domingo, 29 de outubro de 2023

Paraíso ou Eutanásia


 

Miguel Romão Bento Machado
1977.10.14 – 2010.10.29

 

 

A história de um rapaz tetraplégico que nunca procurou a morte, chamada eutanásia, mas aspirou sempre à vida, neste mundo de sofrimento, e à Vida Eterna.


Miguel, partiste há 13 anos. Cheio de vida, não obstante as tuas limitações e o teu sofrimento.

Contarei brevemente a tua História de Vida, de Amor, de Cristão e a da mulher que ousou casar contigo, tetraplégico, ultrapassando obstáculos, para poderes ter uma casa e uma família todos os dias, dia e noite, enquanto viveste.

Hoje é dia de dar graças a Deus por te termos conhecido, pelo que te demos e pelo que de ti recebemos.

Aí, junto de Deus, roga por nós, Miguel.

 

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Árabes, Judeus, Palestinianos, todos irmãos biológicos

 


 

 

 

SEMITAS

 

A palavra semita tem origem no relato bíblico da descendência de Noé, onde se afirma que gerou três filhos: Sem, Cã e Jafet. Semitas biologicamente seriam os descendentes de Sem. Ainda de acordo com o Livro do Génesis, que enumera diversas gerações na descendência de Sem, encontramos Abraão.

Para os linguistas a palavra semita refere-se a um conjunto de línguas e aos povos que as falavam e que são de um modo genérico, mas não exaustivo hebreus, árabes, fenícios, sírios, caldeus, que se estende a línguas faladas por povos do Magrebe, do Corno de África e ao aramaico, a língua falada por Jesus.

Estudos recentes indicam que judeus e árabes partilham o mesmo ADN.

Sem grande aprofundamento científico, entendemos que todas as guerras do Médio Oriente, entre xiitas e sunitas, entre judeus e árabes, entre todos aqueles povos, são guerras fratricidas. Eles são irmãos, biblicamente falando, linguisticamente falam ramos da mesma língua original comum e biologicamente também.

A existência de Abraão personagem bíblica, não tem, até hoje, qualquer fundamento científico. Acredita-se na existência de Abraão por uma questão de fé. Calcula-se que terá vivido entre 2 000 e 2 500 anos A. C.

Podemos retroceder a Abraão para tentar encontrar uma razão para as guerras entre os povos semitas do Médio Oriente.

O relato bíblico refere que Abraão teve dois filhos de duas mulheres, primeiro Ismael da escrava Agar e depois Isaac da esposa Sara. Posteriormente terá tido outros filhos. As mulheres, Agar e Sara, tiveram ciúmes entre si que projectaram nos seus filhos. Sara, a esposa legítima, fez com que Abraão expulsasse Agar e o seu filho para o deserto. Abraão acedeu, pois Deus lhe prometeu cuidar da mãe e do filho e a Bíblia refere que de Ismael descem os povos do deserto, os nómadas.

Isaac teve dois filhos Esaú e Jacob, este mais tarde chamado Israel. Jacob enganou seu pai e seu irmão, com a ajuda da mãe, Raquel, para ganhar a herança plena só para si. É este Israel, neto de Abraão, que dá o nome ao país e ao povo hebreu.

Sempre com ciúmes, invejas, fraudes, mentiras, este povo foi seguindo o seu caminho, sempre fiel na adoração ao Deus que se revelara a Abraão, o Deus único. É este o relato bíblico.

Os muçulmanos, a partir de Maomet, consideram-se herdeiros legítimos de Ismael. Na descendência de Israel, viria a nascer Jesus Cristo. As três religiões monoteístas encontram-se todas num ascendente comum, Abraão, e são legitimamente irmãs e os seus seguidores são irmãos e filhos do mesmo Pai, o Deus de Abraão.

Os hebreus esperam por um Messias enviado por Deus, mas quando Jesus chega e Se revela o Messias, por milagres, testemunhos e palavras, os hebreus matam-no, dando continuidade à história de ciúmes, crimes, mentiras, sempre em nome de Deus, que misericordiosamente lhes irá perdoando todos os pecados.

