sexta-feira, 15 de novembro de 2019

O meu alento vem do Senhor






O meu alento vem do Senhor e da paz que recebo quando descubro que o Senhor tem confiança em mim.

De que serviria a minha confiança em Deus se Deus não confiasse em mim? Se eu não sentisse a confiança de Deus em mim?

Não se trata da confiança de Deus na minha santidade, mas a sua confiança na minha aspiração à santidade.

O Senhor vem ao meu encontro, não porque eu acredito que Ele vem, mas porque Ele acredita que eu não sou um caso completamente perdido e que ainda existe pelo menos uma hipótese de salvação para a minha alma.

Se somos obra das mãos e da Palavra de Deus, como poderemos não ser amados por quem nos criou? Não podemos ser apenas um capricho de Deus porque a Suprema Sabedoria não se rege por impulsos.

Deus ama-nos. Uma das primeiras e principais características do amor é a confiança no outro. Sem confiança não existe amor. Ora, nós sabemos que Deus nos ama, logo Ele confia em nós. O Senhor confia que sejamos capazes de agir de modo justo e em santidade e fica na expectativa que o façamos. Ele aguarda-nos de braços abertos, como o pai misericordioso os abriu quando o filho pródigo regressou. O filho não sabia – como poderia ele supor que existia tamanho amor! – que o pai o acolheria com tão grande entusiasmo, mas ainda assim voltou, na expectativa de um raspanete. Afinal, o filho confiou que o amor do pai era mais forte que a sua infidelidade. Não imaginava quão intenso eram o amor e a confiança do pai, mas esperava, pelo menos, um bocadinho de condescendência para com o seu pecado.

Deus espera-me e espera-nos a todos, não com uma balança de dois pratos na mão para comparar o bem e o mal que fizemos, isto é, medir o amor que demos e os trambolhões que sofremos, mas talvez à maneira de um oleiro entusiasmado que anseia aprimorar a sua obra, fazendo-a girar na roda, passando-lhe suavemente os dedos, humedecendo-a, dando-lhe forma e beleza.

O oleiro vende os jarros, os vasos, os tijolos, porque a sua actividade visa o lucro, mas o objectivo de Deus é absolutamente diferente. Ele não tem como objectivo comercializar-nos como objectos ou escravos, porque nos considera seus filhos. Deus deseja ardentemente unir-se com cada um de nós e com todos nós e se, por alguma razão nós formos ou viermos a ser constituídos por substância similar à de Deus, a junção entre Criador e criaturas pode atingir o absoluto e o infinito. Uma olaria imensa ou um artefacto sem fim. Deus em mim e eu na presença de Deus. Deus em nós e nós na sua presença.

Deus precede-me porque foi capaz de descer até mim e eu sigo no encalço de Deus quando sou capaz de descer até ao meu irmão. Como num encontro de família em que todos se querem bem e ninguém duvida dos outros, em que todos celebram a mesma alegria porque todos partilham o mesmo sangue. O sangue derramado pelo Cordeiro, o sangue derramado pelos mártires. A comunhão fraterna. E o meu alento renova-se e cresce e propaga-se. É o alento dos que depositaram a confiança no Senhor e aceitaram a felicidade eterna que se esconde nos jogos de partilha e doação.


Publicado em O Varzeense, em 2020 Janeiro 30
 
Orlando de Carvalho

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