Charles Le Brun, A Descida do Espírito Santo, 1654, Paris, Museu do Louvre
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Um dia demos com um homem devotamente inclinado a rezar
diante de uma montra de uma agência funerária onde fervilhavam as mais diversas
imagens religiosas de santos, do Senhor e de sua Mãe. Estávamos em 1995. Na
cidade em que então morava, a igreja estava fechada durante o dia, durante a
maior parte do tempo, embora houvesse dois padres. Percebi bem a falta que faz
uma igreja aberta e descobri que não era só eu que sentia essa falta.
Dez anos mais tarde, realizava-se a sessão de Lisboa do ICNE
– Congresso Internacional para a Nova Evangelização, iniciativa promovida pelos
cardeais de Viena, Paris, Lisboa, Bruxelas e Budapeste. Nas cinco sessões do
congresso, realizadas naquelas cinco cidades, a principal conclusão foi a mesma
a que eu tinha já chegado, tempos antes. Descobriram os eclesiólogos e teólogos
da pastoral que, durante os dias em que as várias sessões do Congresso se
realizavam, as igrejas daquelas cidades mantinham as portas abertas quase todo
o dia e em muitos casos também à noite. E – espanto! – as igrejas nunca ficavam vazias.
Lembro-me muito bem de entrar nalguma igreja, para um dedo
de conversa com Deus, a caminho da escola. E que conversas! Algumas vezes
participando plena ou parcialmente na missa. A igreja estava aberta e repleta
de pessoas que como eu passavam para saudar Nosso Senhor ou alimentar o
espírito.
Não estamos agora interessados nas causas para a situação a
que se chegou, ou nos seus culpados (não julgamos) mas nos contornos da
situação que continua a agravar-se.
Queremos visitar Nosso Senhor, de manhã, a caminho do
trabalho… a igreja ainda está fechada! Sentimos o coração a puxar-nos para
visitar Nosso Senhor, no final do dia de trabalho… a igreja já fechou. A igreja
não é e não pode ser e não podemos, nós os fiéis, permitir que se pense que é
uma repartição pública. Nem no aspecto de cumprir horários rigorosos de acordo
com os contractos de trabalho com os seus funcionários, nem, na perspectiva do
utente, estar sempre disponível para tratar de assuntos de cartório, etc.
As igrejas, como bem reflectia D. José Policarpo, na missa
de dedicação da igreja dos dominicanos, no Alto dos Moinhos, em 30 de Outubro
de 2005, não deviam ser enfaticamente referidas como Casa de Deus, mas à
maneira dos judeus, no Antigo Testamento, como tendas da reunião. Trata-se de
locais em que o povo se reúne para o encontro com o Senhor.
Há muitas igrejas que abrem a porta às nove horas, celebra-se
missa às nove e um quarto e antes das dez horas já estão fechadas as portas
para o público (fiéis?). Até ao dia seguinte. Depois surgem apologistas da
desgraça a queixarem-se que se trata de uma freguesia de ateus, que não há quem
frequente a igreja! Aquela hora de igreja aberta que nuns casos acontece às
nove da manhã, noutros é às seis da tarde!
As igrejas são para estar abertas, não apenas quando há
movimento de turistas que compram velinhas ou tiram fotografias – as igrejas
não são parques culturais. São tendas de reunião!
O que se disse para as igrejas que abrem uma ou duas horas
por dia durante a semana, infelizmente aplica-se também, em tantos casos, ao
Dia do Senhor.
Conseguimos transformar o Dia do Senhor, no dia do cumprimento
do preceito dominical.
As missas ao longo da semana não são mais momentos de
encontro, mas cumprimento da tradição. Vai-se lá por causa de uma missa de
sétimo dia ou de outra data aniversária.
Como reagiria Nosso Senhor se aqui estivesse novamente
encarnado? Terá sido para esta nossa atitude que Ele se deixou ficar no
Santíssimo Sacramento? Para o cumprimento do preceito dominical? Ou de intenção
pelos defuntos?
Conheço diversos padres que estão em igrejas nas situações
apontadas, muitos dos quais são meus amigos. Mas esta reflexão trata de factos
e não de pessoas, analisa situações e procura soluções, não se debruça sobre
hipóteses nem acusa pessoas. Já acima se explicou que não nos interessam as
causas desta situação a que se chegou, nem as culpas ou desculpas, move-nos
apenas o anseio do povo de Deus que quer ir ao encontro do seu Senhor, mas nem
sempre vê o caminho facilitado.
Jesus veio ao nosso encontro, foi ao encontro da samaritana,
foi ao encontro dos discípulos que recrutou para O acompanharem, foi ao
encontro de Lázaro já morto. A Igreja, enquanto continuadora da missão de Jesus
no anúncio da Boa Nova, tem de ir também ao encontro. Ao encontro dos gentios
através dos missionários, mas ao encontro das pessoas que habitam o território
das nossas paróquias. Não é possível continuar a abrir a porta da igreja, por
um determinado espaço de tempo e ficar à espera que entre, sabe-se lá quem. A
igreja não é do pároco, do prior ou do reitor, ela é dos fiéis paroquianos.
Não é relevante saber se a culpa é da falta de padres ou da
falta de tempo dos padres, por exemplo. Há que constatar o erro e reparar o que
estiver mal. Por mais que custe a alguns conservadores, são os fiéis que têm de
se organizar e manter as suas igrejas abertas, tomando conta delas ou
contractando quem o faça. São os fiéis chamados leigos que têm de assumir as
celebrações de que a comunidade necessita quando não houver um padre disponível
ou se mostrar mais conveniente que seja um leigo a assumir.
Há paróquias em que se prefere eliminar missas na falta de
padre a substitui-las por Celebrações da Palavra assumidas por diáconos ou
leigos. Continua a ser a incapacidade de entender que as igrejas são tendas de
reunião e não monumentos de liturgia. Nas actas sinodais dá-se conta que o
próprio bispo de Coimbra, D. Albino Cleto, queria inventar um modo de os fiéis
não confundirem a celebração da Palavra com a missa, o presbítero com o leigo.
Como se fosse possível tal confusão! Alguém poderá ter pensado em retirar a
dignidade aos sacerdotes?
É claro que não propomos a rejeição das igrejas, mas temos
de ter a plena consciência que a igreja para celebrar e Louvar o nosso Deus é
onde nos reunirmos com essa intenção e o fizermos dignamente. Não obstante as primeiras
considerações acerca das igrejas fechadas. As igrejas são e têm que ser cada
vez mais tendas de reunião. As nossas casas podem ser também tendas de reunião,
e são-no em relação à família, é no lar que a família se reúne para rezar.
Também a comunidade se pode reunir em qualquer lugar, mas tem de ser ensinada e
não abandonada à mercê de uma montra de agência funerária.
As comunidades precisam de pastores dedicados. Não parece
sensato nomear um padre que chega de uma cultura diferente, asiática por exemplo,
para ficar à frente de uma comunidade milenária e passados dois ou três anos
substituí-lo por outro padre acabado de chegar de outra cultura completamente
diferente, africana por exemplo, por mais dois ou três anos. Este corrupio não
serve a comunidade nem edifica o ministério sacerdotal. Os filhos de Deus
merecem respeito. Ai de quem não tratar os filhos de Deus como filhos de Deus!
As comunidades merecem pastores, seja qual for a sua origem e cor de pele, que
se dediquem, que conheçam as ovelhas, que as tratem com ternura. Ou definharão,
continuarão a definhar. É preciso, pois, dar espaço e tempo aos pastores para o
serem.
Orlando de Carvalho
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