Os Mandamentos entregues por Deus a Moisés eram 10. Os
judeus muito zelosos da sua religiosidade e pensando que cumprir essas regras
era o meio de alcançar o Céu, chegaram à conclusão que eram demasiado fáceis.
Não matar, não roubar, não cometer adultério, não adorar falsos deuses… Era
praticamente escancarar as portas do Céu a toda a gente. Como não havia ainda sido
inventado o papa, não se punha a questão de serem ou não mais papistas que o
papa, assim, os judeus mais cumpridores da lei decidiram ser mais mosaicos que
Moisés ou mais divinos que o Senhor Deus e foram acrescentando leizinhas, regrazinhas,
empecilhos e estorvos aos verdadeiros fiéis, tornando cada vez mais difícil o
acesso ao Céu.
Na sua ignorância pensavam que o Céu era um prémio, à
semelhança de uma taça, para quem vence uma competição. Não lhes parecia bem
que fosse uma entrada franqueada a todos. O julgamento e a condenação que na
mente humana, dessa época e da nossa, infelizmente, era o que mais fazia vibrar
o coração e o ânimo das pessoas, tinha de ser bem enfatizado. A condenação
fazia vibrar o sangue dentro das veias. Assistir aos condenados pendurados numa
forca, suspensos numa cruz, amarrados por cima de uma fogueira ou às suas
cabeças a rolarem dava prazer e satisfazia o que de mais nojento povoava o
cérebro humano. E isso dava gozo, como tem continuado a dar nos nossos dias com
a utilização de armas químicas, biológicas ou a simples tortura do inimigo. Milhares
de anos depois, continuamos tão bárbaros como antes.
Os judeus que se achavam zelosos e santos, e principalmente
melhores e mais santos que os outros judeus e as outras pessoas, inventaram
centenas de outras leis e sentenciaram que era o cumprimento das leis que eles
tinham inventado que dava acesso ao Céu e não aquelas que o Senhor Deus
entregara a Moisés. Essa casta de judeus intitulou-se a si mesma de fariseus –
queriam assim exprimir que eram tão santos que estavam separados dos outros que
eram pecadores. Eles eram santos e puros porque não praticavam as coisas que
eles tinham determinado que eram impureza. Não Deus, mas eles mesmo tinham
decidido o que era puro e agradável a Deus e o que desagradava a Deus. Todos sabemos
que os judeus não comem carne de porco, embora nada seja dito sobre esse
assunto nos Mandamentos entregues a Moisés.
Esta foi uma das razões pelas quais Deus tomou a decisão de
vir acampar entre nós, para esclarecer que nenhuma dessas mesquinhices
inventadas pelos homens tinha a ver com a vontade de Deus, e que nem sequer Lhe
agradavam.
Afinal os Mandamentos não passam de uma síntese bem
elaborada de regras de bom senso e de boa convivência. Cumprir os Mandamentos é
fazer aos outros o que se gostaria que os outros nos fizessem.
Antes, devia fazer-se aos outros o que eles nos faziam: olho
por olho, dente por dente. Tratar bem quem nos trata bem e tratar mal quem nos
trata mal. Mas quando os Mandamentos proíbem matar, corta a hipótese de matar
quem matou e isto colide com o espírito de vingança. Ele matou, deve ser morto.
Aliás, este espírito e a sua prática excedem em muito o “olho por olho, dente
por dente”. Mata-se quem rouba, por exemplo, mata-se quem profere ofensas. E mata-se
em nome de Deus – que blasfémia tão grande!
Quando Deus vem habitar entre as pessoas, nascendo de uma
mulher e fazendo-se humano, altera completamente o quadro penal judaico. Jesus bem
explica que não veio alterar a Lei, mas completá-la. Ainda assim, há duas
perspectivas para estas palavras. O Messias vem completar a Lei, os Dez
Mandamentos, todavia altera completamente o quadro farisaico que andava a ser
imposto aos judeus como substituto das tábuas entregues no Monte Sinai. Geram-se
muitos conflitos entre Jesus e os fariseus, verdadeiras lutas de palavras, com
estes a verem as suas teorias caídas por terra e recusando sistematicamente os
ensinamentos libertadores de Jesus, que vão sendo apreendidos pelas multidões
simples e de coração aberto.
Percebemos que muito mais que um quadro penal, as regras de
bom senso estabelecidas nas Tábuas da Lei são como bóias para quem anda nesta
vida sujeito a tantas intempéries, a tantos percalços, a tantos momentos de
indecisão e de aflição. Mais que uma tabela para ajudar a classificar quem sobe
ao Céu ou desce ao Inferno são uma ajuda para subir para o Céu, um corrimão a
que nos podemos agarrar para subir com menos esforço e maior segurança.
Jesus completou a Lei entregue a Moisés com outras bóias e
outros corrimões, nomeadamente as Bem-aventuranças, o Pai-nosso, a redução dos
Dez Mandamentos a Dois.
Com Jesus, o caminho para o Céu parece ter deixado de ser
apenas uma escada, sendo agora uma montanha de cume íngreme e elevado. A vingança
que consistia em punir quem praticou crime com uma pena maior que a falta
cometida e que anteriormente tinha sido substituída pelo “olho por olho, dente
por dente”, fora já derrubada pelos Dez Mandamentos e o “não matarás”, mas não
fora compreendida e a pena de morte e a guerra continuaram os seus rumos.
Jesus é muito claro. A parábola do Bom Samaritano ensina que
é obrigatório socorrer quem quer que seja que esteja em perigo, ou necessite de
ajuda. O Pai-nosso induz a obrigação de perdoar quem nos ofendeu. As
Bem-aventuranças explicam que o sofrimento não tem que ser um mal e que é
preferível sofrer em defesa da Verdade que viver na mentira e que existirá uma
recompensa certa, não na vingança, mas no acolhimento no colo de Deus.
As novidades que resultam do anúncio da Boa Nova que Jesus
semeou e de que deixou sementes para que outros continuassem a sementeira
consistem afinal numa caixa de ferramentas, um kit, para auxiliar a escalada da
tal montanha em cujo cume está a entrada do Céu. Um estojo de ferramentas de
características tais que transforma quem o usa num alpinista de excelência que
ascende com maior facilidade que seria caminhar em terreno plano sem o tal kit.
Fazer o bem a quem quer que seja, esforçar-se por fazer os
outros felizes, mesmo os inimigos, reconhecer a presença de Deus em todas as
pessoas, simpáticos e antipáticos, santos e criminosos, esta é a versão
simplificada do kit de Salvação que Jesus nos veio entregar. E valeu a pena? Valeu
a pena o que Jesus passou para nos fazer chegar esse estojo de ferramentas? Claro
que sim, pelo menos para quem o quiser utilizar e chegar ao topo da montanha.
Orlando de Carvalho
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