Após o homicídio de Jesus, os judeus continuam belicosos e os seus guerreiros realizam várias revoltas contra os invasores romanos. Estes finalmente submetem os judeus na sequência da maior revolta contra o Império, cerca do ano 70 a 74 e exterminam-nos. Quase. Uns judeus são escravizados, outros mortos, alguns continuaram na Judeia, grande parte emigrou, distribuindo-se por quase todo o mundo, realizando a Diáspora do povo judeu, porém uma parte muito significativa, e que são glorificados até hoje pelo povo judeu, suicida-se para não serem vencidos e subjugados pelos romanos, usando a mesma técnica que com que matavam ovinos e caprinos, o corte da jugular. Estes suicidas pertenciam essencialmente a um grupo guerreiro, os sicários. Seguem-se quase 2 000 anos em que a religião, entretanto fundada por Maomet se expande no Médio Oriente, os Cristãos se propagam por todo o mundo e os Judeus, em muito menor número, também se expandem por todo o mundo, embora sofrendo vários tipos de perseguição, desde a Inquisição até ao III Reich. Depois, as nações vencedoras da II Guerra Mundial decidem criar condições para os judeus voltarem à sua terra de origem da Diáspora, Israel. Ora, nem todos os judeus tinham partido, muitos ficaram sobrevivendo, sob o Império Romano, primeiro, e depois sob os vários povos que dominaram a Terra Santa, a que os romanos chamaram Palestina. Quando os judeus de todo o mundo começam a voltar à sua terra de partida, encontram lá os seus irmãos que tinham ficado e a quem os romanos tinham chamado palestinianos, nome que deriva de filisteus (da Filistina). Todavia, palestinianos e judeus não se quiseram reunir. Os palestinianos não queriam ceder as terras que ocupavam e os recém-chegados judeus, com o apoio principalmente de franceses e ingleses, tentavam desocupar essas terras para as ocuparem eles. Os povos em redor, genericamente denominados árabes, mas que não eram todos árabes, mas uma miscelânea essencialmente semita, também se sentiram ameaçados pela instalação dos recém-chegados da Europa, da América, de África, tudo gente rica, com grandes conhecimentos académicos, em comparação com os que habitavam o Médio Oriente, tudo gente pobre e pouco ou nada alfabetizada.

Em 14 de Maio de 1948 é declarada a independência do estado de Israel. Menos de 24 horas depois, o jovem Estado é invadido pelas forças armadas de Egipto, Síria, Iraque, Líbano e Jordânia. Israel conseguiu resistir e a ONU restabeleceu a paz. Uma paz precária, porque os ataques de guerrilheiros dos países vizinhos eram constantes. Em 1956 os países árabes expulsam as forças da Paz da ONU e preparam um ataque a Israel. Numa guerra que durou oito dias, os israelitas expulsaram os invasores, tomaram o Sinai e a Faixa de Gaza e obtiveram diversas vantagens logísticas.

Em Maio de 1967, os egípcios voltam a mandar retirar as forças da ONU e concentraram forças, juntamente com os jordanos e os sírios em torno de Israel. Perante o cenário, Israel lança um grande ataque de surpresa e destrói a força aérea destes países ainda no solo e ao fim de 6 dias, foi a Guerra dos Seis Dias, tinham conquistado vasto território aos seus vizinhos, que se renderam incondicionalmente e humilhados.

É então que se coloca a sério a questão dos palestinianos. Entre os judeus que retornaram a Israel estão os judeus ortodoxos, aqueles homens de tranças que, quem não visitou Israel já viu no cinema ou na televisão. Estes são os herdeiros dos fariseus do tempo de Jesus, que seguem os escritos bíblicos formalmente, se consideram santos e têm tido diversos privilégios, por exemplo em relação ao cumprimento do serviço militar.

A ONU, logo em 1947 aprova a constituição de dois Estados na Terra Santa, um judeu (Israel) e outro árabe (Palestina), sendo que os palestinianos professavam livremente a religião judaica, uns, outros, o Islão e ainda outros eram cristãos. Muitas resoluções da ONU (centenas) confirmam o reconhecimento de dois Estados, mas Israel nunca reconheceu nem permitiu que tal acontecesse.

