De que serviria a minha confiança em Deus se Deus não
confiasse em mim? Se eu não sentisse a confiança de Deus em mim?
Não se trata da confiança de Deus na minha santidade, mas a
sua confiança na minha aspiração à santidade.
O Senhor vem ao meu encontro, não porque eu acredito que Ele
vem, mas porque Ele acredita que eu não sou um caso completamente perdido e que
ainda existe pelo menos uma hipótese de salvação para a minha alma.
Se somos obra das mãos e da Palavra de Deus, como poderemos
não ser amados por quem nos criou? Não podemos ser apenas um capricho de Deus
porque a Suprema Sabedoria não se rege por impulsos.
Deus ama-nos. Uma das primeiras e principais características
do amor é a confiança no outro. Sem confiança não existe amor. Ora, nós sabemos
que Deus nos ama, logo Ele confia em nós. O Senhor confia que sejamos capazes
de agir de modo justo e em santidade e fica na expectativa que o façamos. Ele
aguarda-nos de braços abertos, como o pai misericordioso os abriu quando o
filho pródigo regressou. O filho não sabia – como poderia ele supor que existia
tamanho amor! – que o pai o acolheria com tão grande entusiasmo, mas ainda
assim voltou, na expectativa de um raspanete. Afinal, o filho confiou que o
amor do pai era mais forte que a sua infidelidade. Não imaginava quão intenso
eram o amor e a confiança do pai, mas esperava, pelo menos, um bocadinho de
condescendência para com o seu pecado.
Deus espera-me e espera-nos a todos, não com uma balança de
dois pratos na mão para comparar o bem e o mal que fizemos, isto é, medir o
amor que demos e os trambolhões que sofremos, mas talvez à maneira de um oleiro
entusiasmado que anseia aprimorar a sua obra, fazendo-a girar na roda, passando-lhe
suavemente os dedos, humedecendo-a, dando-lhe forma e beleza.
O oleiro vende os jarros, os vasos, os tijolos, porque a sua
actividade visa o lucro, mas o objectivo de Deus é absolutamente diferente. Ele
não tem como objectivo comercializar-nos como objectos ou escravos, porque nos
considera seus filhos. Deus deseja ardentemente unir-se com cada um de nós e
com todos nós e se, por alguma razão nós formos ou viermos a ser constituídos
por substância similar à de Deus, a junção entre Criador e criaturas pode
atingir o absoluto e o infinito. Uma olaria imensa ou um artefacto sem fim.
Deus em mim e eu na presença de Deus. Deus em nós e nós na sua presença.
Deus precede-me porque foi capaz de descer até mim e eu sigo
no encalço de Deus quando sou capaz de descer até ao meu irmão. Como num
encontro de família em que todos se querem bem e ninguém duvida dos outros, em
que todos celebram a mesma alegria porque todos partilham o mesmo sangue. O
sangue derramado pelo Cordeiro, o sangue derramado pelos mártires. A comunhão
fraterna. E o meu alento renova-se e cresce e propaga-se. É o alento dos que
depositaram a confiança no Senhor e aceitaram a felicidade eterna que se
esconde nos jogos de partilha e doação.
Publicado em O Varzeense, em 2020 Janeiro 30
Orlando de Carvalho
Orlando de Carvalho
Belíssimao texto. Obrigada
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