quinta-feira, 8 de março de 2018

Carta Aberta ao Patriarca de Lisboa






Carta Aberta ao Patriarca de Lisboa

Reverendíssimo Senhor
D. Manuel Clemente


Muitos se têm pronunciado acerca da “Nota para a receção do capítulo VIII da exortação apostólica 'Amoris Laetitia”. Creio que a maior parte não a leu, ou leu sem ler. Agora, decidi também eu manifestar-me publicamente acerca da mesma, com a particularidade de o fazer por carta aberta endereçada ao autor.

São Paulo, nas suas considerações sobre a família e o estado de cada fiel, recomenda, umas vezes implicitamente e outras de maneira bem clara, a frugalidade sexual. Dito de outro modo, o Apóstolo pede a cada cristão uma reflexão sobre o modo como deve organizar a divisão do seu tempo entre o trabalho pastoral e a família; e sobre como viver a continência, a abstinência e a castidade.
Há situações em que a sua palavra é incisiva e não admite discussão. Noutros casos, Paulo fica-se pelo “melhor fora” ou “melhor seria”.
À luz dos ensinamentos de São Paulo entendemos as várias dimensões em que um casal pode viver aqueles três valores, dentro de uma sexualidade activa ou platónica.
Há na História da Igreja casos de casais santos que em determinada ocasião fizeram a opção continuarem a coabitar vivendo como irmãos, noutras circunstâncias viveram a sua situação conjugal integrando-se em conventos, respectivamente femininos e masculinos.
Trata-se de situações difíceis de entender. Mas quem consegue entender a situação conjugal de Maria e José? Só os cristãos. Por vezes apenas os católicos. Muitos só a compreendem porque nem pensam muito profundamente na questão.
Como podem os monges trogloditas viver felizes em comunidades de homens apenas? Para muitos homens é incompreensível.
Para reflectir estas situações no nosso tempo é fundamental estar consciente do ambiente em que vivemos. A sociedade actual já não é quase completamente composta por fiéis que “herdaram” a fé dos pais, da família, da geração que os precedeu. A sociedade amadureceu e já não castiga quem blasfema, quem assume o seu pecado e se regozija com isso. Os espíritos mais fracos encontraram na militância contra Deus, nas suas diversas formas de expressão, um escape para a frouxidão da sua fé. Do mesmo modo que os cristãos se organizam em grupos consoante os carismas que o Espírito derrama, também os ateus militantes se dispõem em diversas frentes: os que defendem as mulheres, mais que as pessoas, os que defendem as armas, mais que as pessoas, os que defendem os animais, mais que as pessoas, os que defendem a devassidão sexual, mais que as pessoas. Normalmente, os cristãos ficam a ver e deixam andar.
A nossa realidade é esta:

É, para todos, normal que dois casais vivam a sua sexualidade em conjunto e trocando mutuamente de parceiros entre si. E é anormal e de mau gosto, também dito politicamente incorrecto, ou de modo mais acutilante, criminoso, alguém criticar o modo de vida desses casais. E muito mais longe já se vai e mais irá, à medida que o tempo passa e até que o ciclo histórico atinja o ponto de retorno.
Ainda há poucos anos a pedofilia não era, na prática, considerada crime. Mas logo após esse reconhecimento, são já muitos os que defendem a sua legalização. Isso incomoda alguns, desinteressa a outros e agrada a vários. Como? A inteligência, a consciência e a caridade humanas, afinal progridem, regridem ou simplesmente vivem num ciclo irreal?
Não espanta ninguém que nas escolas as crianças sejam melhor instruídas na actividade sexual activa (e lhes sejam fornecidos contraceptivos) que na Matemática ou na Língua Materna. Mas levanta-se uma onda a apontar o dedo a um Bispo que escreve, a propósito de casais unidos pelo sacramento conjugal que voltaram a casar: «não deixar de (lhes) propor a vida em continência na nova situação». Mas se, ao longo de todo o documento, o Bispo se repete a explicar que apenas aconselha e propõe pistas e que «ninguém julga ninguém e todos estimulamos todos para nos adequarmos sempre mais e melhor à absoluta fidelidade de Deus», porque se insurgem tantas vozes contra o Patriarca de Lisboa?
Normalmente não são as vozes dos cristãos mais simples que vivem a sua fé com o coração e com poucas complicações. Leiam-se os textos, a imensidade de textos reproduzidos na imprensa com acusações ao Patriarca. Trata-se maioritariamente de ateus, de ex-católicos, de pessoas sem religião ou de outras religiões. Então por que se indignam? Mentira! Não se trata de indignação, mas apenas de mais um pretexto para a guerra que movem a Deus e à Igreja. Claro que alguns, além de católicos, até são padres, frades, professores catedráticos ordenados, mas que sistematicamente lutam contra a Igreja. Honestamente em relação a erros que a Igreja comete ao longo da História, também São João Paulo II reconheceu os pecados da Igreja e por eles pediu perdão. Depois Bento XVI. E Francisco. Todos tiveram a humildade de pedir perdão. Mas há adultos, idosos, padres, frades, professores catedráticos ordenados, que não conseguiram ultrapassar a Idade do Armário e estão sempre contra tudo e contra todos. Aconchegam-se sob a batina do Papa Francisco quando o que ele diz lhes agrada, mas logo se espantam e o bicam se as palavras evangélicas do Papa não vão ao encontro dos seus desejos. Todo um texto com imensas mensagens é desprezado para alcandorar descontextualizada uma proposta que é feita sob condição de ser ou não seguida.
Quem discorda do Patriarca deve dizê-lo. Com confiança no auxílio do Senhor, sem inventar argumentos, mas expondo as suas razões. E se isso eventualmente lhe causasse uma despromoção ou uma não promoção… afinal os católicos e os católicos mais responsáveis acreditam ou não na Verdade? Que é uma despromoção comparada à vergonha da Cruz?
Quanto aos não-católicos… que falem, se precisam mesmo de falar. Só é pena que movam tantos atrás com as suas falácias, dizendo que o Patriarca escreveu o que não escreveu.
Também não ficam bem na fotografia todos os padres que continuam a sorrir ao Patriarca e a mostrar-lhe o seu apoio neste assunto e por trás murmuram. E lá vinha outra vez São Paulo, agora com a maledicência. Mas ficamos por aqui.