Pelo contrário, nos territórios onde vivem os palestinianos, continuamente o Estado de Israel expulsa-os das suas casas, das suas terras, para lá colocar judeus que continuam a chegar de todo o mundo em busca de uma terra e uma casa, à custa da expulsão pela força de quem lá vive.

O Presidente Donald Trump ao assumir inopinadamente resoluções a favor de Israel exacerbou ainda mais os ânimos.

Sem expectativas de vida, os palestinianos revoltam-se tomam atitudes terroristas, com o apoio dos países e organizações árabes que também querem expulsar os judeus.

Os países em redor apertam o cerco a Israel, Israel confina cada vez mais os palestinianos e trata-os como se não fossem humanos. Os vizinhos também tratam os judeus da mesma forma.

Quem é pai ou mãe sabe que é normal os filhos brigarem, normalmente continuam amigos, outras vezes tornam-se inimigos.

Temos o caso da Península Ibérica, onde se desenrolaram várias guerras ao longo de séculos, mas onde existe uma esperança contínua de harmonia e amizade.

No caso da Terra Santa não existem indícios de que haja desejo das partes em viver em harmonia. Como vimos inicialmente, são irmãos em todos os sentidos. O principal obstáculo à paz tem sido a existência de vários grupos, que ardilosamente apelam e incitam à guerra, inventando falsos argumentos. Eles são irmãos.

Deus de Abraão estende um longo manto de paz sobre estes incontáveis filhos de Abraão, mais que as estrelas do céu, mais que os grãos de areia, conforme a tua promessa ao nosso pai comum na fé.

 

 Orlando de Carvalho

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Dubia de 5 Cardeais e resposta do Papa Francisco

 Papa Francisco. "Transsexuais são filhos de Deus" - Renascença

 

 

Quando em matéria grave de Doutrina algum bispo, ou pessoa que ocupe um alto lugar na Igreja, pode interpelar directamente o Papa, colocando-lhe a sua dúvida ou dúvidas, e a resposta do Santo Padre constitui matéria doutrinal.

Usa-se a palavra latina dubium para exprimir a dúvida, ou se forem mais que uma, usa-se o plural de dubium, em latim, dubia.

 

Temerosos dos resultados do Sínodo que agora decorre em Roma, e baseando-se em afirmações de diversos outros bispos, com diversas sensibilidades, cinco cardeais colocaram cinco dubia ao Papa Francisco.

 

Antes de prosseguir, apoiemo-nos no Evangelho, para entendermos o processo à luz da Palavra ensinada pelo Filho de Deus encarnado.

Também Jesus foi interpelado no seu tempo. Comecemos por este exemplo que Mateus nos deixou no Evangelho (Mt 19,16-22)

                                               

 Um jovem aproximou-se e disse a Jesus:

- Mestre, que devo fazer de bom para alcançar a vida eterna?

Jesus respondeu:

- Porque me interrogas sobre o que é bom? Bom é um só. Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos.

O homem perguntou:

Quais mandamentos?

Jesus respondeu:

- Não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; honra teu pai e tua mãe; e ama o teu próximo como a ti mesmo.

O jovem disse a Jesus:

- Tenho observado todas essas coisas. O que é que ainda me falta fazer?

Jesus respondeu:

- Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu. Depois vem e segue-Me.

Ao ouvir isto, o jovem retirou-se cheio de tristeza, porque era muito rico.

 

Este jovem era bem intencionado na interpelação a Jesus, embora depois tenha tido dificuldade em seguir o ensinamento do Mestre. Também conhecemos muitos outros exemplos em que Jesus é interpelado, mas maliciosamente. Também em Mateus temos desses exemplos. Detenhamo-nos em (Mt 22,16-21).

 

Naquele tempo, os fariseus reuniram-se para deliberar sobre a maneira de surpreender Jesus no que dissesse. Enviaram-Lhe alguns dos seus discípulos, juntamente com os herodianos, e disseram-Lhe:

- Mestre, sabemos que és sincero e que ensinas, segundo a verdade, o caminho de Deus, sem te deixares influenciar por ninguém, pois não fazes acepção de pessoas. Diz-nos o teu parecer: É lícito ou não pagar tributo a César?

