domingo, 5 de março de 2017

Fátima, repórter em 1917


O “Diário de Notícias” dá conta do sucedido a 13 de Maio de 1917:

O «MILAGRE» DE FÁTIMA

Mais de 50 mil pessoas acorrem ao local da aparição

Vila Nova de Ourém, 13 – Apesar da chuva miudinha e impertinente que começou a cair logo de manhã, extraordinário número de pessoas acorreu à freguesia de Fátima para presenciar o caso extraordinário da aparição que desde quinta feira da Ascensão tem ocupado a atenção destes povos e atraído àquela localidade milhares e milhares de peregrinos de todas as classes sociais e sexos.

Já anteontem começaram a passar por esta vila ranchos de homens e mulheres, que com toda a devoção e crença, entoando cânticos e rezando o terço se dirigiram para o local onde o “milagre” se devia repetir pela última vez, conforme as declarações dos três pastorinhos, a quem Nossa Senhora se dignou aparecer várias vezes, como eles dizem, nos dias 13 desde aquela data.

Para se poder imaginar a afluência das pessoas, vamos dar uma nota dos veículos que nos foi possível contar: carros, 240; bicicletas, 135; automóveis, para cima de 100. Esta estatística representa apenas o número de veículos que regressou por esta vila.

A ansiedade pelas 13 horas, era manifesta. Embora a chuva continuasse a fustigar aquela multidão, ninguém arredou pé do lugar privilegiado. Precisamente àquela mesma hora, os três pastorinhos, cujos nomes são Lúcia, Jacinta e Francisco, chegaram ao lugar preciso, postando-se imediatamente de joelhos sob o arco adrede arranjado, assim como um altar que junto foi levantado.

A sugestão tomou imediatamente aqueles milhares de crentes e curiosos. Como grande número de pessoas tivesse os guarda-chuvas abertos, os pequenos mandaram fechá-los, e coisa extrema, segundo testemunho de milhares e milhares de pessoas, o sol apareceu com uma cor de prata fosca, numa agitação circular como se fosse tocado pela electricidade, segundo a expressão empregada pelas pessoas ilustradas que presenciaram o facto.

E milhares de pessoas sugestionadas, e quem sabe mesmo se ofuscadas pela própria luz do sol, que durante o dia aparecia pela primeira vez, caíram por terra chorando e levantando para o alto as mãos, que instintivamente juntavam.

Nos seus rostos notava-se um embevecimento estático que denotava um absoluto alheamento da vida. Choravam e rezavam as suas almas simples, perante a estranha sensação de um facto que para eles, naquele momento, era milagroso. Pessoas houve mesmo segundo ouvimos a algumas, que lhes pareceu abandonar a sua fictícia órbita, romper as nuvens e descer o horizonte. A sugestão destes videntes estendia-se a outros a quem eles explicavam o fenómeno, e por esse motivo, muitos pregando que o astro rei viria precipitar-se no solo, prerromperam em altos gritos, implorando a protecção da Virgem.

A “hora milagrosa” passara.

As crianças levantaram-se, sorridentes, e explicaram aos seus ansiosos ouvintes que a “Senhora” lhes dissera que a paz viria brevemente e que não tardaria o regresso dos nossos bravos soldados que em França se batem heroicamente. No local eram vendidos postais com os retratos das ingénuas crianças.

Os peregrinos, após aqueles momentos de ansiedade, regressaram às suas casas, desejosos de contar aos que não tiveram a felicidade de ir ao local santo, o que os seus olhos e principalmente as suas almas crentes haviam com tanto deslumbramento presenciado.

A incredulidade do autor desta noticia, que parece ser o correspondente do jornal em Vila Nova de Ourém, não supera os factos por ele aceites como certos: as enormes multidões que cinco meses depois da primeira aparição de Nossa Senhora peregrinavam, cheias de Fé, num paralelismo absolutamente inexplicável com as peregrinações que continuam quase cem anos depois.

In, Carvalho, Orlando de, Curriculum de Maria

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