sábado, 9 de agosto de 2025

Teresa Benedita da Cruz (Edite Stein)


 

Teresa Benedita da Cruz (Edite Stein)

Edite Stein nasceu em Breslau, na Alemanha (hoje Wrocslau, na Polónia), a 12 de Outubro de 1891, numa família judia, tanto no sentido étnico como no religioso.

Foi a mais nova de onze irmãos. Os pais eram comerciantes de madeiras. A família, embora de posses abastadas, não vivia com luxos, levando uma vida tranquila, mas simples. Quatro dos irmãos faleceriam muito novos. O pai deixaria também este mundo quando Edite tinha apenas dois anos, vítima de insolação. A mãe, Augusta Courant Stein, e os irmãos mais velhos assumiram, então, os negócios da família, aliás com bastante sucesso.

Na escola, Edite revelou-se uma aluna excelente, tanto pelos seus dotes intelectuais, como pela sua entrega voluntariosa ao trabalho.

Com catorze anos de idade, Edite entra na adolescência. Inicia então um penoso processo, embora bastante comum, que costumamos designar por crise da adolescência. No caso de Edite, ela decide deixar de estudar. Isso não preocupa muito a mãe, desde que a menina continue o seu crescimento como pessoa, como mulher. De acordo com esta

maneira de pensar, a mãe envia Edite para Hamburgo para casa de Elsa, a irmã mais velha. Aí, ela, longe da protecção materna, poderá mais fácil e naturalmente aprender a cuidar de uma casa e o conjunto de tarefas que se esperam de uma esposa e dona de casa. Edite reage bem ao contrário do que a mãe idealizara: não se interessa absolutamente nada pelas lides domésticas, ela nem uma palha mexe. As discussões entre a irmã e o cunhado e o clima frio e húmido de Hamburgo tornam a sua estada um enorme sacrifício que não atenua a crise da adolescência, mas a tornam numa coisa de contornos muito mais amplos. Edite abandona a fé religiosa e deixa de acreditar na existência de Deus.

Dois anos passados, Edite quer voltar a estudar e volta a casa da mãe, embora continue de relações cortadas com a religião. Augusta Stein contrata aulas particulares para a filha para que ela consiga prosseguir os estudos, ultrapassando o atraso devido ao tempo de paragem, em casa da irmã. Em 1911, Edite Stein é admitida na Universidade de Breslau. A jovem continua na procura da verdade última, que perdera com o abandono da fé, da tradição e de Deus. Vai procurar tudo isso nos cursos de psicologia, letras e história. Todavia, estes cursos revelam-se uma decepção em relação às suas expectativas.

Em 1913 transfere-se para a Universidade de Gottingen, para aprender com Edmundo Husserl, sobre as suas teorias acerca de fenomenologia. Aí entra num grupo, o Círculo Fenomenológico, que reúne vários filósofos, entre os quais o casal Edwige e Teodoro Conrad-Martius, onde

Edite aprofunda  e discute os ensinamentos do professor Husserl.

Quando começa a I Guerra Mundial, em 1914, Edite decide tomar uma posição de apoio voluntário aos que sofrem os horrores da guerra. Enfrentando a oposição da mãe, ela faz um curso na Cruz Vermelha e, em 1915, parte para servir no hospital de campanha em Mahrisch-Weisskirchen, na Áustria. A sua afável dedicação aos doentes, lidando

com a dor e a morte, tornou-se notada.

Por insistência de Husserl, Edite Stein volta à universidade e conclui a tese de doutoramento sobre “Empatia”, em 1916, a qual discute durante oito horas, obtendo a classificação máxima “Summa cum laude”. Ela passava a ser a décima segunda mulher a concluir um doutoramento na Alemanha.