Jesus, conhecendo a sua malícia, respondeu:

- Porque Me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo.

Eles apresentaram-Lhe um denário e Jesus perguntou:

De quem é esta imagem e esta inscrição?

Eles responderam:

- De César.

Disse-Lhes Jesus:

- Então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.

 

Não existe mal em ter dúvidas e em as colocar, ou nelas meditar, mas as dúvidas também podem ser colocadas para pressionar e fazer cair no ridículo a pessoa a quem são dirigidas.

Nos casos que Mateus nos relata, vimos o jovem rico, cheio de boas intenções, no primeiro caso, e umas víboras que tentam desacreditar o Senhor no segundo caso.

 

Acontece que o Papa Francisco está a realizar na Igreja uma série de correcções à prática que vinha sendo correntemente adoptada, em muitos casos ao longo de séculos, e que eram desvios aos ensinamentos de Jesus, reintroduzindo uma prática tanto mais evangélica quanto possível. Tal agrada à generalidade do povo de Deus, mas desagrada a muitos que sentem fugirem-lhes muitos privilégios, privilégios injustos que foram adquirindo por via dessas más interpretações do Evangelho.

 

Jesus, a propósito dos fariseus que tentavam impor regras da sua autoria (Cf. Mt 23,4), ensinou:

Mas não imiteis as suas acções, pois eles dizem e não praticam. Amarram pesados fardos e colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los, nem sequer com um dedo.

 

À luz desta introdução com textos bíblicos, poderemos analisar mais adiante se os Cardeais que colocaram as dubia ao Papa estavam com boas intenções ou tentavam apanhá-lo em falso.

 

Os cardeais são todos eles conhecidos pela forte oposição à regeneração evangélica do Papa Francisco. São muito conhecidos nos meios teológicos, mas os seus nomes pouco ou nada dizem ao fiel comum. Os seus nomes:

Walter Brandmüller, cardeal emérito de 94 anos, e Raymond Leo Burke, cardeal norte-americano de 75 anos, que encabeçam este movimento das dubia. Juan Sandoval Íñiguez, Cardeal de Guadalajara, de 90 anos, Robert Sarah, Cardeal guineense de 78 anos e Joseph Zen Ze-kiun, Bispo emérito de Hong-Kong, com 91 anos.

 

Usaremos traduções simplificadas das dubia e das respostas, que copiámos ou adaptámos de textos fidedignos, da Santa Sé ou de agências acreditadas pela Igreja.

 

Eis as 5 dubia e respostas

Dubium 1. “É possível que a Igreja ensine hoje doutrinas contrárias às que ensinou anteriormente em matéria de fé e de moral, seja pelo Papa ex cathedra, seja nas definições de um Concílio ecuménico, seja no magistério ordinário universal dos bispos espalhados pelo mundo (cf. Lumen Gentium 25)?”

Resposta do Papa Francisco

a) A resposta depende do significado que atribuem à palavra "reinterpretar". Se for entendida como "interpretar melhor", a expressão é válida. Nesse sentido, o Concílio Vaticano II afirmou que é necessário que, através do trabalho dos exegetas - e eu acrescentaria, dos teólogos - "o juízo da Igreja amadureça" (Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição Dogmática Dei Verbum, 12).

b) Portanto, se é verdade que a Revelação divina é imutável e sempre vinculante, a Igreja deve ser humilde e reconhecer que nunca esgota sua insondável riqueza e precisa crescer na compreensão.

c) Consequentemente, também cresce na sua compreensão do que ela mesma afirmou no seu Magistério.

d) As mudanças culturais e os novos desafios da história não alteram a Revelação, mas podem estimular-nos a expressar melhor certos aspectos da sua riqueza transbordante que oferece sempre mais.

e) É inevitável que isso possa levar a uma melhor expressão de algumas afirmações passadas do Magistério, e isso de facto aconteceu ao longo da história.

