segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Como escolher as figuras para armar o Presépio?

O mais antigo conjunto de figuras esculpidas para Presépio?
Ano: 1250. Esculpido por entalhador desconhecido, em Bolonha.
1370: Pintado por Simone di Filipo ou dei Crocifissi
 
O Presépio que os cristãos armam nas suas casas, em escolas, dentro de igrejas e nos seus adros, nas ruas e avenidas, são um memorial do Presépio original numa tradição que talvez remonte a 1223.

Em 1207, o papa Inocêncio III proibiu as dramatizações teatrais e litúrgicas dentro das igrejas. Acontecia então que a liturgia, em certo sentido, se estava a transformar em pequenos teatros que explicavam ao povo as narrações que os fiéis escutavam nas missas em latim, uma língua já então morta. Como acontece actualmente, em especial nas missas com crianças. Naquele tempo, em face destas circunstâncias, estava a perder-se o sentido da liturgia, isto é, da dignidade própria do que se celebrava. A missa progredia para um teatro ou circo. O papa achou por bem repor o que lhe pareceu próprio da missa e proibiu as dramatizações dentro das igrejas.

Parece que Francisco de Assis, sendo uma pessoa de enorme espiritualidade e contemplativo, vivia muito as coisas do ponto de vista dos sentidos. Ele pensava no Natal e na cena do Presépio e sentia necessidade de a visualizar e, mais, de transmitir aos outros fiéis essa visualização.

Falecido o papa, Francisco pede ao seu sucessor, Honório III, autorização para uma representação do Presépio na véspera de Natal, em Greccio, celebrando-se missa campal, em simultâneo com uma encenação viva do presépio de Belém. Sobre uma manjedoura com feno foi erigido um altar, estando presente o Menino de Belém, como São Francisco lhe chamou naquela noite, pela consagração do pão e do vinho. Confiando no testemunho de um habitante de Greccio participante na celebração, também através de uma aparição sobre o feno, o Menino esteve presente. O feno e os animais foram cedidos por um agricultor da região. Terá sido o primeiro Presépio, de acordo com alguns. S. Francisco morreu em 1226 e durante a sua vida não se fizeram mais presépios-vivos. Mas a semente ficara.

Primeiro através dos franciscanos, esta encenação tornou-se tradição e difundiu-se pela Europa e pelo mundo. Com ela, a tradição e a vivência da celebração do Natal do Senhor permaneceu e fortificou.

É muito útil que hoje os cristãos se empenhem na construção de presépios, em suas casas e em todos os lugares. Cada Presépio é, ou pode ser, um altar, um oratório e uma capela, em função da força da Fé de quem o contempla. É sem dúvida um lugar tão sagrado como um Santuário, na medida em que for reverenciado pelos que se acolhem junto de si. Um Presépio deve ser venerado como os ícones o são pelos ortodoxos.

Contudo, por mais que eu queira, as imagens do presépio são moldadas pelas mãos humanas (ou por máquinas) em barro, madeira e vários outros materiais, desde reciclados a ouro. Sendo uma ferramenta de evangelização, não podemos sobrestimar a sua importância. Mais, não podemos ignorar os mandamentos de Jesus.

Há hoje muitos presépios, como tem havido ao longo da História, que não podem ser desvalorizados.

Jesus ensinou que estará sempre presente no mais pequenino, no mais indefeso e que será através da caridade que mostrarmos para com esse irmão que Ele se sentirá amado ou atraiçoado por cada um de nós.

Proponho um itinerário de pesquisa que eu mesmo já percorri: a procura dos Presépios ocultos hoje; melhor, a procura dos Presépios que hoje existem e que nós não conseguimos ou não queremos ver, deixando-os na sombra, ocultos.

De que vale a minha piedade perante um Presépio feito com figuras de papel, de barro, de madeira, de metal, ou seja do que for, se não virar prioritariamente a minha atenção para o Presépio que é a família do andar de cima, com todas as dificuldades que conheço? O casal de idosos sem dinheiro para medicamentos? – se estamos à espera que venham pedir, quando sabemos ou suspeitamos que precisam, não estamos a fazer Natal com eles, a venerar na sua pobreza o Coração do Jesus que afirmamos amar. Já não se trata de fazer a habitual caridade da época de Natal. O que Jesus nos propõe é muito mais que isso e talvez muito mais difícil. Amar o doente com SIDA, o bêbedo, o toxicodependente, o miserável, tão miserável que até cheira mal e repugna chegar perto dele, a família desunida, as crianças e os idosos maltratados. Aí está Jesus! É nestes que Jesus encarna hoje, por maior devoção que nós tenhamos à primeira Encarnação no seio virginal de Maria. Precisamos muito de converter os nossos corações, tantas vezes de pedra, para entendermos este amor à maneira de Jesus.

Sabemos que a tarefa é difícil. Muito difícil.

Foi também em 1223 que se deu a aprovação final da Regra dos Franciscanos, pelo papa Honório III, depois de revista e censurada pelo cardeal Ugolino. A atenção a alguns dos pontos censurados e eliminados pode ajudar-nos a entender que o mundo não está preparado – estará alguma vez? – para encarar este Presépio, à maneira de Jesus. Competirá a cada um de nós esforçar-se para que as condutas das pessoas mudem; senão as dos outros, ao menos a nossa.

As citações bíblicas foram substituídas por afirmações legalistas, pelo cardeal Ugolino; a persistência no trabalho manual, recuperada no século XX pela Madre Teresa de Calcutá, foi eliminada, assim como a proibição do uso de livros. A Regra emitia esta opinião acerca dos livros, por serem, na altura, objectos de luxo. Mas Francisco não se opôs à pregação de Santo António nem ao ensino que ele fazia das Escrituras. A prioridade do cuidado aos leprosos foi eliminada. A desobediência aos superiores, nos casos ensinados nos Actos dos Apóstolos, foi eliminada também pelo cardeal Ugolino e subscrito pelo Papa. Era o apego à posição privilegiada de que alguns usavam, fazendo crer que era por vontade de Deus.

Este Presépio é, de facto, mais difícil de suportar que aquele a que nos habituámos.

Orlando de Carvalho

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