O professor Husserl convida-a para sua assistente. Edite Stein descreve assim o método fenomenológico do professor Husserl: “O seu modo de guiar o olhar sobre as mesmas coisas e de educar a captá-las intelectualmente com absoluto rigor, a descrevê-las de maneira sóbria, libertou os seus alunos de qualquer arbítrio e de qualquer fatuidade no conhecimento, levando-os a uma atitude cognitiva simples, submetida ao objecto e por isso humilde. Ao mesmo tempo ensinava-nos a libertarmo-nos dos preconceitos e a tirar todos os obstáculos que poderiam destruir a sensibilidade para com as novas intuições. Esta atitude, para a qual nos educou responsavelmente, libertou muitos de nós, tornando-nos disponíveis em relação à verdade católica”

Em 1917 visita Ana Reinach, uma judia convertida ao catolicismo,

cujo marido, Adolfo Reinach, morrera na guerra. Edite não encontra a mulher chorosa e desesperada como pensara, mas uma pessoa extremamente tranquila: “Foi o meu primeiro encontro com a Cruz, a minha primeira experiência da força divina que provém da Cruz e se comunica àqueles

que a abraçam. Esse foi o momento exacto em que a minha incredulidade se desmoronou, o judaísmo empalideceu, e Cristo se ergueu diante dos meus olhos: Cristo no mistério da Cruz”.

Em 1921 é convidada para passar férias na casa de campo do casal Conrad-Martius, em Bergzabern. Uma tarde em que não tinha nada que fazer, pegou na autobiografia de Santa Teresa de Ávila e começou a lê-la. Não parou até acabar o livro na aurora do dia seguinte. No fim, concluiu:

“Eis a Verdade”.

Aquela verdade que ela procurava desde a tal crise da sua adolescência. No dia seguinte foi à cidade comprar um missal e um catecismo católicos. No Domingo seguinte, foi à missa. No final da missa, foi à sacristia pedir o Baptismo ao sacerdote que celebrara. Recebe o Baptismo passado cerca de meio ano, a 1 de Janeiro de 1922, na

Catedral de Colónia. Escolhe para madrinha Edwige Conrad-Martius. Estende o seu nome a Edite Teresa Edwige Stein, para homenagear Santa Teresa de Ávila e Edwige Conrad-Martius, pelo papel que tinham desempenhado na sua conversão.

Na verdade, vários intelectuais do Círculo Fenomenológico converteram-se ao Cristianismo. Husserl esteve por detrás de muitas conversões, em especial de judeus.

Augusta Stein não compreende a atitude da filha, nem a aceita, vivendo para sempre com o peso da tristeza que tal acto constituiu para si.

Entretanto a vida de Edite muda. Pois não é possível conhecer profunda e intimamente Deus sem mudar de vida. Recebido o Baptismo e a Primeira Comunhão, Edite procura logo fazer-se carmelita descalça. Demite-se do trabalho de ensino universitário, mas sucessivamente dois directores espirituais aconselham-na a pôr de parte a ideia da vida religiosa, por um lado para não perturbar ainda mais a mãe, por outro, porque o seu contributo no século, como pensadora, podia ser mais útil à obra de Deus.

Começa então a leccionar na escola das dominicanas em Spira. Ao mesmo tempo profere várias conferências na Alemanha, e noutros países da Europa, sobre religião, filosofia, pedagogia, e a situação da mulher. Notando que os métodos pedagógicos utilizados na escola de Spira, e nas escolas de uma maneira geral, estavam desfasados das teorias filosóficas sobre o conhecimento e o ensino vários séculos,

concebe métodos inovadores, mais atractivos, tanto em relação ao conhecimento geral, como à formação espiritual.

Sobre o papel da mulher na Igreja, Edite Stein põe em relevo a mulher como obra da Criação, propondo “Mulher sê igual a ti própria”. Ela põe em relevo a unicidade entre homem e mulher e exorta ambos a tomarem profundamente consciência deste facto.

Em 1928, Edite Stein escreve: “Antes e logo depois da minha conversão, eu pensava que uma vida entregue à piedade consistisse em viver apenas com o pensamento em Deus, mas depois compreendi que, neste mundo, nos é pedido mais. Que, até na vida mais puramente contemplativa, a relação com o mundo não pode ser cortada. Creio até que, quanto mais uma pessoa entre em Deus, mais é chamada a sair de si para o mundo, para lhe levar a vida divina”.

É convidada, e aceita, um lugar de professora no Instituto Alemão de Pedagogia Científica, em Munster. Aqui, nas aulas, revela-se uma verdadeira anunciadora de Cristo, do seu Amor e da sua Ternura.

Em 1933, com a chegada ao poder dos nazis, Edite Stein, como os outros professores não arianos, é expulsa do ensino. Perante a hipótese de leccionar na América do Sul, Edite recusa.

