sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Canonização de Madre Teresa de Calcutá


Ao ser tornada publica a próxima canonização de Madre Teresa de Calcutá, em Setembro de 2016, no decorrer do Jubileu da Misericórdia, recordamos o capítulo a ela dedicado na obra ‘Os Santos de João Paulo II’.



Madre Teresa de Calcutá fez-se, de certa maneira, palavra de Deus. O seu corpo, o seu coração, o seu pensamento, já não eram mais que o próprio Evangelho pregado aos pobres e aos doentes.
Olhando para ela, aqueles a quem ela acudia, mas também aqueles que, de fora, observavam a sua acção, tinham um relato quase visual, quase uma projecção de vídeo do que é a caridade cristã, do que é o Amor de Deus. Sabemos que alguns sectores na Igreja criticam a acção de Madre Teresa, bem como a sua beatificação por Sua Santidade João Paulo II. Esses pensam que quem está a morrer de fome acredita facilmente no Evangelho pregado por alguém com a barriga cheia! Madre Teresa personificou a Caridade de Jesus Misericordioso, sempre tão preocupado com aqueles que sofriam. Não costumamos dizer que a melhor forma de os pais, os catequistas ou os educadores em geral, ensinarem é através do exemplo? Pois, Madre Teresa de Calcutá testemunhou – e só não viu quem não quis – o que é o Amor, como é fazer a vontade de Deus, o que é a Santidade. Aqueles que a criticam por não andar com uma Bíblia na mão, pregando a Fé, sem se preocupar em primeiro lugar com o sofrimento dos filhos do Altíssimo, esses infelizmente ainda não entenderam nem o Evangelho nem a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, nem o Pentecostes, nem o Arco-íris.
As Irmãs da Caridade fundadas por Madre Teresa não usavam, por exemplo, máquina para lavar a roupa. A razão não era a falta de dinheiro para comprarem uma. A razão era de natureza espiritual, mas não era o sofrimento pelo sofrimento. A razão é sublime: lavar a roupa à mão para compartilhar, não apenas partilhar, mas “partilhar com”, a dificuldade de lavar a roupa à mão, conhecer intimamente o que é a vida do pobre, para lhe dar a mão e caminharem lado a lado, não para lhe estender a mão de cima de um pedestal, como que a largar-lhe uma esmola, como se não fôssemos todos da mesma substância humana criada à imagem e semelhança.



Gonxha Agnes Bojaxhiu nasceu a 26 de Agosto de 1910, em Skopje, na Albânia, hoje capital da Macedónia, numa família católica. A sua mãe chamava-se Drana Bojaxhiu e o pai Nicolau. Recebeu o Baptismo no dia seguinte ao nascimento, a Primeira Comunhão aos seis anos e também aos seis anos o Crisma. Vivia na Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, então entregue pastoralmente aos Jesuítas.
Aos oito anos ficou órfã de pai.
Na Paróquia estava integrada num grupo de jovens que se interessavam pelo trabalho missionário. Nesse grupo, os jovens tomaram contacto com a realidade da miséria relatada nas cartas que lhes chegavam da missão que os Jesuítas tinham aberto há pouco tempo em Calcutá, na Índia. Foi aqui que nasceu uma certa ligação emotiva e espiritual de Gonxha Agnes pelo povo sofredor da distante Índia. E o desejo de ser missionária, que já anos antes revelara, começou também a desenvolver-se.
Em 1928 junta-se às Irmãs do Loreto e ingressa num convento, em Rathfarnham, na Irlanda, para aprender a língua inglesa. Esta congregação tinha muitas missões na Índia.
Recebe o nome de Maria Teresa, em homenagem a Santa Teresa de Lisieux, um ano antes designada padroeira das missões, pelo Papa Pio XI. Três meses mais tarde, em Dezembro de 1928, viaja até Bengala, onde chega a 6 de Janeiro de 1929, seguindo para Calcutá e depois para Dajeerling, para continuar os estudos. Em 1931 profere os seus primeiros votos.
É integrada no Loreto de Entally, em Calcutá, para exercer o serviço de professora de História e Geografia da Escola feminina de Santa Maria.
A 24 de Maio de 1937 a Irmã Maria Teresa faz a profissão de votos perpétuos. Começam a chamá-la Madre Teresa.
Em 1944 é nomeada directora da Escola. Madre Teresa vivia feliz e tranquila, ensinando na única escola católica para meninas, na Índia. Todavia, os seus olhos estavam muito atentos à miséria que a rodeava, às outras meninas, aos pobres, aos doentes, que cruzavam, melhor, que enchiam as ruas de Calcutá.
Em 1946 Madre Teresa passa por um acontecimento espiritual que a obrigará a fazer uma viragem na sua vida.
Dentro do chamamento que ela estava a viver nas Irmãs do Loreto, ela sente outro chamamento. Ela relata o que se passou consigo:

Foi a 10 de Setembro de 1946, durante a viagem de comboio para o convento de Darjeeling, onde ia fazer os exercícios espirituais. Enquanto rezava em silêncio a nosso Senhor, senti um chamamento dentro do meu chamamento.
A mensagem era muito clara: devia deixar o convento de Loreto, em Calcutá, e entregar-me ao serviço dos pobres, vivendo entre eles”.



Quando expõe o seu propósito de corresponder a este chamamento interior à Madre Superiora, ela recusa categoricamente. A mesma posição assume o arcebispo de Calcutá.
Pedem-lhe que espere para confirmar essa vocação. O seu pedido chega ao papa Pio XII, através do arcebispo. A 12 de Abril de 1948, obtém autorização do Papa para viver fora do convento, sob a directriz do arcebispo, dedicando-se por inteiro aos pobres.
A 17 de Agosto de 1948, tendo comprado um sari branco, debruado a azul, umas sapatilhas e uma cruz, deixa o convento.
Faz uma estadia com as Irmãs Médicas Missionárias, em Patna, e volta a Calcutá abrigando-se junto das Irmãzinhas dos Pobres.
Finalmente, a 21 de Dezembro, tem a sua prova de fogo.
Parte sozinha para a missão, na rua, entre os mais pobres.
Passa nos bairros miseráveis, começando a cuidar de crianças e idosos, ajuda uns a lavarem-se, outros a morrerem com maior dignidade, tira-os do meio da rua, para que o sofrimento não seja espectáculo público, mas possa ser consolado nalgum recanto isolado.
São muito difíceis estes primeiros tempos e Madre Teresa chega a pensar em desistir. Por um lado o desânimo pela solidão em que realiza o seu trabalho. Por outro lado a visão de tanta sujidade, de tanta dor, de como pode descer tanto a dignidade humana sem suscitar a compaixão de ninguém, antes uma indiferença pelo que parece ser já o quotidiano. Mas reflecte: 

A minha comunidade são os pobres. Aqueles de quem ninguém se aproxima, porque são contagiosos e estão sujos; os que não podem pedir esmola, porque não têm roupa para se cobrirem; os que já não comem, porque lhes falta força para tanto; os que já não choram, porque já não têm lágrimas!

