segunda-feira, 10 de julho de 2017

Quem decide quando devo ir à missa?



Acontece, ao longo da vida, relativizarmos a importância da missa. Este Domingo vou à missa ou fico a descansar, que a semana foi de trabalho duro? Vamos à missa ou fazemos picnic?
Por vezes alguém recorda a velha doutrina da Igreja: Faltar à missa sem justificação é pecado mortal. Então dá uma vontade de rever a definição de pecado mortal, algo de que já se fala pouco: quem morre em pecado mortal não tem salvação, vai para o Inferno, morre definitivamente, não aproveita do sacrifício de Jesus na cruz.
Quando o Rogério se foi confessar, acusando-se de ter faltado à missa na Quarta-feira de Cinzas, ficou perplexo quando o padre se riu.
- Meu filho, isso não é pecado. Quarta-feira de Cinzas é um dia de semana, não é feriado, nem dia santo de guarda. Não é obrigatório ir à missa na Quarta-feira de Cinzas, não é pecado não ir.
Rogério ficou descansado e nos anos seguintes, quando esse dia chegava, questionava-se sempre:
- Vou ou não vou?
Acaba quase sempre por ir. Perguntamo-nos por que razão acabava ele por ir, se não era obrigatório, se não era pecado, se faltar não era bilhete de embarque na Barca do Inferno?
Houve um tempo em que a Quinta-feira da Ascensão, também chamada Quinta-feira de Espiga, era feriado. E ainda o é em alguns concelhos. Era dia santo, ia-se à missa, passeava-se. Mas a Quinta-feira de Espiga já não é feriado, como o dia de Reis não o é, todavia, os vendedores de flores, às portas das igrejas, fazem algum negócio a vender ramos de espigas àqueles que vão à missa nesse dia e a outros que passam. Porque vão tantas pessoas à missa nesse dia, não apenas o número de fiéis que assistem normalmente à missa nos dias de semana, mas muitos mais?
Católicos que se empregam com horários incompatíveis com a participação normal na missa, como devem orientar as suas vidas espirituais?
Sabemos que há fundamentalistas que recomendam mudar de emprego ou inclusivamente ir para o desemprego, enquanto não arranjarem empregos com horários compatíveis. Coitados! Os que assim aconselham não perceberam ainda que o sangue que flui do coração misericordioso de Jesus alivia fardos e não carrega os devotos do Senhor.
Muitos católicos sem horário de trabalho aparentemente compatível com os horários das missas conseguem realizar verdadeiros milagres, indo a missas pela aurora, ou já pela noite fora, em igrejas seleccionadas. Outros substituem o Domingo por outro dia. Parece que para algumas pessoas a missa funciona como um íman. Porém outras cansam-se na missa. Será a missa algo tão fútil como um espectáculo de que uns gostam e outros não? Dependerá de avaliação estética?
Em Portugal, o governo de direita, com o avale explícito da Igreja, eliminou dois feriados religiosos, isto é, dois feriados que coincidiam com dois dias santos de guarda e que permitiam aos fiéis a participação na missa dominical e demais celebrações. E a Igreja transferiu a celebração desses dias santos-de-guarda para o Domingo seguinte, como já acontecia, por exemplo, com o Dia de Reis. A Igreja, ou seja, a hierarquia da Igreja pensava facilitar assim a participação dos fiéis na Santa Missa.
A direita perdeu as eleições e sucedeu-lhe um governo de esquerda que adicionou de novo os dois dias santos-de-guarda, que já não o eram porque a Igreja os transferira, à lista de feriados nacionais. E os portugueses pudiam assim cumprir novamente o preceito dominical no dia próprio.
Fico perplexo. A minha devoção, a minha espiritualidade, o meu agir enquanto fiel católico, as características do meu comportamento enquanto filho de Deus, dependem do que vai na cabeça de um primeiro-ministro e dos seus partidos apoiantes? Antes dos direitistas, agora dos esquerdistas?
Isto não é Fé, isto é ritualismo e comodismo. Os últimos papas insistiram no testemunho dos mártires e na necessidade que temos de os assimilar e introduzir nas nossas práticas de vida. Se pudermos participar na missa confortavelmente sentados, num espaço agradavelmente climatizado, façamo-lo. Fazer depender disso a nossa participação eucarística parece-me pecado, compreendendo o pecado como qualquer situação em que nos afastamos de Deus.