 


Preparando-se para entrar na vida religiosa, Edite visita a mãe, cada vez mais triste com a opção da filha. Não se voltarão a encontrar. Edite Stein escreverá semanalmente à mãe, mas esta nunca lhe responderá, até falecer em 1936.

Em 1934, a 15 de Abril, toma finalmente o hábito das carmelitas descalças, recebendo o nome de Teresa Benedita da Cruz, em Colónia. Na cerimónia esteve presente um número inaudito de pessoas, entre amigos, colegas, alunas e representantes de diversos organismos religiosos.

Edite pede a todos os seus amigos que não exerçam qualquer tipo de influência para que ela seja autorizada a manter a sua actividade académica, pois quer viver inteiramente os votos religiosos. Inesperadamente para a Irmã Teresa, são os seus superiores que lhe pedem e mandam que continue os trabalhos que vinha desenvolvendo, tendo naturalmente em conta a sua nova condição de religiosa.

Perante as perseguições de que os judeus são alvo, a Irmã Teresa escreve ao Papa:

Apresentei o meu pedido por escrito.

Sei que a carta foi enviada lacrada ao Santo Padre, de quem recebi, pouco depois, a bênção, para mim e para os meus parentes. E nada mais”.

A 21 de Abril de 1938, Teresa Benedita da Cruz profere os votos perpétuos na Ordem do Carmelo. O seu tempo está dividido entre o trabalho académico, a oração e os trabalhos comunitários, como limpezas ou cozinha.

A perseguição nazi aos judeus atinge o clímax na Noite de Cristal, de 8 para 9 de Novembro de 1938. A Irmã Teresa é transferida para o Carmelo de Echt, na Holanda, a 31 de Dezembro de 1938. Depois de aprender o holandês, a Irmã Teresa ficará a dominar sete diferentes línguas.

A 25 de Março de 1939, a Irmã Teresa Benedita da Cruz escreveu à Madre Prioresa:

Querida Madre, peço-lhe que me dê licença para me oferecer como vítima de expiação para pedir a paz: que o reino do Anticristo, possivelmente sem nenhuma guerra mundial, caia ao chão e se construa uma nova ordem de coisas. Ainda me poderia oferecer hoje, visto que são doze horas. Sei que não sou nada, mas é Jesus que assim quer, e Ele por certo chamará outros mais, nos dias seguintes, a fazerem o mesmo”.

Desde a conversão de Edite que a sua irmã Rosa Stein queria também pedir o Baptismo, o que não fez para não abalar ainda mais a mãe, Augusta Stein. Depois da morte da mãe, esse contra deixa de existir. Em Agosto de 1940, Rosa pede para ser também aceite no Carmelo. Sê-lo-á apenas como irmã leiga, ficando com o serviço de portaria, para não provocar as autoridades nazis, chamando a atenção sobre a conversão tão espontânea de duas irmãs judias.

Em 1941 as tropas alemãs nazis invadem a Holanda. Os superiores da Ordem do Carmelo tentam a transferência da Irmã Teresa e da sua irmã Rosa para um Carmelo na Suíça.

A burocracia dos suíços impedirá essa concretização em tempo útil.

No seu testamento espiritual, a Irmã Teresa escreveu:

“Desde já aceito a morte que Deus me destinou e com uma total submissão à sua santíssima vontade. Quero Senhor aceitar a minha vida e a minha morte pela vossa glória, ofereço-as pelas intenções dos Santíssimos Corações de Jesus e Maria, e pela Igreja. Em particular, em expiação para a recusa da fé por parte do povo hebreu, para que o Senhor seja acolhido pelos seus e venha o seu reino na glória; para a salvação da Alemanha e, para a paz no mundo”.

Depois de começarem as deportações em massa de judeus para campos de trabalho forçado e para campos de concentração na Europa oriental, os bispos holandeses, de acordo com a Igreja Protestante, enviam uma nota de protesto aos chefes nazis alemães, na Holanda.

O chefe nazi na Holanda, comissário Schmidt, promete que não haverá qualquer tipo de perseguições aos judeus convertidos ao cristianismo, mas é sabido que a palavra dos nazis era por princípio mentira, tal como celebravam acordos de não agressão com países, quando se estavam a preparar para os invadir.

A 26 de Julho os bispos holandeses, de acordo com os pastores protestantes fazem ler em todas as igrejas holandesas uma carta pastoral em que denunciam o nazismo como inconciliável com o espírito cristão, e denunciando as atrocidades e perseguições perpetradas pelos nazis.