 
As suas primeiras companheiras são antigas alunas, que sabem o que anda a fazer e a procuram, muitas com a oposição das famílias.
Começa por reunir crianças abandonadas, ensinando-lhes cuidados de higiene, e a ler e escrever, no chão, porque não dispunha de instalações nem de material escolar. E dá-lhes algo de muito importante: amor e atenção.
A sua maior preocupação são os doentes, os incuráveis, os que não têm onde se abrigar, os que nem têm onde morrer: era comum os doentes idosos ficarem na rua sozinhos até morrerem e serem transportados para uma vala comum.
Madre Teresa consegue da autarquia de Calcutá um espaço para onde passam a levar todos os que encontram na rua, a morrerem. Nem é a questão de os tratar, pois muitos são tuberculosos e leprosos já sem cura, trata-se de morrerem sob um tecto, com alguma tranquilidade e dignidade, dando a mão a alguém que não lhes pede nada em troca, alguém que vem de Deus, mas nem lhes pede que agradeçam, mudando a sua fé. Alguém que lhes dá a mão, nos últimos momentos, com amor e respeito.
Para suportar o seu apostolado, pede esmola. Ao mesmo tempo, há quem se aperceba do seu trabalho humanitário e as contribuições também começam a surgir. Do governo indiano, embora Madre Teresa fosse uma missionária católica, mas também porque ela já era mais que isso, era de facto uma missionária universal da caridade. Realiza inúmeras viagens ao estrangeiro para divulgação da sua obra e angariação de fundos.
Para uma maior eficácia da Obra, podendo chegar a mais lugares para realizar a caridade cristã, Madre Teresa funda sucessivamente, a partir de 1963, os Irmãos Missionários da Caridade; as Irmãs Contemplativas e os Irmãos Contemplativos Missionários da Caridade; os leigos Colaboradores de Madre Teresa e os Colaboradores dos Doentes e Sofredores; os Missionários da Caridade Laicos; e o Movimento Sacerdotal Corpus Christi.
A 7 de Dezembro de 1950 é oficialmente estabelecida a Congregação das Missionárias da Caridade.
A partir de 1960, as Missionárias da Caridade difundem-se em toda a Índia.
A partir de 1965 abrem casas em todo o mundo, em todos os continentes e em quase todos os países, mesmo nos comunistas.
Em 1979 recebe o Prémio Nobel da Paz. Nessa ocasião diria que a sua obra era uma gota de salvação num mar de sofrimento.
Em 1983, aos setenta e três anos, em Roma, sofre o primeiro ataque de coração grave. O médico disse-lhe:

“A senhora tem coração para mais trinta anos”. 

Madre Teresa levou essas palavras à letra e nunca mais ninguém a conseguia fazer parar ou abrandar.
É convidada a visitar a União Soviética, em Agosto de 1987, onde é condecorada com a Medalha de Ouro do Comité Soviético da Paz.
Em 1989 sofre segundo e muito forte ataque de coração.
Em 1990 pede ao Papa para ser substituída, mas volta a ser reeleita e continua na sua azáfama habitual.
Partiu para Deus a 5 de Setembro de 1997. Cremos firmemente que ouviu Jesus dizer-lhe, mais ou menos, isto:
“Teresa, Eu estava nu e tu vestiste-Me; Teresa, Eu estava esfomeado, e tu foste ter coMigo e levaste-Me comida; Teresa, eu estava doente e tu estendeste-Me a tua mão, a tua alma e o teu coração. Vem a meus braços, minha filha, minha irmã”.
Sua Santidade João Paulo II beatificou Madre Teresa de Calcutá a 19 de Outubro de 2003. Da sua homilia na cerimónia de beatificação, citamos:

“ «Quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se servo de todos» (Marcos 10, 44). Estas palavras de Jesus aos discípulos, que ressoaram há pouco nesta Praça, indicam qual é o caminho que leva à “grandeza” evangélica. É o caminho que o próprio Cristo percorreu até à Cruz; um itinerário de amor e de serviço, que inverte qualquer lógica humana. Ser o servo de todos!
Madre Teresa de Calcutá, Fundadora dos Missionários e das Missionárias da Caridade, que hoje tenho a alegria de inscrever no Álbum dos Beatos, deixou-se guiar por esta lógica. Estou pessoalmente grato a esta mulher corajosa, que senti sempre ao meu lado. Ícone do Bom Samaritano, ela ia a toda a parte para servir Cristo, nos mais pobres entre os pobres. Nem conflitos nem guerras conseguiam ser um impedimento para ela.
De vez em quando vinha falar-me das suas experiências ao serviço dos valores evangélicos. Recordo, por exemplo, as suas intervenções a favor da vida e contra o aborto, também quando lhe foi conferido o prémio Nobel pela paz (Oslo, 10 de Dezembro de 1979). Costumava dizer: «Se ouvirdes que alguma mulher não deseja ter o seu menino e pretende abortar, procurai convencê-la a trazer-mo. Eu amá-lo-ei, vendo nele o sinal do amor de Deus»”.



