A mãe e os irmãos
Atrás foi levantada a questão se Maria terá sido favorecida por Deus, em relação às outras pessoas, quando foi escolhida para mãe do Messias. Eis a resposta, neste fabuloso comentário de Santo Agostinho:
Maria foi maior em receber a fé em Cristo do que em conceber a carne de Cristo. Por isso, a consanguinidade materna de nada teria aproveitado a Maria, se ela não se tivesse sentido mais feliz em hospedar Cristo no coração do que no seio. (Sermão 215, 1).
Piedosamente, muito pensam que a excelência de Maria provém da sua maternidade biológica ou mesmo da sua maternidade virginal. Do ponto de vista orgânico, qualquer mulher sem distúrbios anatómicos ou fisiológicos poderia ter concebido e dado à luz aquela criança em Belém. Acreditamos, não restem dúvidas, na maternidade virginal de Maria. E interrogamo-nos: se tivesse sido um parto igual a todos os outros, Maria desceria na consideração dos cristãos, seria menos importante? Será mais importante Maria ser mãe ou ser virgem? Tanto entre os judeus, como depois entre os cristãos, ou em qualquer outra cultura, a maternidade é considerada uma das coisas mais belas e, por oposição à esterilidade, uma dádiva de Deus, tanto para a mãe como para o pai.
Assim, certamente levando em consideração estas ou outras considerações, Santo Agostinho desce para segundo plano a consanguinidade entre Maria e Jesus e sobressai a sua plena confiança em Deus. Mais importante que gerar o bebé no útero foi gerá-lo no seu coração.
Não obstante, há uma passagem bíblica em que alguns teólogos conseguem descortinar um ambiente tenso e uma relação familiar difícil entre Mãe e Filho.
Jesus ainda estava a falar às multidões. Sua Mãe e seus irmãos ficaram do lado de fora, procurando falar com Ele. Alguém disse a Jesus: «Olha! Tua Mãe e teus irmãos estão lá fora, e querem falar contigo». Jesus perguntou àquele que tinha falado: «Quem é minha Mãe e quem são os meus irmãos?» E, estendendo a mão para os discípulos, Jesus disse: «Aqui estão minha Mãe e meus irmãos, pois todo aquele que faz a vontade do meu Pai que está no Céu, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe». (Mateus 12,46-50)
Ora, além de o coração nos impor uma relação amorosa entre Jesus e a Mãe, também uma boa interpretação do facto confirma essa certeza.
Com aquelas palavras, o Senhor não estava a rebaixar a Mãe, mas a edificar-nos. Maria não ocupa um lugar de relevo na Igreja e nos Céus sem razão. Ela fez a vontade do Pai de Jesus que está no Céu, como lhe foi requerido, desde logo ao aceitar a maternidade. A importância maior de Maria não deriva, é o Senhor quem o afirma nesta passagem evangélica, de ter sido mãe biológica, mas, antes de mais e principalmente, por ter aceitado e conformar-se à vontade de Deus. Ora, isso está ao alcance de todos nós. Aceitemos a vontade de Deus e cumpramo-la e seremos irmão, irmã e mãe de Jesus. Não se trata de retórica, mas das próprias palavras de Nosso Senhor atrás transcritas. Pode ser conseguido por qualquer de nós.
Perscrutando activamente, que é ser irmão, irmã, mãe? É viver profundamente na intimidade, partilhar segredos e experiências, caminhar de mãos dadas, ser amigo, amar até dar a vida, defender o bom nome mutuamente. Esta relação que existe entre Mãe e Filho, o Filho propõe-se estendê-la a todos nós, a todos os que fizerem a vontade do Pai que está no Céu.
Feliz o peito
Enquanto Jesus falava, uma mulher levantou a voz no meio da multidão e disse-Lhe: «Feliz o ventre que Te trouxe e os seios que Te amamentaram». Jesus respondeu: «Mais felizes são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática» (Lucas 11,27-28).
Novamente nos deparamos com um trecho do Evangelho mal interpretado por alguns teólogos que descobrem na resposta de Jesus um insulto à sua Mãe, preterindo uma interpretação à luz dos novos ensinamentos que o mesmo Jesus trazia: mais importante que tudo na vida, mesmo para Maria, para o próprio Jesus e para cada um de nós hoje, é escutar a Palavra de Deus, de onde irradia toda a verdade e toda a vida e pô-la em prática.
Efectivamente com frequência tomamos conhecimento de casos, que actualmente se denominam de violência doméstica, em que a ternura da relação maternal é suplantada pela indiferença, que leva à perda dos filhos mal acompanhados ou desacompanhados, e mesmo por agressões verbais, emocionais e físicas, acompanhadas de dor e sofrimento, que ultrapassam os limites da natural correcção da mãe dedicada que educa.
