Pai e o Filho e o Espírito Santo, porque através do gesto do sucessor de Pedro, João Paulo II, revelaram a imensidade da multidão que pode desfrutar do gozo da contemplação do rosto de Deus, porque são todos os mártires, todas as pessoas muitíssimo comuns, todos os beatos e todos os santos, dos quais os poucos elevados aos altares por João Paulo II são apenas uma amostra, para sabermos que as Portas do Palácio estão abertas e que todos fomos convidados para o Banquete Eterno. De fora só ficará quem não quiser entrar!


Louvado seja o Pai dos Céus que incessantemente chama todos os homens e
mulheres, idosos, jovens ou crianças, a uma vida de santidade e de perfeição!
Louvado seja o Espírito Santo que se faz de elo para estabelecer a comunhão
entre todos os homens de boa vontade!
 

Em Orlando de Carvalho, Os Santos de João Paulo II, Lusodidacta, 2004

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Jubileu da Misericórdia (1) É um mandamento de Deus





O Papa Francisco proclamou um Ano Santo entre 8 de Dezembro de 2015 e 20 de Novembro de 2016.

Ano Santo e Jubileu são expressões com o mesmo significado. Realizavam-se por imperativo bíblico em Israel desde a Antiguidade, a cada 50 anos.

A Igreja adoptou a prática dos Jubileus como momento forte de conversão e evangelização. O primeiro Jubileu nos tempos do cristianismo ocorreu em 1300, sob o pontificado de Bonifácio VIII.

Os jubileus realizam-se ordinariamente a cada 25 anos, comemorando o nascimento do Salvador. Houve já dois jubileus extraordinários, em 1933 e 1983, sendo este de 2016 o terceiro Jubileu extraordinário da história. Partindo do princípio que Jesus esteve encarnado durante 33 anos, se os jubileus a cada 25 anos celebram o Mistério da Encarnação, os de 1933 (1900+33) e 1983 (1950+33) celebram o Mistério da Redenção.

Verdadeiramente inspirado, o Papa Francisco proclamou um Jubileu Extraordinário, um Ano Santo da Misericórdia.

De facto, a misericórdia foi sempre a razão de ser dos Jubileus.

Misericórdia é a palavra-chave para descobrir Deus que se revela desde o primeiro instante.



Quando Deus criou o homem, criou-o homem e mulher, e somente depois de ter criado toda a Natureza e as condições necessárias para que eles pudessem sobreviver e ser felizes. Deus não imaginou para a humanidade uma existência de escravidão e de obediência cega ao Senhor Deus, uma existência de obrigações para cumprir, mandamentos e regras, que dessem acesso ao céu, ou que desprezados, conduziriam à perdição eterna. Deus não é Bom, por ser Todo-poderoso, mas antes o contrário. Deus é Todo-poderoso, por ser Bom. É Jesus que no-lo diz textualmente: acreditai em Mim, nas minhas obras e no Pai, e sereis capazes de fazer obras idênticas às minhas. Acreditar em Jesus, é acreditar na Justiça, na Paz e no Amor, e acreditar nisso é cumpri-lo. Do cumprimento do Amor é que nos virá o poder para fazer as tais obras.

Quando Deus nos manda ser santos, respeitar a nossa mãe, o nosso pai e os sábados do Senhor, Ele não está a fazer mais que a apontar-nos o caminho da felicidade para a qual fomos criados.

Quando não são respeitados os pais e as mães, é a própria sociedade que está em risco, pois todos somos pais ou mães, mesmo que estéreis, através, por exemplo, do exemplo de vida que damos às crianças nossas vizinhas ou nossos sobrinhos, bem como em relação àqueles que de alguma forma dependem de nós, no trabalho, ou noutras circunstâncias.

Ser santos é o mais belo dos mandamentos: O Senhor quer para nós a santidade, isto é, o sermos semelhantes ao próprio Deus e o vivermos em felicidade. Que bela ordem, mandarem-nos ser felizes!