f) Por outro lado, é verdade que o Magistério não é superior à Palavra de Deus, mas também é verdade que tanto os textos da Escritura quanto os testemunhos da Tradição precisam de uma interpretação que permita distinguir a sua substância perene dos condicionamentos culturais. Isso é evidente, por exemplo, em textos bíblicos (como Êxodo 21, 20-21) e em algumas intervenções magisteriais que toleravam a escravidão (cf. Nicolau V, Bula Dum Diversas, 1452). Esse não é um argumento secundário, dada a sua íntima conexão com a verdade perene da dignidade inalienável da pessoa humana. Esses textos precisam de uma interpretação. O mesmo se aplica a algumas considerações do Novo Testamento sobre as mulheres (1 Coríntios 11, 3-10; 1 Timóteo 2, 11-14) e a outros textos da Escritura e testemunhos da Tradição que não podem ser repetidos hoje.

g) É importante enfatizar que o que não pode mudar é o que foi revelado "para a salvação de todos" (Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição Dogmática Dei Verbum, 7). Portanto, a Igreja deve discernir constantemente o que é essencial para a salvação e o que é secundário ou menos directamente relacionado a esse objectivo. Interessa-me recordar o que São Tomás de Aquino afirmou: "quanto mais se vai aos particulares, mais aumenta a indeterminação" (Summa Theologiae 1-1 1, q. 94, art. 4).

h) Por fim, uma única formulação de uma verdade nunca pode ser compreendida adequadamente se for apresentada isoladamente, isolada do contexto rico e harmonioso de toda a Revelação. A "hierarquia das verdades" também implica colocar cada verdade em conexão adequada com verdades mais centrais e com o ensino da Igreja como um todo. Isso pode levar a diferentes maneiras de expor a mesma doutrina, mesmo que "para aqueles que sonham com uma doutrina monolítica defendida por todos sem cambiantes, isso pode parecer uma dispersão imperfeita. Mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diferentes aspectos da inesgotável riqueza do Evangelho (Evangelii gaudium, 40). Qualquer corrente teológica tem os seus riscos, mas também as suas oportunidades.

 

Dubium 2. “Será possível que, em certas circunstâncias, um pastor possa abençoar uniões entre pessoas homossexuais, dando, assim, a entender que o comportamento homossexual enquanto tal não seria contrário à lei de Deus e ao caminho da pessoa para Deus? Ligado a este dubium, é necessário levantar um outro: continua a ser válido o ensinamento defendido pelo magistério ordinário universal, segundo o qual todo o acto sexual fora do matrimónio, e em particular os actos homossexuais, constitui um pecado objectivamente grave contra a lei de Deus, independentemente das circunstâncias em que se realiza e da intenção com que é praticado?”

Resposta do Papa Francisco

a) A Igreja tem uma concepção muito clara do matrimónio: uma união exclusiva, estável e indissolúvel entre um homem e uma mulher, naturalmente aberta a gerar filhos.

Somente essa união pode ser chamada de "matrimónio". Outras formas de união o realizam apenas "de maneira parcial e analógica" (Amoris laetitia 292), portanto não podem ser chamadas estritamente de "matrimónio".

b) Não se trata apenas de uma questão de nomes, mas a realidade que chamamos de matrimónio tem uma constituição essencial única que requer um nome exclusivo, não aplicável a outras realidades. É, sem dúvida, muito mais do que um mero "ideal".

c) Por essa razão, a Igreja evita qualquer tipo de rito ou sacramental que possa contradizer essa convicção e levar a entender que se reconheça como matrimónio algo que não o é.

d) Todavia, no nosso relacionamento com as pessoas, não devemos perder a caridade pastoral, que deve permear todas as nossas decisões e atitudes. A defesa da verdade objectiva não é a única expressão dessa caridade, que também é composta de gentileza, paciência, compreensão, ternura e encorajamento. Portanto, não podemos ser juízes que apenas negam, rejeitam, excluem.

e) Portanto, a prudência pastoral deve discernir adequadamente se existem formas de bênção, solicitadas por uma ou mais pessoas, que não transmitam um conceito erróneo de matrimónio. Pois, quando se pede uma bênção, está a expressar-se um pedido de ajuda a Deus, uma súplica para poder viver melhor, uma confiança num Pai que nos pode ajudar a viver melhor.

