Padre Teodoro Marques da Silva e Papa Francisco |
Na década entre 1965 e 1975, mais ou menos, fui paroquiano
em São João de Deus, em Lisboa. Conheci então o padre Teodoro Marques da Silva.
Era um homem e um padre de discurso fácil, mesmo aliciante e transmitia aquela
espiritualidade muito característica do canto "Queremos Deus". Aqui uma interpretação actual, muito menos forte que a que usávamos então. *
Aos Domingos de manhã, a igreja enchia para cinco ou seis missas, pois havia alguma espécie de contágio e a maior parte dos numerosos padres que trabalhavam na paróquia seguiam o mesmo estilo oratório cativante.
Aos Domingos de manhã, a igreja enchia para cinco ou seis missas, pois havia alguma espécie de contágio e a maior parte dos numerosos padres que trabalhavam na paróquia seguiam o mesmo estilo oratório cativante.
Eu gostava muito de ouvir o padre Teodoro na igreja. Ele também
falou aos sábados ao fim da tarde na RTP, durante algum tempo, mas eu gostava
mesmo era ao vivo.
Por alguma razão, gravei na memória algumas das suas
intervenções em homilias, não porque gostasse especialmente delas, mas porque
me marcaram.
Veio uma comissão de moradores nas barracas da Av. do Aeroporto,
que entretanto foi rebaptizada Av. Almirante Gago Coutinho, visitar-me para
pedir que celebrássemos naquele bairro uma missa semanal, uma vez que estão
longe desta igreja, querem assistir à missa e nem se sentem bem aqui no meio de
pessoas bem vestidas e apresentadas, coisa que eles não podem. Neguei categoricamente.
Ora se cada bairro da paróquia viesse, com igual direito, pedir uma zona à
porta de casa? Claro que não é viável nem realista atender tal pedido. Aqui é a
igreja paroquial e é aqui que celebramos as únicas missas paroquiais.
Noutra ocasião apresentou na homilia um caso muito
diferente, mas não tanto.
Vieram uns senhores ter comigo a perguntar-me se, neste
tempo de Verão quente que estamos a viver, podiam participar na missa em mangas
de camisa. A minha resposta foi rápida e clara:
- Quando for permitida a entrada no Teatro de S. Carlos em
mangas de camisa, também será permitido nesta igreja. Até lá, continuamos a vir
de casaco e gravata, como no São Carlos.
Só depois de o padre Teodoro ter falecido, muito mais tarde, vim
a saber que tinha sido capelão da Praça de Touros do Campo Pequeno. Nem nunca
me tinha passado pela cabeça que existisse tal coisa.
Têm-me interpelado algumas pessoas acerca da moralidade das
touradas, porque os touros sofrem. Meus amigos, Deus criou os animais para os
homens tirarem deles proveito, o melhor que soubessem. Ora, se dá prazer às
pessoas o toureio, nada de errado existe, foi para isso que Deus criou os
touros.
Recordando intervenções do padre Teodoro, percebo
a razão de as ter retido na memória. O discurso apelativo, o seu tom intimista
e simpático, agradavam. Mas eu, de facto, gostava da carne e do osso, mas
desagradava-me o tutano, embora na altura não entendesse sequer a sua
abrangência.
Compreendi mais tarde os problemas que o já Cónego Teodoro
enfrentou como pároco na Sé Catedral, para onde foi transferido depois do 25 de
Abril.
Nesta reflexão, este padre serve-nos para entendermos as mudanças que
se realizaram na Igreja pós-conciliar. O padre Teodoro nunca se evidenciou
contra o Concílio, pelo contrário. A paróquia de São João de Deus foi das
primeiras a realizar missas dominicais ao sábado – coisa que muitos padres
ainda hoje são incapazes de entender, apegados a tradições e desapegados da
Tradição Evangélica – e mesmo ao sábado à noite, tal era a maneira como conseguia
entender as necessidades das pessoas. Mas já não as entendia no caso dos
moradores das barracas da Avenida do Aeroporto.
A Igreja está a percorrer um caminho longo e pedregoso de
desapego do mundo, do mundanismo, da riqueza, do estatuto, embora a opção
preferencial pelos pobres esteja para muitos ainda num horizonte muito afastado. Felizmente,
são já muitos aqueles que a entenderam. Aliás, se essa opção não tivesse
existido sempre, pelo menos em alguns, a Igreja já se tinha extinguido.
