Quem tem alguma noção de Teologia, não importa que seja
teólogo, mas que tenha recebido alguma instrução em Doutrina ou que tenha
percurso catequético identifica com facilidade a primazia da Páscoa sobre o
Natal.
As crianças e os fiéis menos instruídos, quem se rege por
uma teologia intuitiva, infantil ou popular, que muitos teólogos, ao contrário
do Papa Francisco, nem aceitarão como verdadeiro saber teológico, fazem uma
opção clara pelo Natal em detrimento da Páscoa.
Os meandros da via teológica permitem alternativas à lógica.
O povo corre mais facilmente numa procissão em louvor de
Nossa Senhora, não importa quão apelativa e maternal seja a invocação em causa,
que numa procissão eucarística, embora a primeira não tenha outra finalidade
que conduzir à segunda.
É na Páscoa que reside o Mistério da Salvação para todos os
homens e mulheres, provavelmente também para todas as criaturas. Mas sem Natal…
não existiria o Salvador.
Para entender o Natal basta sentir quão imenso é o amor
infinito de Deus. Mais difícil é a compreensão da Páscoa que abrange os
clássicos mistérios da morte e da vida, do pecado e do infinito.
Se excluirmos da Fé o Natal, corremos o risco de reduzir
Jesus a homem igual a qualquer um de nós, de O fazermos perder as
características que afirmamos no Credo “Deus de Deus”, “filiação divina”. Uma
visão sincrética, à maneira de Marcos, exporia a pessoa de Jesus a dificilmente
ser mais que um profeta, especial, mas apenas profeta.
Aquela mão estendida ao encontro do homem, pintada no tecto
da Capela Sistina, pode apresentar uma perspectiva da kenosis do Senhor que prescinde, não sabemos como nem até que ponto,
dos seus reais atributos, para se fazer igual aos moldados a partir do barro e
com destino marcado para terminarem como barro disseminado entre húmus. Chegados
à kenosis, a opção fundamental estava
feita: ou Deus voltava atrás, retrocedia - a Palavra desdizia-Se - ou tinha que
morrer. Ao assumir plenamente uma natureza biológica, Jesus tinha que nascer e
morrer. A grande Paixão está tão presente na kenosis, na redução à dimensão da mórula, quanto na podridão do
corpo com três dias de cadáver, como o de Lázaro.
A mais bela época do ano também está caracterizada pela
sofrimento de um jovem casal pela pressão social, pela penosa submissão aos
decisores políticos, pela donzela que se sujeita voluntariamente ao risco da
lapidação, do varão que perante os factos observáveis e que o dão como
atraiçoado, consegue erguer a cabeça e acreditar no improvável, na peregrinação
– as peregrinações têm sempre um lado doloroso – dos magos, no assassínio de
tantas crianças, bebés, inocentes, mortos ao fio da espada diante das mães e
dos pais, a dor destes progenitores.
Brindamos com alegria o Natal e justamente devemos continuar
a fazê-lo, pois estamos a glorificar Deus e a sua imensa bondade. Não obstante,
por cada vela de Natal que acendermos tenhamos presente a chaga correspondente
no dia fatídico da tortura e do assassínio do único Justo.
Sem alegria vemos o modo como alguns irmãos na Fé brindam a
festa de aniversário de Jesus. Não se trata de saudáveis gestos de
inculturação, nem de manifestações de sensibilidades comerciais, mas de
subjugação do que temos de primordial e vital a interesses que se lhe opõem: o
dinheiro tentador e enganador, o equívoco dos que não têm outro objectivo para
além de riscar da História o Santíssimo Nome de Jesus.
A Revolução Francesa tratou de decapitar tudo o que fosse
rei ou pelo menos parecesse. As estátuas dos reis do Antigo Testamento em torno
da Catedral de Notre-Dâme, em Paris, foram decapitadas porque os ignorantes
revolucionários, não sabendo a quem pertenciam aquelas cabeças coroadas,
acharam que o melhor era cortá-las, pois certamente seriam de antigos monarcas
reinantes em França e, em consequência opressores do povo francês. A maçonaria
tentou eliminar o Natal, passando a chamar-lhe Festa da Família. Este nome
acabou por permanecer uma vez que é evocativo da Sagrada Família de Nazaré.