f) Por outro lado, embora existam situações que, de um ponto de vista objectivo, não são moralmente aceitáveis, a mesma caridade pastoral exige que não tratemos simplesmente como "pecadores" outras pessoas cuja culpa ou responsabilidade pode ser atenuada por vários factores que influenciam a imputabilidade subjectiva (cf. São João Paulo II, Reconciliatio et Paenitentia, 17).

g) As decisões que podem fazer parte da prudência pastoral em determinadas circunstâncias não precisam necessariamente de se tornar uma norma. Ou seja, não é conveniente que uma Diocese, uma Conferência Episcopal ou qualquer outra estrutura eclesial habilite constante e oficialmente procedimentos ou ritos para todo tipo de questão, pois tudo "que faz parte de um discernimento prático diante de uma situação particular não pode ser elevado ao nível de norma", porque isso "daria lugar a uma casuística insuportável" (Amoris laetitia 304). O Direito Canónico não deve e não pode abranger tudo, nem as Conferências Episcopais, com seus vários documentos e protocolos, devem pretender isso, uma vez que a vida da Igreja flui por muitos canais além dos normativos.

 

Dubium 3. “O Sínodo dos Bispos que se realizará em Roma, e que inclui apenas uma representação escolhida de pastores e de fiéis, exercerá, nas questões doutrinais ou pastorais sobre as quais será chamado a exprimir-se, a autoridade suprema da Igreja, que pertence exclusivamente ao Romano Pontífice e, una cum capite suo, ao Colégio dos Bispos (cf. Cân. 336 C.I.C.)?”

Resposta do Papa Francisco

a) Não obstante reconheçam que a autoridade suprema e plena da Igreja seja exercitada seja pelo Papa em virtude do seu cargo, seja pelo colégio dos bispos com a sua cabeça o Romano Pontífice (Cfr. Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição dogmática Lumen gentium, 22), com essas mesmas perguntas os senhores manifestam a própria necessidade de participar, de expressar livremente o seu parecer e de colaborar, pedindo assim uma forma de "sinodalidade" no exercício do meu ministério.

b) A Igreja é um "mistério de comunhão missionária", mas esta comunhão não é somente afectiva ou etérea, mas implica necessariamente uma participação real: não só a hierarquia, mas todo o Povo de Deus em modos diversos e em diferentes níveis pode fazer ouvir a própria voz e sentir-se parte do caminho da Igreja. Neste sentido, podemos dizer que a sinodalidade, como estilo e dinamismo, é uma dimensão essencial da vida da Igreja. Sobre este ponto, disse coisas muito belas São João Paulo II na Novo Millennio Ineunte.

c) Outra coisa é sacralizar ou impor uma determinada metodologia sinodal que agrada um grupo, transformá-la em norma e percurso obrigatório para todos, porque isto levaria somente a “congelar” o caminho sinodal, ignorando as diversas características das várias Igrejas particulares e a variegada riqueza da Igreja universal.

 

Dubium 4. “Poderia a Igreja, no futuro, ter a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, contradizendo, assim, que a reserva exclusiva deste sacramento aos homens baptizados pertence à própria substância do Sacramento da Ordem, que a Igreja não pode mudar?”.

Resposta do Papa Francisco

a) "O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial diferem essencialmente" (Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição dogmática Lumen gentium, 10). Não é oportuno apoiar uma diferença de grau que implique considerar o sacerdócio comum dos fiéis como algo de "segunda categoria" ou de menor valor ("um grau inferior"). Ambas as formas de sacerdócio se iluminam e se amparam reciprocamente.

b) Quando São João Paulo II ensinou que é preciso afirmar "de modo definitivo" a impossibilidade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres de modo algum estava a denegrir as mulheres e a conferir um poder supremo aos homens. São João Paulo II afirmou também outras coisas. Por exemplo, que quando falamos do poder sacerdotal “estamos no âmbito da função, não da dignidade e da santidade”. (São João Paulo II, Christifideles laici, 51). São palavras que não colhemos suficientemente. Afirmou ainda claramente que não obstante só o sacerdote presida à Eucaristia, as tarefas "não dão justificação à superioridade de uns sobre os outros" (São João Paulo II, Christifideles laici, nota 190; Cfr. Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração Inter Insigniores, VI). Afirmou também que se a função sacerdotal é "hierárquica", não deve ser compreendida como uma forma de domínio, mas “é totalmente ordenada à santidade dos membros de Cristo” (São João Paulo II, Mulieris dignitatem, 27). Se isto não for compreendido e não forem tiradas as consequências práticas dessas distinções, será difícil aceitar que o sacerdócio seja reservado só aos homens e não poderemos reconhecer os direitos das mulheres ou a necessidade de que elas participem, de vários modos, na condução da Igreja.

