sexta-feira, 10 de abril de 2020

Boff: a estola que Deus deu a Noé


Alguém me recordou um versículo do Evangelho segundo São João, escrito numa perspectiva completamente nova:

"o único paramento explicitamente referido, na última ceia, é a toalha que Jesus põe à cintura, com a qual enxagua os pés aos discípulos" (Jo 13,4)






Quando olho o teólogo e ex-padre Leonardo Boff, não vejo um dirigente ou inspirador da Teologia da Libertação. Vejo um católico baptizado e, por isso, sacerdote. O seu cachecol é na realidade uma estola, às riscas coloridas, que poderia ser usada por um rabi. Estolas muito semelhantes foram usadas durante o Grande Jubileu do ano 2000 e nas Jornadas Mundiais da Juventude de Paris. Não tem debruados a ouro nem prata, mas as cores do Arco da Aliança desenhado por Deus nos céus quando fez a sua Aliança com Noé.

Habituei-me durante muitos anos a participar em missas em que padres dominicanos usavam muitas vezes uma estola sobre a alva ou túnica branca. Apenas. Jesus não se confundia com os saduceus, fariseus ou romanos, mas sabemos que não era fácil distingui-lo e encontrá-lo no meio do povo, pois por várias vezes o quiseram agarrar para lhe fazer mal e ele desaparecia no meio do povo.

O sacerdote não se impõe pelas suas vestes ou outros símbolos, mas pela autoridade com que anuncia o Evangelho. Autoridade que quando é verdadeira é inegável, para baptizados ou não baptizados, adultos, crianças ou anciãos.

No tempo de crise pandémica que se vive nestes tempos, as igrejas estão forçadamente fechadas para evitar aglomerações de pessoas e contágio da doença, mas a verdadeira Igreja está sempre com as portas abertas, como o Pai está sempre de portas abertas para abraçar todos os filhos, mesmo os mais marotos.

Que os ministros ordenados evitem toda a opulência ou sinal menos sóbrio nas transmissões das celebrações dominicais e outras, seja através da televisão ou da Internet. Os santos, isto é, os baptizados, precisam de escutar palavras de consolação, palavras ditas com ternura e autoridade, e não de ver algo que lhes possa parecer mais relacionado com tentativa de imposição de um poder que, de facto, talvez nem exista.

Cristo ensinou-nos a cuidar dos mais débeis, ladrões, prostitutas, o próprio Judas seria de uma seita muito semelhante ao que hoje denominamos de movimento terrorista.

Jesus não trata as pessoas por adjectivos, como o Pai também não o faz, mas pelos nossos nomes, e somos olhados por Deus em função do que o nosso coração nos manda fazer e não da nossa posição social, política ou familiar. Só o Evangelho pode guiar a vida de um santo e é desta forma que no Livro dos Actos dos Apóstolos são denominados os seguidores de Cristo.

Sejamos, pois, santos, não por termos recebido água na cabeça quando éramos bebés, mas por nos darmos aos irmãos necessitados. Sem catalogar ninguém. Para que também Deus não use um catálogo quando estivermos na sua divina presença, mas nos abra os braços, nos acolha e nos perdoe, perdoe muito.

Orlando de Carvalho

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