Cunegonda Kinga
A chamada “Mãe da nação Polaca”, Cunegonda Kinga, viveu no século XIII.
Em 1239, com quinze anos de idade, os pais de Cunegonda combinam o seu casamento com o príncipe Boleslau, filho dos reis da Polónia, na expectativa de criar uma aliança entre os dois estados, contra a ameaça dos Tártaros da Mongólia.
A mãe de Boleslau, Grzymislava ocupou-se da educação de Cunegonda, fazendo ressaltar os seus dotes intelectuais e espirituais. Um voto de castidade uniu os dois esposos, sendo Boleslau conhecido na História, com o cognome “O Casto”.
Kinga professa, com autorização do esposo na Ordem Terceira de São Francisco. Em 1241 a Polónia e a Hungria são devastados pelos Tártaros, provocando a fuga da família real. Só em 1243, Boleslau reassume o trono em Cracóvia. Cunegonda Kinga oferece o seu dote, cerca de sete toneladas de prata, para a reconstrução do país destruído.
Este casamento casto poderia não ter produzido filhos, mas Kinga adoptou os polacos, especialmente os pobres, os doentes, os desprotegidos, de tal maneira que após a sua morte, o seu culto surge espontaneamente.
Em 1279 morre o rei Boleslau e Kinga retira-se para um mosteiro de clarissas (Ordem feminina dos franciscanos, fundada por Santa Clara de Assis), fazendo a profissão religiosa em 1289. Fez a tradução dos salmos para polaco e estimulava o seu canto nesta língua, facto que além do significado espiritual é considerado um dos pilares da cultura polaca. No mesmo sentido mostrou-se grande apreciadora da música, do canto, da pintura, contribuindo muito para o desenvolvimento cultural da Polónia. Ao mesmo tempo, revelava-se um exemplo de espiritualidade, no silêncio e na oração. Teve também intervenção importante na resolução de conflitos religiosos ou políticos, tanto na Polónia como na Hungria.
O culto de beata foi confirmado em 1690, pelo Papa Alexandre VIII. Em 1715 o Papa Clemente XI estabeleceu-a Padroeira da Polónia e da Lituânia. O decreto reconhecendo as suas virtudes heróicas permitiu a Sua Santidade João Paulo II canonizar Cunegonda, a 16 de Junho de 1999, em Stary Sacz, na Polónia.

Carvalho, Orlando de, Os Santos de João Paulo II, Lusodidacta, 2005. Lisboa.

10 comentários:

  1. Gostei muito da tua " Carta Aberta"...
    "Conseguiste acertar" em vários alvos...
    Que Deus te ajude a "manter a pontaria"...
    E ajude alguns a serem "menos hipocritas..." e mais cristãos...

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  2. Li e reli a sua carta aberta no entanto estou com o Patriarca de Lisboa. Temos que compreender a Exortação Apostólica no seu todo e não em parte. Depois o singirmo-nos a S. Paulo e aos seus escritos não nos esqueçamos que estamos a uma distância muito grande.Faz uma reflexão e não me revejo nela.

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    1. Amigo José Pereira, parece-me que não entendeu o que escrevi.
      Se está com o Patriarca, então de que discorda neste artigo?
      Este artigo não entra em colisão com a nota do senhor Patriarca.
      Leia de novo por favor.
      Até apresento o exemplo concreto de Santa Cunegonda.
      Uma boa noite.