Quarta-feira de Cinzas não é dia de missa obrigatória, mas as igrejas enchem-se de fiéis. Se não é obrigatório, porque será que perdem tempo a ir à missa nesse dia, sendo que nem é feriado e a missa é uma sobrecarga aos afazeres de um dia normal, jornada de trabalho ou de escola, transportes, afazeres domésticos?
Será bom reflectir sobre a Páscoa e a Semana Santa. Até à década de 1970, a Sexta-feira Santa não era feriado, e só a partir de então passou a ser. Terão beneficiado deste feriado religioso os fiéis para poderem celebrar os seus mistérios ou os outros para viajarem até aos algarves, quando o clima está ameno, ou até à Serra da Estrela, se a neve está de feição?
Os católicos, com maior ou menor dificuldade, participam nas celebrações de Domingo de Ramos, de Quinta e Sexta-feira Santas, na Vigília Pascal na missa de Domingo de Páscoa; senão em todas, em algumas. As paróquias organizam os seus horários para estes dias de acordo com as características dos seus paroquianos. Nalguns lugares é respeitada a Segunda-feira de Páscoa e muitas pessoas a celebram, quanto possível.
Dá jeito não trabalhar em dia de missa, mas se não coincidir com dia de folga… quem quer ir à missa tem de encontrar solução. E já vimos, e sabemos, que é a vontade de ir à missa que enche as igrejas, nos nossos dias, e não o medo do Inferno pelo pecado de faltar.
Em Portugal as eleições são sempre ao Domingo para facilitar a participação dos cidadãos. Será que a percentagem de votantes em Portugal é superior à verificada no Reino Unido onde as eleições acontecem em dia de trabalho normal e as pessoas têm de encontrar meio de ir trabalhar e votar, ou abster-se do acto eleitoral?
Não obstante a facilidade que é não ter de trabalhar em dia de ir à missa, isso não é impeditivo. Certamente os médicos, os enfermeiros, os polícias, os bombeiros e tantos outros, quando católicos, participam na missa.
Sendo feriado, o Corpo de Deus, que é sempre à quinta-feira, é dia de missa obrigatória. Quando deixou de ser feriado, a Igreja transferiu a missa para o Domingo seguinte para as pessoas poderem ir à missa nessa grande solenidade. E deixou de ser pecado faltar à missa nessa quinta-feira, porque deixou de haver essa missa nesse dia. Depois o governo mudou e voltou a ser feriado a quinta-feira em que calha o Corpo de Deus e voltou a ser obrigatório ir a essa missa nesse dia.
A Salvação e o Inferno não podem estar tão dependentes do poder temporal. E, em verdade, não estão.
Não tivesse a Igreja alterado a celebração do Corpo de Deus, de quinta-feira para o Domingo seguinte, e a quebra de participação na missa teria sido apenas ridícula em termos estatísticos, uma vez que fosse realizada uma adequada pastoral para elucidar os fiéis e um horário conveniente.
Como fazem os católicos da China ou dos países muçulmanos para participar nos dias santos de guarda e principalmente aos Domingos na missa? Nem é necessário extremar tanto o exemplo: como fazem os católicos em países protestantes para cumprir a sua devoção dominical ao longo do ano?
Na catequese é necessário ensinar as crianças a ir à missa e a gostar da missa, a sentirem necessidade da missa e a sentirem-se bem na missa. Infelizmente há muitos católicos, incluindo padres, que não se preocupam em tornar a missa local de encontro e de consolo para quem nela participa. Palavras são proferidas na missa sem a caridade de serem ajustadas a que quem as escuta as entenda. Ir à missa, que já não é em latim, e não perceber nada, como se ainda fosse em latim, não faz sentido. Não serve de edificação aos fiéis nem de glorificação de Deus.
A missa para manter o seu significado e o seu objectivo tem de ser realizada como Jesus fez na Última Ceia, um encontro em que todos se sintam atraídos, sensibilizados e participantes. Naquela tarde, os Apóstolos não entenderam o que se passava, mas hoje, quando vamos à missa, mesmo as crianças, já sabem para o que vão e a missa tem de respeitar o ensinamento de Jesus a seu respeito e o ensinamento de Jesus, em geral, sobre a queda do ritualismo e do farisaísmo para a elevação dos corações e do que dentro deles é visto pelo Pai, no Céu.

Orlando de Carvalho

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