Orador é conferencista, é
aquele que prefere a oração ou discurso. Orar é falar e falar com alguém ou
para alguém. Orar não é meditar ou reflectir. A oração é dirigida ao que está
exterior a nós e não a nós mesmos.
A palavra rezar é sinónimo,
muitas vezes, de orar, mas tem outros sentidos. Uma reza pode ser algo muito
diferente de uma oração. Ou não. Rezar tem um sentido místico que não está
obrigatoriamente no orar. Mas também tem um sentido mais sombrio e mesquinho,
de inferior dignidade. Falamos das rezas das bruxas, mas não de orações de
bruxas. Dizemos que uma pessoa que murmura está a rezar, mas não a orar. Com
menos frequência usa-se também a palavra rezar para designar o que faz o
orador, o conferencista. Deixemos, por agora o termo rezar e centremo-nos em
orar, pois esta palavra não se aplica a relações com bruxas, feiticeiros,
demónios e outros que tais.
O orador que está perante
uma audiência, conjunto de ouvintes, deve assumir a posição de pé, por respeito
pelos ouvintes, para se fazer ouvir melhor, para chamar as atenções sobre si e
sobre o seu discurso, porque estando de pé as suas faculdades intelectuais
funcionam de modo diferente, mais eficaz, mais acutilante que se estiver
sentado. Nesta posição (sentado), os músculos acomodam-se e os neurónios seguem
o seu exemplo, relaxando-se na sua actividade racional. Quem está de pé a
discursar tem de se aplicar para manter a posição erecta e essa sua aplicação
vai reflectir-se na concentração dos neurónios, o discurso será mais
inteligente.
Quando se ora, ora-se para
alguém ou a alguém. Ora-se para uma audiência ou ora-se a alguma pessoa. Pronuncia-se
um discurso para uma audiência ou conversa-se com alguém. Ao discursar perante
uma assembleia, coloco-me à mercê do seu julgamento acerca das minhas palavras,
do seu aplauso e da sua pateada. Ao orar a alguém não espero ser julgado, mas
escutado; as minhas palavras não conduzem necessariamente a uma avaliação de si
mesmas e de mim.
Ora a Deus, louvando-O,
agradecendo-Lhe ou pedindo-Lhe, seja o que for. Também posso orar a outras
entidades do universo celeste, embora não do mesmo modo que o faço a Deus. Deus
pode decidir, logo ou mais tarde, sobre a minha petição, se for esse o caso. Se
orar a Maria ou a algum santo reconhecido pela Igreja, a minha oração é a pedir
a sua intercessão, que seja meu intermediário junto de Deus, apresentando-lhe o
meu louvor, a minha petição ou transmitindo-Lhe a minha gratidão. Na oração
pública apenas devo invocar os santos canonicamente reconhecidos pela Igreja.
Na oração particular, posso invocar qualquer defunto que me pareça estar junto
de Deus pelo conhecimento que eu, de algum modo, tenha do que foi a sua vida
terrestre ou me tenha sido transmitido, quiçá por quem tenha já obtido graças
divinas através dessa pessoa já finada. Posso orar, ou rezar, a Nossa Senhora
de Fátima, aos Pastorinhos de Fátima ou à minha mãe, pedindo a sua intercessão
junto de Deus por alguma causa. Ou posso orar, ou rezar, directamente a Deus.
Claro que se a minha mente estiver devidamente esclarecido sobre esta questão,
ao rezar ao pastorinho Francisco de Fátima, estou inequivocamente a rezar a
Deus por sua intercessão ou a rezar ao Francisco pedindo-lhe que interceda
junto de Deus pela minha causa.
Tratemos agora das palavras
‘orar’ e ‘oração’ apenas no sentido religioso, e esqueçamos o
orador-conferencista. Quem está a orar, está, pois, a rezar a Deus ou a algum
intermediário para Deus. Esta oração é um diálogo, com dois interlocutores. O
fiel que ora e Deus, ou algum dos seus santos. Se bem que eu possa estar a
dialogar com duas pessoas ao mesmo tempo, por exemplo, a pedir a ajuda junto de
Deus dos pastorinhos Jacinta e Francisco. Continuarei a falar de diálogo – a
dois – pois os meus interlocutores actuam ambos como agentes de Deus a quem me
dirijo, como se fossem um só.
Então, se eu reunir um
grupo de três ou quatro pessoas e orarmos em conjunto, a uma só voz? Continuará
a ser oração, sendo nós tantos? E se enchermos uma sala, uma igreja de gente a
rezar a uma só voz a pedir… a cura de um doente, a paz no Médio Oriente?
Nestes casos, podemos
considerar que se trata de uma oração onde há uma comunhão orante de intenção.
Mas também podemos considerar que se trata de uma celebração. E a celebração
poderá ter um carácter mais popular ou mais litúrgico.
Quando um grupo de pessoas
se reúne para ‘rezar’ o terço, numa casa particular, numa igreja ou na
Capelinha das Aparições, em Fátima, fala-se da recitação do terço, da oração do
terço, mesmo da reza do terço, mas parece-nos que a expressão mais correcta
deva ser celebração do terço. As pessoas reúnem-se para celebrar – festejar – o
rosário de Maria. Há um esquema pré-definido que é seguido por todos (o esquema
do terço) e todos a uma só voz, mas com muitas cabeças louvam, agradecem e
pedem, coisas em comum, e coisas que estão apenas no coração de quem faz essa
invocação.