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  3. Li com reserva mas, depois, com satisfação, a carta em causa e ela é, sem contestação, um forte apoio, secundado com exemplos de São Paulo, ao Senhor Cardeal Patriarca, além de verberar, com todas as letras, todos os falsos "puristas" conservadores e, sobretudo, progressistas que, sob o pretexto de debitar ruído na atmosfera, pretendem por em causa o que foi dito com reta, simples e honesta intenção.

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  4. Que dizer ?....diria que sobre este assunto já foi dito de tudo ,porém chego sempre à mesma conclusão : " a César o que é de César ,a Deus o que é de Deus" . Sou casada pela igreja há 40 anos ,fui católica praticante ,deixei de ser praticante per vergonha que sinto de certos membros do clero.Como podem opinar sobre assuntos sexuais dos casais, se a Vossa não é de todo uma conduta exemplar ?!....deem o bom exemplo e opinem menos. A incoerência do clero é nauseante.Não renego nada na minha vida,consequentemente morrerei católica que chora pelos santos que acreditaram numa Igreja Católica profanada pelos seus filhos que usam a Igreja pelo poder que ainda hoje possui,vivem numa hipocrisia desprezível. Não tenho o direito de julgar ninguém,sou também eu pecadora.Todavia não compreendo quem fez votos,de pobreza e castidade,os quais não compre,poderá um membro desse clero pecador julgar ou opinar sobre os demais ?

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    1. Maria canhoto, todos podemos opinar sobre o que entendermos. Parece-me ser esse a sua principal questão. E parece-me que, parecendo ser uma pessoa inteligente, o seu erro deverá ter sido o ficar pelas opiniões que alguns deram na comunicação social e não ter lido a Nota do Patriarca. Nela não é feita acusação alguma, ao contrário do seu comentário onde são feitas acusações e juízos de valor, assim como que atirados para o ar.
      Deixo-lhe o meu testemunho, a propósito de ter deixado de ser, como afirma, católica praticante. Não vou à missa pelo padre, nem pelo bispo, nem pelos papa, nem pelos santinhos todos. Faço a minha vida religiosa em função de Deus. Para a minha prática religiosa procuro não ser influenciado nem pela vida privada do padre, nem pela maneira de vestir de quem participa na missa, nem sequer pelos telefones que tocam na missa.

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  5. Eu estou com a Maria Canhoto, cada um sabe de Si e Deus sabe de todos. Porque não tenta a Cardeal Patriarca arrumar a cada, para que o clero seja um exemplo como o foram os apóstolos. Como pode um pai educar is filhos se não for através do exemplo. Creio a carta será lida e interpretada por cada ser em função da sua realidade e da sua vivência.

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    1. Se está com a Maria canhoto, a resposta para ela será também para si.
      Quanto aos Apóstolos... Judas traiu, Pedro negou e ainda assim é santo.

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  6. Excelente carta e testemunho, solidarizo-me com esta sua iniciativa. Indica na carta importantes verdades, obrigado.

    Saliento dois pontos importantes que refere, "padres, frades, professores catedráticos ordenados, mas que sistematicamente lutam contra a Igreja" parece ser infelizmente a existência de uma tendência profundamente liberal que quer anúnciar um Evangelho sem Cruz, sem os mandamentos que não são um fardo, como indica na postagem seguinte é "a lei antiga elevada ao expoente do amor desmedido": amor e entrega total ao próximo. Querem reduzir Cristo apenas a amor e paz onde a Graça é apenas um bilhete que se obteve e se guarda no bolso. Estão sempre contra a Igreja, não acreditam nela por isso são chamados e ouvidos pelo mundo, pela comunicação social são eles que são chamados a dar opinião.

    Outro ponto importante é onde indica "Aconchegam-se sob a batina do Papa Francisco quando o que ele diz lhes agrada, mas logo se espantam e o bicam se as palavras evangélicas do Papa não vão ao encontro dos seus desejos", é verdade, parece que mais do que concordarem com o Papa Francisco em certa forma se aproveitam para a partir das palavras evangélicas reduzirem a Igreja apenas a um clube de paz e amor.

    É importante um testemunho e dedicação como o que apresenta nesta carta, precisamos de ser católicos de verdade, na Igreja que é a do Senhor, que é Una, Santa, Católica e Apostólica. Ensinarmos, compreendermos e vivermos o que é a Graça de Deus. Que não é um bilhete que se obteve e se guarda no bolso para a partir daí sermos apenas "bons" e criarmos um mundo "melhor". É antes partilhar e ter a vida em Deus, é Caridade com amor e entrega total ao próximo no amor e por amor de Deus. Só assim vamos compreender as palavras e testemunho do Papa Francisco.

    Obrigado por esta sua carta.

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