domingo, 22 de janeiro de 2017

Homilia não é charla




“Se bem me lembro…” foi um programa da RTP entre 1969 e 1975 que o Professor Vitorino Nemésio apresentou e com o qual reunia Portugal inteiro a escutar um erudito catedrático a falar de coisas intelectuais e a fazer profundas reflexões de modo acessível a qualquer cidadão com cultura académica de topo ou analfabeto. Estas são características que devem assistir a qualquer homilia. Acontece que como o próprio afirmava, as suas conversas, a que assistíamos em frente ao televisor, eram charlas. Vitorino Nemésio tinha um discurso que não seguia um rumo, pelo contrário, ele deixava-se seguir para onde as palavras o levavam, mudando de rumo a todo o momento. É evidente que para fazer isto em directo em frente às câmaras da televisão é necessário possuir um dom. O dom da charla.

Uma aula não pode ter o ritmo de uma charla na medida em que há ensinamentos a transmitir aos alunos e, por essa razão, o professor tem que preparar a aula. Erradamente muitos professores não o fazem e têm o desplante para chegar ao ponto de alegar falta de tempo, e o resultado está reflectido nos conhecimentos e capacidade de pensar dos seus alunos, da população estudantil actual e dos que têm concluído os seus estudos nos últimos anos.

Uma homilia não é uma aula, mas de certeza que não é uma charla.

Infelizmente assistimos a homilias que são mal preparadas ou não preparadas de todo. Há pessoas que são capazes de dar aulas de improviso, de dar uma catequese de improviso, de fazer uma leitura de improviso, ou mesmo de fazer uma homilia de improviso. Mas há sempre um risco subjacente que se traduz tantas vezes num contexto triste em que o auditório é mal servido porque o ministro faz um mau serviço. Quantas pessoas são convidadas para fazer uma leitura, apenas uns minutos antes de a celebração começar? E quantas destas recusam dar uma simples olhada prévia ao texto, argumentando que sabem ler muito bem? O resultado infelizmente fica depois patente perante toda a assembleia.

O papa Francisco tem dado o testemunho de como se pode dizer tanto em três ou quatro minutos. Não sabemos se prepara sempre as leituras ou se tem um dom, seja como for, o resultado é manifestamente bom. Ele devia ser um exemplo para todos os padres, incluindo aqueles que o elogiam mas não se dão ao trabalho de fazer uma verdadeira pregação evangélica.

Não está aqui em causa uma censura ao trabalho dos padres, menos ainda tomados em geral, mas uma exortação a que se consciencializem todos, nomeadamente os mais distraídos, da necessidade de transmitir de modo digno a Palavra de Deus, com tanta dignidade como se transporta numa procissão eucarística o mesmíssimo Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo. E o papa Francisco tem feito tantos apelos para que os padres tomem atenção às homilias que produzem!

Os discursos de Jesus às multidões não foram charlas e também as homilias não o podem ser, devem ser espaços em que previamente foi preparada a intervenção do Espírito Santo, feita através do homiliante. Se o coração do homiliante não foi antecipadamente um centro de acolhimento do Espírito Santo e de auscultação do mesmo, como pode a homilia ser bem sucedida?

Hoje falamos da preparação e da estrutura da homilia, mas voltaremos a outros aspectos não menos importantes deste importante momento da vida da Igreja.

2 comentários:

  1. Como sempre, Orlando, os seus textos são muito pertinentes! Não falo aqui de homilias, embora conheça alguns casos, mas de tantos catequistas que dizem que dão catequese há muitos anos e por isso nem vale a pena abrir o Guia, ou o Catecismo, ou porque não têm tempo. E pensam que esquematizar as catequeses em relação aos dias de que dispomos ao longo do ano, programar quais as catequeses essenciais para termos tempo para catequeses extra,(peregrinação, visita a um santuário, convidados ou outras. Preparação prévia da catequese, materiais, preparação da sala...O que me dói! e conheço tantos casos.
    Leitores, claro, todos nós conhecemos casos muito maus.
    Professores, infelizmente lidei com muitos da nova geração que acham que a preparação prévia das lições são uma perda de tempo. E também vi muito maus resultados.
    Tudo na nossa vida, aliás, deve ser pensado antes de fazer e não fazer as coisas por impulso.
    os resultados estão à vista.

    Um abraço,

    Palmira

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