O regime nazi toma várias acções de retaliação contra os bispos holandeses. Uma delas é mandarem as SS ao Carmelo de Echt prender a Irmã Teresa Benedita da Cruz e Rosa Stein, a 2 de Agosto de 1942. No mesmo dia foram detidos mais duzentos e quarenta judeus convertidos ao cristianismo e muitos outros judeus. São transportados para o Campo de Concentração de Westerbork, no norte da Holanda.

De acordo com testemunhos recolhidos posteriormente, Edite percorria o campo, consolando aqueles que se entregavam ao desespero e, principalmente, cuidando das crianças que por lá andavam sozinhas: dando-lhes banho, ajudando-as a alimentarem-se, dando-lhes alguma ternura.

A 7 de Agosto, a Irmã Teresa, a sua irmã de sangue e muitos outros prisioneiros foram transferidos para o Campo de Concentração de Auschwitz.

Terão chegado a Auschwitz dois das depois, sendo assassinadas nas câmaras de gás logo após a sua chegada e os seus corpos incinerados em seguida. A 9 de Agosto de 1942 recebia a palma do martírio.

Em 1950, a Gazeta Holandesa publica a lista dos judeus

deportados a 7 de Agosto de 1942, onde consta:

Número 44070: Edite Teresa Edwige Stein, nascida em Breslau a 12 de Outubro de 1891, morta a 9 de Agosto de 1942.

Teresa encontrou quase sempre explicações e acolhimento junto da Cruz de Cristo. O seu último livro, inacabado, intitula-se “Ciência da Cruz”. Assim, pois, desde o seu primeiro encontro com Cristo, desde o nome que recebeu na vida religiosa, até ao seu último trabalho inacabado, toda a sua vida cristã passou pela procura do significado profundo da Cruz e pela descoberta dos caminhos, através dos quais a Cruz de Cristo nos pode conduzir à felicidade eterna.

Teresa Benedita da Cruz foi beatificada por Sua Santidade João Paulo II, na Catedral de Colónia, a 1 de Maio de 1987, no mesmo local onde fora baptizada sessenta e cinco anos antes. Foi canonizada, no Vaticano, a 11 de Outubro de 1998.

Na homilia proferida na cerimónia de canonização, disse João Paulo II:

«A Cruz de Cristo! No seu constante florescimento, a árvore da Cruz dá sempre renovados frutos de salvação. Por isso, os fiéis olham com confiança para a Cruz, haurindo do seu mistério de amor a coragem e o vigor para caminhar com fidelidade nas pegadas de Cristo crucificado e ressuscitado. Assim, a mensagem da Cruz entrou no coração de muitos homens e mulheres, transformando a sua existência.

Um exemplo eloquente desta extraordinária renovação interior é a vicissitude espiritual de Edite Stein. Uma jovem em busca da verdade, graças ao trabalho silencioso da graça divina, tornou-se santa e mártir: é Teresa Benedita da Cruz, que hoje repete do céu a todos nós as palavras que caracterizaram a sua existência: «Quanto a mim, que eu não me glorie, a não ser na Cruz de Jesus Cristo. (...)

Dilectos Irmãos e Irmãs! Porque era judia, Edite Stein foi deportada juntamente com a irmã Rosa e muitos outros judeus dos Países Baixos para o campo de concentração de Auschwitz, onde com eles encontrou a morte nas câmaras de gás. Hoje recordamo-nos de todos com profundo respeito.

Poucos dias antes da sua deportação, a quem lhe oferecia uma possibilidade de salvar a vida, a religiosa respondera: “Não o façais! Por que deveria eu ser excluída? A justiça não consiste acaso no facto de eu não obter vantagem do meu baptismo? Se não posso compartilhar a sorte dos meus irmãos e irmãs, num certo sentido a minha vida é destruída”.

Doravante, ao celebrarmos a memória da nova Santa, não poderemos deixar de recordar todos os anos também o Shoah, aquele atroz plano de eliminação de um povo, que custou a vida a milhões de irmãos e irmãs judeus. O Senhor faça brilhar o seu rosto sobre eles, concedendo-lhes a paz».

 

Fonte: Os Santos de João Paulo II, Orlando de Carvalho, Lusodidacta, 2004.

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