c) Por outro lado, para sermos rigorosos, reconheçamos que ainda não foi desenvolvida exaustivamente uma doutrina clara e com autoridade sobre a natureza exacta de uma "declaração definitiva". Não é uma definição dogmática, e mesmo assim deve ser aceite por todos. Ninguém pode contradizê-la publicamente e todavia pode ser objecto de estudo, como no caso da validade das ordenações na Comunhão anglicana.

 

Dubium 5. “Pode receber validamente a absolvição sacramental um penitente que, embora admitindo um pecado, se recusar a fazer, de qualquer forma, o propósito de não o voltar a cometer?”

Resposta do Papa Francisco

a) O arrependimento é necessário para a validade da absolvição sacramental  e implica a intenção de não pecar. Mas aqui não há matemática e devo recordar mais uma vez que o confessionário não é uma alfândega. Não somos os donos, mas humildes administradores dos Sacramentos que nutrem os fiéis, porque estes dons do Senhor, mais do que relíquias a conservar, são auxílio do Espírito Santo para a vida das pessoas.

b) Existem muitas maneiras de expressar arrependimento. Muitas vezes, nas pessoas que estão com a autoestima muito ferida, declararem-se culpadas é uma tortura cruel, mas só o acto de se aproximarem da confissão é uma expressão simbólica de arrependimento e de busca da ajuda divina.

c) Quero também recordar que “às vezes nos custa muito dar espaço na pastoral ao amor incondicional de Deus" (Amoris laetitia 311), mas se deve aprender. Seguindo São João Paulo II, defendo que não devemos pedir aos fiéis propósitos de correcção demasiados detalhados e firmes, que no final acabam por ser abstractos ou até mesmo narcisistas, mas inclusive a previsibilidade de uma nova queda "não prejudica a autenticidade do propósito" (São João Paulo II, Carta ao Card. William W. Baum e aos participantes do curso anual da Penitenciaria Apostólica, 22 de Março de 1996, 5).

d) Por fim, deve ser claro que todas as condições que normalmente se colocam na confissão geralmente não são aplicáveis quando a pessoa se encontra numa situação de agonia ou com as suas capacidades mentais e psíquicas muito limitadas.

 

 

 

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Viver para quê?

How many people has the Hamas-Israel war killed so far? - L'Orient Today 

 

 Deus,
Santíssima Trindade,
Amor, Sabedoria, Caridade, Misericórdia,
Há quantos milhões criastes o Universo, com o carinho com que uma mãe prepara o enxoval para o seu bebé.
Quantos milhares de anos passaram desde que criastes o primeiro casal humano.
Deste-nos as ferramentas para o desenvolvimento e evolução de
- técnica
- ciência
- tecnologia
- medicina
- domínio das energias
- domínio sobre as comunicações, primeiro as línguas, depois as escritas, o digital
- conhecimento do bem e do mal, as nossas obrigações e os direitos dos outros
- o entendimento para cuidar do outro, mesmo em nosso desfavor
- viagens no espaço e nos oceanos profundos
E que aproveitamos fizemos de toda essa dádiva?
Matamo-nos, cavando a sepultura, das nossas almas, quem sabe quão longe de vós?
Se pudesse haver esperança... não esperança para uns quantos, mas para a obras da tua Criação!
Caminhamos cada vez mais às cegas à procura de nos igualarmos a Ti, sem entender que o teu domínio não é a força, mas o amor.
Criaste-nos e vais abandonar-nos neste Inferno que nós criamos?
Vais deixar-nos perder a oportunidade de uma vida e assim morrer?