Guardar os sábados do Senhor! Nunca tal fora visto em lugar nenhum da terra. Deus ordena aos homens que trabalhem seis dias e que guardem um para descansar. E prevenindo algum patrão menos escrupuloso, que pretendesse usar argumentos para fazer trabalhar os seus empregados, o Senhor proclama: os sábados sãos Meus; são-Me devidos; dedicar-Me-eis os sábados. Nunca tal se vira, nem voltará a ser visto: o homem, além de ter direito à felicidade, à santidade, tem também direito ao descanso, o sábado. Infelizmente esta tradição judaico-cristã não está ainda suficientemente difundida em todo o mundo e muitos homens, mulheres, crianças e velhos continuam a ser usados e explorados por patrões sem amor e sem escrúpulos; e outras vezes, são os próprios que querem trabalhar, sem descanso, embora não tenham necessidade de o fazer – estes, por ignorância ou avareza, escravizam-se voluntariamente.

Aceitemos a misericórdia de Deus para connosco e sejamos misericordiosos para com toda a gente.


Orlando de Carvalho

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

São Frei Bartolomeu dos Mártires

“O Bispo deve constantemente confrontar a sua vida com o ideal que assumiu, porque a vida convence e atrai mais do que as palavras; só a fraternidade vivida com os seus presbíteros poderá impedir que o Bispo viva «só» no meio das multidões e no meio dos problemas; uma vida pastoral que pretenda responder às diversas inquietações de hoje deverá conciliar a contemplação com a encarnação no mundo; esta pressupõe a humildade que leva o pastor a acolher a verdade que brota tanto do interior da Igreja como de fora dela – um acolhimento com traços maternais, para manifestar «o rosto materno de Deus»” – do livro Stimulus Pastorum, da autoria de Frei Bartolomeu dos Mártires, citado por Dom Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga, na 8ª Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, em 5 de Outubro de 2001, no Vaticano.
 
 
 
Bartolomeu do Vale nasceu em Lisboa nos princípios de Maio de 1514, filho de Maria Correia e Domingos Fernandes. Os pais chamaram-lhe Bartolomeu e baptizaram-no na Igreja Paroquial dos Mártires, devido à grande devoção que tinham por Nossa Senhora dos Mártires.
Em 1528 juntou-se aos dominicanos, que muito gostava de ouvir pregar e acrescenta ao seu nome “dos Mártires”, pela mesma devoção dos pais a Nossa Senhora dos Mártires. Distingue-se em gramática, artes e teologia, mas em tudo mostrando sempre grande inteligência. Foi eleito prior do Convento de São Domingos de Benfica, em Lisboa. Em 1558 foi nomeado Arcebispo de Braga, título que aceitou apenas por obediência. Até chegar a bula papal com a sua nomeação, enclausurou-se no convento de Azeitão. A 4 de Outubro de 1559 entrava em Braga e tomava posse da cátedra arquiepiscopal. Exerceu o múnus episcopal com grande zelo e caridade. Mandou retirar do Paço tudo o que era luxo mundano e futilidade, vivendo com grande modéstia e simplicidade. O zelo evangélico e pastoral em relação ao rebanho que lhe tinha sido confiado é bem esclarecido por Frei Luís de Sousa: “Era fim de Janeiro, tempo ventoso e frigidíssimo. Deixou o abrigo e chaminés dos seus paços, foi-se experimentar os maus caminhos e piores gasalhados das aldeias... Mas queixavam-se os seus que não podiam aturar a continuação do trabalho, dos caminhos, das invernadas; ele só, com trabalhar mais que todos; sofria desassombradamente todas as incomodidades; e nos caminhos, por fragosos e ásperos que fossem, era o primeiro que os acometia, pondo-se na dianteira. Passavam um dia de um lugar para outro. Salteou-os uma chuva fria e importuna, que os não largou na maior parte da jornada; e corria um vento agudo e desabrigado, que os congelava. Tinha-se adiantado o Arcebispo, segundo seu costume, que era caminhar quase sempre só pera se ocupar com mais liberdade em suas contemplações; e ia fazendo matéria de tudo quanto via no campo e na serra, para louvar a Deus. Ofereceu-se-lhe à vista, não longe do caminho, posto sobre um penedo alto e descoberto ao vento e à chuva, um menino pobre e bem mal reparado de roupa, que vigiava umas ovelhinhas que ao longe andavam pastando. Notou o Arcebispo a estância, o tempo, a idade, o vestido, a paciência do pobrezinho: e viu juntamente que ao pé do penedo se abria uma lapa, que podia ser bastante abrigo para o tempo. Movido de piedade, parou, chamou-o, e disse-lhe que se descesse abaixo pera a lapa e fugisse da chuva, pois não tinha roupa bastante pera a esperar.
– Isso não! – respondeu o pastorinho, – que, em deixando de estar alerta e com o olho aberto, vem logo o lobo e leva-me a ovelha, ou vem a raposa e mama-me o cordeiro!
– E que vai nisso? – disse o Arcebispo.
– A mi me vai muito – tornou ele, – que tenho pai em casa, que pelejará comigo, e tão bom dia se não forem mais que brados. Eu vigio o gado, ele me vigia a mim: mais vale sofrer a chuva...
Não quis o Arcebispo dar mais passo. Esperou que chegassem os da sua companhia, contou-lhes o que se passara com o menino e acrecentou:
– Este esfarrapadinho inocente ensina a Frei Bartolomeu a ser Arcebispo! Este me avisa que não deixe de acudir e visitar minhas ovelhas, por mais tempestades que fulmine o céu; que, se este, com tão pouco remédio pera as passar, todavia não foge delas, respeitando o mandado do pai mais que o descanso, que razão poderei eu dar, se, por medo de adoecer ou padecer um pouco de frio, desemparar as ovelhas cujo cuidado e vigia Cristo fiou de mim, quando me fez pastor delas?” – em Vida e Obra de Dom Frei Bartolomeu dos Mártires, de Frei Luís de Sousa. 
 