Por esta razão, uma família adoptiva pode realizar um melhor trabalho educativo e formativo que a família natural.
Jesus quer que as famílias tenham como pilar a educação que emana da Palavra de Deus. Tendo como alvo o crescimento em estatura e graça, como refere o Evangelho, das crianças, consegue melhores resultados a família que usa a Palavra de Deus como manual educativo que outra que fundamenta o direito paternal e maternal na capacidade progenitora que, salvo alguns casos, até é comum a animais e plantas, com a devida salvaguarda.
Qualquer adulto lembra normalmente se foi bem ou mal tratado pela mãe, o carinho, a transmissão de saber e o encorajamento para aprender e para enfrentar a vida, que recebeu ou deixou de receber, mas muito poucos ou nenhuns se recordarão de como foram amamentados.
Mãe do discípulo
Aos pés da cruz, Maria escuta o filho concluir o anúncio feito pelo anjo, na sua juventude, mais de trinta anos antes. A jovem que respondera afirmativamente à proposta de se tornar Mão do Filho do Altíssimo, tendo-O dado à luz, há já tanto tempo, descobre, nas palavras dEsse filho moribundo, o verdadeiro significado do seu SIM. A Igreja, formada por todos os fiéis à Palavra, que é Jesus, ela mesma é o Corpo dEsse Jesus.
Ora, vós sois o corpo de Cristo e sois seus membros, cada um no seu lugar. (1Coríntios, 12-27)
Assim, a Mãe do Menino Jesus, tendo-se tornado Mãe do anunciador do Reino dos Céus, converte-se também em Mãe da Igreja, pois esta é o Corpo de Cristo, todos os fiéis em conjunto formamos o Corpo que Maria deu à luz. Este é um mistério fantástico da nossa fé e um dos mais belos, que talvez devesse ser mais meditado, tendo em conta o conforto e o consolo que podem aportar ao fiel. Como a Igreja é formada por todos os fiéis, Maria é mãe de todos os crentes, de cada crente, de cada discípulo.
Ao confiar a Maria o discípulo, como filho, pois o filho biológico estava prestes a terminar a sua passagem pela Terra, o Senhor indica também ao discípulo Maria como sua Mãe.
Jesus viu sua Mãe junto à cruz e, ao lado d'Ela, o discípulo que Ele amava. Então disse a sua Mãe: «Mulher, eis aí o teu filho». Depois disse ao discípulo: «Eis aí a tua Mãe». E, dessa hora em diante, o discípulo recebeu-A em sua casa. (João 19,25-27)
De acordo com os Mandamentos dados por Deus a Moisés, e inscritos na Tábua, cada discípulo de Jesus, depois desta disposição testamentária do Senhor, recebeu o desígnio de, no mínimo, honrar a mãe de Deus. Não é normal uma pessoa ficar-se apenas por honrar a sua mãe, pois que também a ama, aprende com ela em criança e cuida dela ao tornar-se adulta.
Deste modo, e por causa do que se passou no Calvário, na hora derradeira, Lourdes, Rue du Bac, Aparecida, Guadalupe, Fátima, e tantas outras invocações, adquirem sentido. Porque não passam apenas por manifestações fantásticas, mas o cumprimento daquela dádiva na cruz.
Sempre que Nossa Senhora vem falar aos homens e mulheres do mundo, está simplesmente a cuidar deles como filhos, como Jesus lhe pediu. Nada há mais importante no cuidado de uma mãe, como Jesus atrás ensinou, que orientar os filhos para a escuta da Palavra de Deus (como começou logo a fazer durante as Bodas de Caná) e cumprir essa Palavra, agir de acordo com Ela. Não tinha Jesus afirmado que era mais importante escutar e cumprir a Palavra que ser seu parente biológico?
Em nenhuma aparição validada pela Igreja, Nossa Senhora entra em contradição com o Evangelho ou sequer tenta completá-lo. Ela apenas repete o Evangelho, isto é, as palavras de Jesus, e exorta ao seu cumprimento. Rezai pela paz, pediu em Fátima. Ora, a paz é a primeira coisa que Jesus quer oferecer aos discípulos quando vai ao seu encontro depois de ressuscitar, insistindo sempre:
- A paz esteja convosco!
Em Fátima, Maria pediu oração e conversão. Sabemos do Evangelho que é precisamente o que o Senhor pretende de nós.
In Curriculum de Maria, Orlando de Carvalho
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