Com João XXIII, a Igreja iniciou um percurso, a princípio na
teoria, no papel. Hoje, com Francisco, não obstante as aclarações ainda
necessárias, a opção evangélica é a regra e a Lei. A maior parte das dúvidas
que restam, têm-nas aqueles que estão a colocar em primeiro lugar a defesa dos
seus interesses pessoais, antes da vontade de Deus. As mentes não podem mudar
num dia e o capelão do Campo Pequeno, grande aficionado, não se levanta um dia
de manhã a pensar e a declarar que torturar touros é maltratar o que Deus nos
deu.
Comparando a prática do padre Teodoro, mais acessível que a
do Patriarca Cerejeira ou de algum papa, fica à nossa mercê entender
profundamente o que mudou, o que está a mudar e o que é preciso mudar na igreja
actual ou no estado a que a Igreja chegou. Temos que regressar às origens do
Evangelho, de Jesus, da Palavra encarnada, mas também da Palavra criadora da
primeira hora do Cosmos, e à harmonia cósmica. Apelidar este retorno à Casa de
Deus, como pretendem alguns privilegiados e alguns desatentos, de New Age e outros epítetos com segundas intenções só pode ser maldade
e não nos parece nada cristão.
Orlando de Carvalho
* Queremos Deus
1. Queremos Deus homens ingratos / Ao Pai supremo, ao redentor / Zombam da fé os insensatos / Erguem-se em vão contra o Senhor
Refrão: Da nossa fé, oh! Virgem, o brado abençoai / Queremos Deus que é nosso Rei / Queremos Deus que é nosso Pai.
2. Queremos Deus e a sã doutrina / Que nos legou na sua cruz / Que leve a escola e a oficina, a lei de Cristo, o amor e luz
Refrão
1. Queremos Deus homens ingratos / Ao Pai supremo, ao redentor / Zombam da fé os insensatos / Erguem-se em vão contra o Senhor
Refrão: Da nossa fé, oh! Virgem, o brado abençoai / Queremos Deus que é nosso Rei / Queremos Deus que é nosso Pai.
2. Queremos Deus e a sã doutrina / Que nos legou na sua cruz / Que leve a escola e a oficina, a lei de Cristo, o amor e luz
Refrão
3. Queremos Deus na Pátria amada / Amar-mos todos como irmãos / E ver a Igreja respeitada / São nossos votos de cristãos
Refrão
4. Glória à Jesus na Hóstia santa / que se consagra sob o altar, / e aos nossos olhos se levanta / a Portugal a abençoar
Como me soube bem ler este seu artigo. Ao padre Teodoro, a minha reverência. Conheci-o bem, confessei-me a ele muitas vezes, porque vivia nesse tempo na av. de Roma.
ResponderEliminarTambém o cântico "Quemós Deus", que já tenho cantado com alguns grupos católicos, e pessoas da nossa idade.
Concordo plenamente com a necessidade de olharmos sempre para a Igreja à luz do Evangelho, do anúncio do Amor a Deus e aos irmãos.
Um abraço.
Palmira Barata
Quer dizer que éramos vizinhos. E a a Palmira provavelmente cliente do meu pai.
EliminarO Canto «Queremos Deus» é muito belo, obrigado por partilhar.
ResponderEliminarRecordo São Francisco de Assis que tão bem nos pode servir de exemplo para este percurso de evangelização, opção preferencial pelos pobres e amor à criação por a ver como obra do Criador.
Estas obras de São Francisco foram alimentadas por um profundo amor a Deus sobre todas as coisas, amor à Santa Missa e à Sagrada Eucaristia e uma liturgia de adoração, louvor e glória a Deus que não tem nada de minimalismo.
Se não fundarmos também o nosso caminho neste amor a Deus, na Santa Missa oferecida a Deus, na união ao Sacrifício do Altar e comunhão da Eucaristia, Nosso Senhor presente entre nós em Corpo e Alma vamos ficar nós pelo mundano.
Ficamos apenas como mais uma comunidade cristã, uma opção entre várias e uma religiosidade em que Deus é que se converte de acordo com os nossos gostos e opiniões.
A missão da Igreja é a salvação das almas, "Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho mandado"
Sobre São Francisco de Assis e o seu amor à Eucaristia:
https://coracaosacerdotal.wordpress.com/2010/10/20/sao-francisco-de-assis-modelo-de-amor-eucaristico-para-os-sacerdotes-e-os-fieis/