Todos sabemos os constantes ataques que contra Deus são
levados a cabo por seitas políticas e religiosas que agrupam pessoas com o Complexo
de Babel.
O Natal não pode acabar porque se trata do aniversário de
alguém que nasceu. Isso é histórico e não pode ser apagado. Mas pode ser
maltratado e quanto mais o for, mais sofremos. Porque quando a raiz é magoada,
todas as folhas da árvore e demais órgãos são afectados e sofrem.
O ramo que não fica unido à videira não pode dar fruto. (Jo
15,4)
Uns atacam o Natal, outros a Páscoa, estes a Cruz, aqueles
maldizem a Eucaristia, ainda outros querem impedir o culto, também há alguns
que se especializam nos ataques à família, também há os que tentam educar as
crianças de tenra idade como se de filhos do Demónio se tratasse.
Estes ataques têm a mesma finalidade da tentação da
serpente: levar o sofrimento aos mais fracos e desatentos que escorreguem nas
ciladas que lhes são armadas.
Passemos em revista algumas das investidas mais populares dos
nossos inimigos.
Escuto uma voz numa Emissora Católica que no final do
programa se despede:
- Feliz Natal. Ho! Ho! Ho!
As iluminações de rua exprimem bem cor e luz, alegria,
despesa imensa, à sombra da qual passam, ou dormem, tantos desgraçados sem
dinheiro para comer e vestir no Dia de Natal.
É muito saudável que a Família sinta um especial apelo no
tempo e no dia de Natal, mas apenas desde que isso não ofusque a omnipresença
de Deus, do Deus Menino e da sua mensagem de Amor incondicional.
O Pai Natal… Mas que invenção! Malévola mesmo. Como pode um
velho gordo sem qualquer sinal de ternura comover mais que um Menino Jesus? Como
é possível uma criança ser tentada desta forma? Como pode esta farsa dominar o
mundo que substitui os hinos de Glória angélicos por poemas mundanos que
propositadamente omitem o que celebram: a festa aniversária do filho de Maria,
a jovem escolhida para gerar o filho de Deus. Fingem que a festa é outra, que é
dos homens e não diz respeito a Deus.
A árvore simboliza a vida e tem cabimento quando se exalta a
vida verdadeira, o nascimento de uma criança, a chegada do Deus vivo ao seio da
cidade dos homens. Mas a árvore de Natal não é para ser adorada, é um símbolo,
uma decoração, que não despensa o essencial. Árvore, apenas depois e em função
do Presépio. Quem não acredita no Presépio, como pode celebrar o Natal, que é a
festa do Presépio?
Da festa da família rapidamente se passou a outras festas. Festas
de empresa com brinquedos, pais natais, bandoletes com cornos de rena que as
pessoas colocam nas cabeças, preferindo mascarar-se desses bichos que ajoelhar
para adorar ou sentar e ler narrativas bíblicas da Encarnação.
Quase todas as formas de louvar a Deus podem ser boas e
legítimas desde que não confluam para a tentativa de eliminação de Deus, o que
não é possível, mas pode provocar grande sofrimento no mundo. Não a Deus, mas
às pessoas e à Natureza.
Natal?
- Escuta da Palavra, do Sagrado Evangelho
- Um presépio montado com muita ternura
- Louvor eucarístico
- Amar a cada pessoa, mais fácil ainda, mostrar simpatia com
cada pessoa
- Partilhar as coisas boas que se tiverem dentro do coração
Como Jesus, estabelecer o Natal como início de uma viagem
redentora em direcção à Páscoa e a uma eternidade carregada de espírito
natalício.
Orlando de Carvalho