Para grande parte dos
casos, podemos seguir o conselho evangélico: orar no silêncio do quarto,
celebrar onde dois ou três se reunirem em nome de Jesus.
A grande celebração dos
cristãos é a eucaristia. Existe um esquema que é seguido nestes encontros de
fiéis, com várias partes e que compreende várias orações, umas mais individuais
outras absolutamente comunitárias: o acto penitencial tem que ter matriz
individual, a oração pela paz é marcadamente comunitária, tornando-se mesmo
celebrativa quando os fiéis alegremente vivem a paz de Cristo, recebendo-a e
doando-a uns aos outros, porque Cristo está em cada um e em todos.
Faz muito sentido
recordarmos o rito dominicano para este momento da eucaristia. O presidente da
celebração aproxima o rosto do cálice que contém o vinho já consagrado em
sangue e beija o cálice. Só depois de ter deste modo recebido a paz do
Ressuscitado ele exclama: Saudai-vos na paz de Cristo! Paz que ele já
distribuiu por todos os membros da Assembleia.
Não devemos confundir
oração com celebração, mas também é diferente de adoração. Quando estamos em
adoração, a nossa atitude é a de contemplação e humilhação total. O nosso
pensamento está em Deus, só em Deus e em nada mais que Deus. Nada nos deve
perturbar nem desviar a nossa atenção e o nosso pensamento de Deus. Se sentimos
comichão ou dor, ignoramos, porque a nossa atenção está em Deus, só sentimos o
Senhor, só O vemos, só o cheiramos, todo o nosso pensamento está absorvido por
Ele. De um modo geral, a posição mais condizente com o estado de quem está em
adoração é de joelhos ou em prostração. Mas a partir do momento em que nos
desligamos do mundo, para nos concentrarmos nEle e O adorarmos, a posição passa
a ser irrelevante. Lembro-me de uma criança que fazia um esforço enorme para
permanecer de joelhos, ignorando a dor que o contacto com o chão enrugado lhe
estava a causar. Na adoração, configuramo-nos com Deus, deixamo-nos absorver
por Ele, porque isso basta para nos satisfazer. O diálogo é absolutamente
desnecessário. Trata-se de um êxtase. Pensando no Cântico dos Cânticos, este
êxtase é verdadeiramente o clímax, expresso logo nos quatro primeiros
versículos, mas também em todo o livro. A adoração é um enamoramento tão
apaixonado como o descrito neste livro da Sagrada Escritura.[1]
Sendo a oração um diálogo
em que a pessoa fala e escuta o que o seu interlocutor responde, através da
escuta silenciosa, porque ele não emite sons, a oração é como uma epístola,
como uma carta. E do mesmo modo que há regras para escrever uma carta, que
podem ser usadas ou não, também as há para a oração.
Dirigida
a quem:
Senhor,
Não
se pergunta a Deus como vai, mas sublinha-se a sua importância para nós,
acrescentando um subtítulo
Que criastes os Céus
e a terra e concedestes o seu domínio a nós, criaturas humanas, para que
zelássemos por tudo, como recomendarias também aos trabalhadores da Parábola
dos Talentos.
Apresentamos
o motivo da conversa
Olho para os
acontecimentos do Médio Oriente e só vejo guerra, mal-estar, sofrimento e a Tua
ausência nos corações de todas aquelas pessoas. Olho para a minha família e
observo o clima de guerra entre mim e a minha irmã. Olho para os acontecimentos
da minha vida, fico revoltado, em guerra comigo mesmo.
A
petição
Debruça-te sobre mim, a minha família,
os povos, em especial do Médio Oriente, e envia a tua paz, molda e amacia os
nossos corações, enche-nos da tua paz.
Conclusão,
conforme a pessoa a quem esta oração for dirigida
a) Tu,
que vives e reinas pelos séculos sem fim.
b) Vós
que sois Deus com o Pai , na unidade do Espírito Santo.
c) Tu,
que és Deus na unidade com o Pai, para todo o sempre
Deus provavelmente não
mostrará ao sujeito nenhuma manifestação de acordo ou desacordo, mas este deve
continuar a insistir, como Jesus ensina, até conseguir (no caso do nosso
exemplo) a graça da Paz.
Uma celebração pode seguir
variados esquemas. O capítulo 8 do Livro de Neemias é sempre uma referência
muito útil, quando bem interpretado, pois a própria missa segue este esquema.
Devemos recordar que o rosário em comunidade, ou terço, é uma celebração, tal
como a via-sacra. Como já dissemos, as celebrações incluem muitas vezes orações
proferidas pelo povo, por quem preside e individuais.
Quando, durante a missa, o
povo responde ‘Ouvi-nos, Senhor’, se estiver com atenção, ouviu a proposta que
foi feita pelo leitor ou pelo diácono e a resposta é a oração, do mesmo modo
que o Amém, em resposta a um convite orante do presidente.
Orlando de Carvalho
[1]
A amada: Beija-me com os beijos da tua boca! Os teus amores são melhores do que
o vinho, o odor dos teus perfumes é suave, o teu nome é como óleo perfumado a
escorrer, e as donzelas enamoram-se de ti... Arrasta-me contigo, corramos!
Leva-me, ó rei, aos teus aposentos, e exultemos! Alegremo-nos em ti! Mais que
ao vinho, celebremos os teus amores! Com razão se enamoram de ti...
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