 
 
Convocado o terceiro Concílio de Trento pelo Papa Pio IV, Dom Frei Bartolomeu dos Mártires viajou incógnito, disfarçado de simples padre, para evitar as honras que lhe eram devidas. Chegou a Trento a 18 de Maio de 1561. Durante o Concílio foi-lhe confiada a revisão dos livros que deviam ser proibidos. Notabilizou-se pelas suas intervenções, muito claras, falando principalmente sobre a reforma dos costumes eclesiásticos. Apresentou duzentas e sessenta e oito petições ao longo dos trabalhos conciliares. Duas frases atestam bem o seu pensamento sobre o assunto e a frontalidade da sua atitude: “Vossas senhorias são as fontes donde todos os prelados bebem; necessário é portanto que a água seja limpa e pura”. Ou: “Os ilustríssimos e reverendíssimos cardeais precisam duma ilustríssima e reverendíssima reforma”.
Num concílio suscitado em grande parte pelas reformas protestantes, o arcebispo de Braga afirmou que “A Igreja está mais precisada de reformas que de dogmas”.
De volta à sua arquidiocese continuou a governar ainda com mais zelo, depois das propostas e dos reparos que fizera em Trento. Esta situação levantou contra si alguns protestos e inimizades. Perante a ignorância com que se deparava, tanto entre o povo como entre os padres, organizou escolas para formação do clero e mandou ler textos seus ao povo sobre doutrina – o Catecismo ou Doutrina Cristã e Práticas Espirituais. Escreveu trinta e dois livros, um dos quais, O Estímulo dos Pastores, já atrás citado, foi oferecido a todos os participantes no Concílio Vaticano I, em 1870 e novamente no Concílio Vaticano II, em 1962! Para dar concretização a uma das recomendações do Concílio de Trento, fundou o Seminário de Braga, que é considerado a primeira casa de formação de sacerdotes em todo o mundo.
Em relação à jurisdição eclesiástica e regalias do clero era intransigente, entrando em conflito mesmo com o rei. Em 1582, estando Portugal ocupado pelos castelhanos, Frei Bartolomeu dos Mártires renunciou ao cargo, retirando-se para o Convento de São Domingos que fundara em Viana do Castelo.
Partiu para junto de Deus a 16 de Julho de 1590. Sua Santidade João Paulo II beatificou Frei Bartolomeu dos Mártires a 4 de Novembro de 2001. Ficam ainda as palavras indignadas de Frei Bartolomeu dos Mártires, no Concílio de Trento, contra a ignorância: “Não temos quem ensine, quem confesse, nem quem pregue frutuosamente. Por isso ninguém estuda, ninguém trabalha por saber e geralmente se tem por erro gastar tempo, vida e fazenda nas Universidades: quando basta servir ociosamente ao bispo; ou a seu parente sem mais cansar, nem saber, para gozar rendas de grandes benefícios: quando vale mais a ignorância com poucas onças de favor, que a ciência e boas letras com grandes pesos de merecimento”.
 
In Orlando de Carvalho, Os Santos de João Paulo II, Lusodidacta, 2004