Todos sabemos da dificuldade de vários padres para o
exercício da homilia. Também sabemos que, em grande parte destes casos, a
dificuldade deriva da preguiça em a preparar atempada e convenientemente.
O Concílio Vaticano II despertou a Igreja para o pecado que
consiste em negar, por pensamentos, actos e omissões, que Jesus é Deus e Jesus
é a Palavra de Deus. Ensinava-se que era pecado mortal faltar à missa por culpa
própria em Domingo ou Dia Santo de Guarda, mas que se podia chegar atrasado,
desde que se chegasse antes do peditório/Ofertório e se participasse na
Liturgia Eucarística. Deste modo se relegava Jesus para segundo plano. Aliás,
esta Palavra de Deus, Jesus, já estava votada ao esquecimento quando se falava
em latim ou quando se condenava a leitura da Bíblia pelos fiéis, nas línguas
que eles falavam e entendiam.
O Papa Francisco não se tem cansado de insistir no
investimento que é necessário fazer nas homilias. Infelizmente, muitos dos
padres que se manifestam a esta ideia do Papa são os que continuam a fazer
homilias que não servem.
Se o padre faz uma homilia em que repete, por outras
palavras, as leituras que escutámos anteriormente acerca de ovelhas (onde andam
os rebanhos de ovelhas nestes dias?), de sementeiras e colheitas (nestes tempos
em que a agricultura se vai transformando em muitos lugares em indústria e fica
descaracterizada), de guerras entre judeus e outros povos, de antigos preceitos
judaicos, quem o entende? Ele fala para quem? Os fiéis acabam por desistir
progressivamente da missa, e começam a frequentar uma qualquer seita onde a
Palavra de Deus “também” é deturpada, mas é dita emocionalmente, com apelo ao
envolvimento emocional e chega mesmo a levar o povo a oferecer todos os bens
materiais e assim enriquecer os inventores e dirigentes dessas seitas.
É confrangedor ver como alguns padres chegam mal preparados
do seminário e, ainda assim, dada a falta de sacerdotes, são logo colocados
como pároco, à cabeça de uma comunidade, e eles sem fazerem a mínima ideia do
que devem fazer e de como devem fazer.
É arrepiante verificar que há paróquias onde uma das missas
é supostamente preparada para acolher as crianças da catequese e grupos
infantis e de adolescentes, mas o padre que preside não sabe dirigir-se a
crianças. Das missas a que as crianças assistem, ou mesmo participam, mas não
estão com atenção às leituras e homilia, não percebem nada, onde a linguagem é
erudita ou para elas inalcançável, ou não passa de brincadeira e conversa para
entreter, apenas resulta certo que provavelmente deixarão de frequentar a missa
assim que puderem.
Então e se o padre não tem jeito para fazer homilias para
crianças? Ou mesmo homilias, de todo?
Também Moisés se queixou de que não tinha jeito para falar
ao povo, mas ainda assim Deus insistiu em manter a sua escolha.
Também Jeremias se queixou de que ainda era uma criança e
não sabia falar, mas nem por isso Deus alterou a sua escolha.
Deveremos então manter este sistema de homilias proferidas
por padres que não sabem?
Em primeiro lugar, já referimos anteriormente que grande
parte das homilias mal sucedidas resulta da preguiça em as preparar
adequadamente. Como pode o Espírito Santo penetrar através de portas e janelas
que se fecham ou onde Se sente intruso?
Depois, podemos perguntarmo-nos se o chamamento de Deus é
apenas dirigido à voz, ou se não é o mesmo apelo feito a uma vida humilde,
paciente, casta.
Parece que anda muita gente preocupada, e bem, com padres
que cometem abusos diversos. Mas abusar da Palavra de Deus não será um pecado
igualmente grande? De mais se cometido por um padre?
Não deverá o Bispo ser mais escrupuloso no envio dos padres
para as comunidades, na sua preparação e nas indicações que lhes dá?
O Papa São Paulo VI, em 1973, deu à Igreja o documento Pueros Baptizatos Consultar aqui
onde explica a necessidade de o sacerdote entregar a um catequista ou leigo
idóneo a homilia, quando se verifique a sua inabilidade para a realizar
convenientemente em missas com crianças. E a Conferência dos Bispos Brasileiros
entendeu mesmo estender esta capacitação dos leigos para missas dirigidas ao
povo em geral, mas em que entre Assembleia e o padre que preside à missa exista
dificuldade de comunicação.
Muitos padres falam da “minha homilia”, esquecendo que ela
de nada serve se a Assembleia não a entender ou não a escutar. Se a dicção do
padre não lhe permite que os fiéis percebam o que ele diz, como pode continuar
a homiliar? Se as condições acústicas não levam a Palavra de Deus até aos
membros da Assembleia, não seremos obrigados a encontrar alternativas, uma vez
que isso é um muro entre a Assembleia e Jesus Palavra de Deus.
A Palavra de Deus tem de ser dignificada a um ponto que não
estamos a atingir.
Quantas vezes as leituras da missa são distribuídas mesmo na
hora da celebração começar? Quantos leitores se consideram tão superiores que
desdenham conhecer (e treinar sempre que necessário) a Leitura que vão
proclamar, estragando todo o sentido da Palavra de Deus ao errarem e gaguejarem
em palavras mais difíceis ou menos habituais?
Quantos leitores frequentam cursos próprios do seu
ministério? Quantos bispos e párocos promovem convenientemente a organização e
frequência desses cursos? Quantos formadores em cursos para leitores têm em
atenção a proclamação da Palavra com benefícios para o Povo de Deus, mais que
exibirem-se?
Ajudar-nos-á nesta análise reflectir sobre esta evidência:
nenhum dos Apóstolos chamados por Jesus teria hoje sucesso se respondesse a um
anúncio de emprego. Tratava-se de homens sem formação, mal vestidos, rudes…
pecadores públicos… no entanto deixaram-se modelar pelo Verbo e gravaram a
Palavra de Deus de maneira que passados dois mil anos compreendemos os seus
textos e os tomamos como guia de vida.
Sob o sacrário, aberta, a Bíblia Sagrada
A palavra de Deus é Jesus, Nosso Senhor. Todos precisamos de
nos humilhar ao ponto de reconhecermos a nossa situação de simples ferramenta
para ecoar a Palavra, a que está escrita e que lemos e proclamamos e a que
actualizamos na homilia. O contrário, parece-nos pecado.
Algumas comunidades começam entretanto a descobrir que Jesus
não está presente no Pão Eucarístico, mas em toda a Palavra de Deus. Assim, podemos
já encontrar em algumas igrejas uma Bíblia junto do Sacrário, indiciando aos
fiéis que se trata de duas perspectivas da mesma realidade, Jesus, Alfa e
Ómega, Ontem, Hoje e Sempre.
Os cuidados litúrgicos, pastorais, teológicos, catequéticos
q eu se dispensam à Sagrada Comunhão têm
de ser dirigidos da mesma forma à Palavra de Deus, não como se fosse quase a
mesma coisa, mas com a certeza que se trata do mesmo Jesus presente de dois
modos a que é devida a mesma dignidade.
Orlando de Carvalho
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