A 3 de Fevereiro de 1994, Madre Teresa proferia uma conferência em Washington sobre aborto e vida:

Sinto que o maior inimigo da Paz é hoje o aborto, porque é uma guerra contra as crianças, são as mães a assassinar os seus próprios filhos inocentes e sem hipótese de se defenderem.
Ora, se é lícito uma mãe matar o seu filho, que razão nos impede de nos matarmos todos uns aos outros?
Mas como impedir uma mulher de recorrer ao aborto? Como sempre, persuadi-la com amor, recordando que amar é doar-se até que doa. Assim, pois, a mãe que pensa em abortar deve ser ajudada a reflectir, a amar, a doar-se, mesmo prejudicando os seus projectos, o seu tempo livre, para respeitar a vida do seu filho. E o pai deve doar-se também, até que doa.
Uma sociedade que contemporize com o aborto não estimula o amor, mas o uso da violência para atingir os objectivos quaisquer que eles sejam. O aborto é pois o maior destruidor do amor e da paz.
Muitas pessoas estão muito preocupadas com as crianças da Índia, com as crianças de África, onde muitas delas morrem de fome, etc. Muitas pessoas também estão preocupadas com toda a violência nos Estados Unidos. Estas preocupações são muito boas. Mas frequentemente estas mesmas pessoas não estão preocupadas com os milhões que estão sendo mortos pela decisão voluntária das suas próprias mães. E isto é que é o maior destruidor da paz hoje – o aborto, que coloca as pessoas em tal cegueira.
A criança é o dom de Deus para a família. Cada criança é criada à imagem e semelhança de Deus para grandes coisas: para amar e ser amada.
Eu vou contar uma coisa bonita. Nós estamos a lutar contra o aborto através da adopção: tomando conta da mãe e tratando da adopção do seu bebé. Nós temos salvado milhares de vidas. Enviámos a mensagem para as clínicas, para os hospitais e esquadras: “Por favor não destruam a criança, nós ficaremos com ela.” Nós temos sempre alguém para dizer às mães em dificuldade: “Venha, nós tomaremos conta de si, nós arranjaremos um lar para o seu bebé”. E nós temos uma enorme procura por parte de casais que não podem ter um filho. Porém, eu nunca dou uma criança a um casal que tenha feito algo para não ter filhos. Jesus disse, “Aquele que recebe uma criança em meu nome, a mim recebe.” Ao adoptar uma criança, estes casais recebem Jesus mas, ao abortar uma criança, um casal recusa-se a receber Jesus.
Por favor não mate o bebé. Eu quero o bebé. Por favor dê-me o bebé. Eu estou disposta a aceitar qualquer bebé que esteja para ser abortado e dar esse bebé a um casal que o ame e seja amado por ele.
Exclusivamente do nosso lar de crianças em Calcutá, já salvámos mais de três mil bebés do aborto. Estes bebés trouxeram muito amor e alegria aos seus pais adoptivos, e crescem cheios de amor e de alegria."



Algumas das muitas frases conhecidas de Madre
Teresa de Calcutá:
– Não devemos permitir que ninguém saia da nossa presença sem se sentir melhor e mais feliz
– Nunca compreenderemos o quanto um simples sorriso pode fazer.
– O amor, para ser verdadeiro, tem de doer. Não basta dar o supérfluo a quem necessita, é preciso dar até que isso nos doa.
– A pior calamidade para a humanidade não é a guerra ou um terremoto. É viver sem Deus. Quando Deus não existe, admite-se tudo. Se a lei permite o aborto e a eutanásia, não nos surpreende que se promova a guerra!

In Orlando de Carvalho, Os Santos de João Paulo II, Lusodidacta, 2004

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